"Diante de episódios semelhantes ao que aconteceu em Paris há uma semana, corremos o risco de trair o Senhor como fez Pedro,
jurando e declarando sem lembrar a nós mesmos e aos outros que, como
todo homem e mulher é um ícone de Jesus, também as pessoas que nos
causam embaraço, como certas drag queens, foram criadas à sua imagem e nunca devem ser renegadas",
Eis o artigo.
Uma semana após a cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris, eu gostaria de pedir a cada um de nós que fizesse um exame de consciência. Em especial, eu gostaria que fizéssemos um exame de consciência sobre aquela cena, interpretada por algumas drag queens, que, para muitos, nada mais era do que uma paródia de A Última Ceia de Leonardo da Vinci.
No primeiro dia, mais de uma pessoa reclamou escandalizada, enquanto muitos argumentaram que, escândalo ou não, não havia dúvida de que a ideia de propor uma cena que lembrasse a obra-prima de Leonardo, fazendo-a ser interpretada por um grupo de drag queens, era, de qualquer forma, uma escolha de mau gosto que poderia ter sido evitada.
A história começou a ficar séria quando os bispos franceses falaram de "Cenas de escárnio e zombaria do cristianismo" e o presidente da Pontifícia Academia para a Vida falou de "Uma zombaria blasfema de um dos momentos mais sagrados do cristianismo".
Após essas reações, vieram os esclarecimentos dos responsáveis pela cerimônia de abertura, que especificaram que a referência iconográfica da cena incriminada não era A Última Ceia, de Da Vinci (que, como todos sabem, é conservada na Itália), mas O Banquete dos Deuses, de Harmensz van Bijlert, que, ao contrário, é conservado na França.
Nos dias que se seguiram, teve uma grande troca de acusações: de um lado, havia muitas pessoas que assumiram os sentimentos do Sumo Sacerdote no Sinédrio que na frente de Jesus rasgou suas vestes, dizendo estar na presença de uma blasfêmia; do outro lado, muitas outras pessoas que minimizavam o episódio, dizendo que tinha havido um mal-entendido e que a culpa era dos católicos por verem malícia onde não havia.
Uma semana depois, quando o embate sobre o que muitos chamam de ideologia woke se deslocou para outros tópicos, eu gostaria de humildemente propor um exame de consciência aos muitos que, como eu, se sentiram desconfortáveis ao ver uma cena em que, aos personagens pintados por Leonardo, eram sobrepostas algumas drag queens mais ou menos vistosas (e, entre elas, Barbara Butch, a DJ que ocupava abundantemente o centro da cena, era certamente a mais vistosa).
Quase de imediato me veio à memória uma pintura que vi em uma típica trattoria napolitana de Milão: lá também há uma paródia de A Última Ceia, de Leonardo, com Sofia Loren no lugar de Jesus e com muitos personagens amados pelo povo de Nápoles no lugar dos apóstolos. Isso me levou a pedir ao Google que me mostrasse algumas "paródias e A Última Ceia".
Os resultados são muitos: desde aquela com a águia estadunidense no lugar de Jesus até aquela em versão digital, em que nenhum dos discípulos presta atenção a Jesus, pois estão todos concentrados nos seus celulares e PCs; daquela com os personagens da Disney até aquela com os Simpsons; daquela em que Mao Tse Tung está no centro até aquela em que no meio se destaca o letreiro do McDonald's.
Diante de uma variedade tão grande de "provocações" sobre o que D. Paglia definiu de "um dos momentos mais sagrados do cristianismo", por que as reações aconteceram apenas agora que a cena foi interpretada por algumas drag queens? Talvez porque, pela primeira vez, uma paródia desse tipo estava sendo transmitida para todo o mundo.
Acredito, no entanto, que há também outra razão por trás das vozes que falaram de blasfêmia, ou seja, a presença de alguns "irregulares" que fazem da transgressão e da irregularidade o motivo de seu sucesso.
Assim, meu pensamento foi novamente para os últimos versículos de Mateus 26, aqueles em que "O sumo sacerdote rasgou as vestes, dizendo: 'Blasfemou!'", escandalizado com o fato de Jesus, um "irregular" pois vinha da Galileia (Jo 7,52), ousasse reivindicar uma relação privilegiada com Deus. E são justamente esses versículos que me inspiraram a atitude certa a tomar diante da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris, onde a indignação de alguns (que falaram de "blasfêmia") foi contrabalançada pela hipocrisia de outros (que fingiram cair das nuvens quando milhões de pessoas viram uma paródia de A Última Ceia, de Leonardo). De fato, se lermos os versículos que seguem o episódio em que Jesus é acusado de ser blasfemo, veremos que o autor de João relata a traição de Pedro que, quando confrontado com as afirmações dos servos do Sumo Sacerdote, "negou outra vez com juramento: não conheço tal homem".
E assim descobri que nós também, diante de episódios semelhantes ao que aconteceu em Paris há uma semana, corremos o risco de trair o Senhor como fez Pedro, jurando e declarando sem lembrar a nós mesmos e aos outros que, como todo homem e mulher é um ícone de Jesus, também as pessoas que nos causam embaraço, como certas drag queens, foram criadas à sua imagem e nunca devem ser renegadas.
*Escreve, leigo católico gay italiano, presidente do Il Guado, de Milão, um grupo de reflexão sobre fé e homossexualidade, em artigo publicado por Progetto Gionata, 03-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/642031-por-que-a-ideia-de-uma-santa-ceia-com-drag-queens-escandaliza-alguns-seguidores-de-cristo
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