Por Djamila Ribeiro Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.
Ilustração de Aline Bispo para coluna de Djamila Ribeiro de 15 de agosto de 2024 -
Ele está sempre acompanhado de cachorros, o que é um símbolo de sua lealdade
Em primeiro lugar, gostaria de prestar solidariedade a todas as famílias de passageiros e tripulantes que perderam a vida na tragédia aérea do voo 2283. Fiquei consternada quando soube e só posso expressar lamento por essa perda irreparável.
Espero que as investigações identifiquem as razões da queda do avião, para que nunca mais se repita e que haja a devida responsabilização legal. Que esse episódio enseje um olhar mais atento à importância de regulação pública rigorosa e independente do setor da aviação, assim como sobre a importância de uma fiscalização contínua de todas as aeronaves em operação no país, dos serviços de transporte de passageiros e das atividades econômicas a eles relacionadas.
Uma aeronave não cai por um único motivo. Que o acidente enseje uma avaliação dos aeroportos e condições de trabalho, da porta do aeroporto até a porta da aeronave, sobretudo de pilotos e pilotas. Reitero minha solidariedade às famílias e orações para que as vítimas descansem em paz.
Seguindo nossa série sobre orixás neste jornal, hoje conversaremos um pouco sobre Ogum, o orixá general. Orixá dono do ferro, das guerras e tecnologias, foi pioneiro e desbravou caminhos no mundo, criando trilhas e abrindo estradas. Ele é conhecido por sua força e coragem incomparáveis, e por se banhar de vermelho em batalhas.
Ogum, após suas muitas vitórias, decidiu voltar para a cidade onde ele era o rei. Ele havia se ausentado por anos, lutando para proteger seu povo e expandir seus domínios. No entanto, ao se aproximar, algo inesperado aconteceu.
Enquanto chegava aos portões da cidade, esperava ser recebido com festas, cantos e celebrações. Contudo, encontrou um silêncio sepulcral. Ninguém saiu para recebê-lo, o povo estava reunido quieto. Ogum, sentindo-se desrespeitado, ficou furioso. Para ele, o silêncio de seu povo não era só uma falta de reconhecimento, mas também uma traição.
Sem hesitar, Ogum desembainhou sua espada e, em sua ira, começou a matar todos aqueles que encontrava pelo caminho. Ele, com sua espada de ferro, tomou a vida de muitas pessoas até, finalmente, sobrar apenas uma única pessoa para contar o que havia acontecido.
Ela revelou a Ogum que o silêncio do povo não era por desrespeito ou traição, mas porque estavam jejuando e orando por sua segura volta, em profundo respeito e reverência. Ao ouvir isso, Ogum, completamente tomado pelos sentimentos de culpa e arrependimento, se divinizou.
Penso que esse itã é muito importante para entendermos a natureza humana dos orixás. Ogum é protetor implacável de seu povo e justo. De outro lado, é impulsivo e severo. É a natureza complexa dos orixás que motiva muita reflexão.
Cultuados em diferentes regiões, desde tempos imemoriais, os orixás possuem muitos itãs a seu respeito, sendo alguns inclusive conflitantes entre si. Não há um código único que relate a vida dos orixás. Entretanto, é possível mesmo assim entender aspectos sobre cada um deles a partir de uma reflexão crítica sobre o que aquele itã está a dizer.
A propósito, citei Ogum nesta mesma série quando escrevi o texto sobre Iansã. Nele, conto como o guerreiro roubou a pele de búfala da orixá e a reflexão que se desenrolou a partir de então.
Mas o que não contei naquele texto é que, certa vez, ele volta de uma guerra e encontra na sua casa uma criança filha de sua mulher. Pelas suas contas, considerando o tempo que ficou fora, não teria como ser sua filha. Iansã coloca a criança em seu braço e diz "o filho é seu". Ogum aceita sem questionar, criando-a como sua própria.
Seu amor por Iansã é evidente, assim como seus sentimentos por outras orixás, como Oxum e Iemanjá —que será o tema de nosso próximo texto, a qual em boa parte dos itãs é considerada como mãe de Ogum. Como canta lindamente Mateus Aleluia, a relação entre esses dois orixás é única.
Os povos de terreiro saúdam Ogum com um poderoso "Ogunhê!" e pedimos sua proteção na luta do dia a dia. Ele está sempre acompanhado de cachorros, o que podemos pensar como símbolo de sua lealdade.
Sobre esse assunto, Zeca Pagodinho é lembrado pela música "Ogum", mas tem uma outra que canta que também penso ser a cara do orixá guerreiro, quando no refrão diz: "Quando a gira girou, ninguém suportou, só você ficou, não me abandonou, quando o vento parou e a água baixou, eu tive a certeza do seu amor".
Que o nosso pai Ogum nos abençoe sempre.
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/djamila-ribeiro/2024/08/ogum-protetor-de-seu-povo-e-justo-impulsivo-e-severo.shtml
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