domingo, 11 de agosto de 2024

Universidades e inteligência artificial

 Por Miguel Româo*

Pesquisa revela que universitários usam inteligência artificial para estudar

Há cerca de três meses, recebi o que creio ter sido o meu primeiro trabalho de uma estudante universitária, no primeiro ano de licenciatura, feito pelo ChatGPT ou um seu concorrente. É um momento marcante para um professor! A autoria, naturalmente, não me foi indicada. Li o trabalho e pensei na nota que lhe atribuiria, mas, entretanto, cheguei à bibliografia que teria sido usada. E, nesta, uma lista de várias obras que não existem, inventadas, mesmo se com nomes de autores reais. O texto era uma coisa relativamente banal, sem erros, mas sem rasgo, possível de ser apresentado por um estudante mediano de 18 anos no seu primeiro ano de faculdade. Não entusiasmava, mas não chocava. E admito que, não fosse a bibliografia inventada – o que um estudante ligeiramente mais preparado teria facilmente reconhecido e alterado –, podia perfeitamente ter passado como trabalho próprio.

Por via das dúvidas, ainda usei uma ferramenta que afiança poder determinar se um texto terá sido preparado por um sistema de inteligência artificial ou redigido pelo pobre humano: deu-me o resultado de 4% de probabilidade de tal trabalho ter sido redigido por uma pessoa... E pedi expressamente à estudante que me desse as indicações de onde tinha consultado aquela “bibliografia”, email que ainda está por responder. Como dizia Jorge Luís Borges, em vez de se escrever 500 páginas, é melhor simular que esse livro já existe e oferecer apenas um seu comentário.

As instituições de ensino e de investigação estão, perante a fronteira que estamos todos a atravessar, num momento decisivo e delicado. E creio não valer a pena, por irrelevante, qualquer intenção proibicionista ou essencialmente sancionatória. Com os meus estudantes numa outra cadeira, já no mestrado, vemos em aula diversas ferramentas de IA, que os podem auxiliar na recolha e análise de informação. Qualquer investigador em contexto académico é um analista e editor de informação. Eu próprio, quando estive a colaborar no recrutamento de uma analista de informação noutro contexto, optei por uma licenciada e mestre em Filosofia, que reunia três capacidades fundamentais: sabia escrever, sabia pensar e sabia recolher e analisar informação. O emprego podia nem sempre envolver Heidegger, mas era sempre sobre discurso e intencionalidade humana, exigia mundividência e cultura, pedia espírito crítico e assunção de opções.

Isto pode também agora ser simulado por ferramentas de IA, especialmente em contextos em que não haja discussão sequencial sobre temas ou textos. Ora este último aspeto é do mais decisivo na formação universitária e sempre o foi – haja tempo e capacidade recíproca para o desenvolver. No próximo ano, acho que vou pedir, como trabalho, que preparem um prompt – as perguntas, mais do que nunca, valem mesmo mais do que as respostas.

* Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 

Fonte:  https://www.dn.pt/2432353175/universidades-e-inteligencia-artificial/ Imagem da Internet

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