Crítica discute como lidar com hegemonia de homens brancos na literatura e defende a leitura de escritores machistas
Se, com um pouco de exagero, a leitura de um romance é uma espécie de alucinação —em que a pessoa que lê experimenta a vida de personagens em um universo ficcional—, quantas vezes as mulheres alucinaram ser homens?
Esse é um dos pontos de partida de "O Homem Não Existe: Masculinidade, Desejo e Ficção" (Zahar), de Ligia Gonçalves Diniz, crítica literária e professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Nos ensaios do livro, a autora discute como essa alucinação, movida pela hegemonia masculina na literatura, molda a subjetividade das mulheres. Em primeiro lugar, Diniz questiona de que forma ler como um homem por tanto tempo influenciou como ela própria se vê no mundo.
A pesquisadora busca ultrapassar os termos usuais da equação de gênero, discutindo como obras de ficção incorporam obsessões fálicas e narrativas elogiosas de homens em fúria, supostamente dominados por testosterona em excesso.
Na entrevista, Diniz insiste ser essencial trazer a noção de corpo para esse debate e defende que escritores misóginos e obras machistas não deixem de ser lidos, por permitirem, entre outros motivos, conhecer os opressores por dentro.
Defendo que se represente o corpo masculino na chave do fetiche. Que apareçam mais homens seduzindo, homens que despertem o desejo. Personagens femininas sedutoras são muito frequentemente representadas como corpos que permitem aos homens pensar o que quer que eles pensem. Por isso, as mulheres precisam corresponder a determinados padrões. Elas não têm que ter uma força própria que perturbe, e a sedução vem muito de se adequar a uma norma. Já a ideia de fetichizar o corpo masculino não pensa nesse corpo como um objeto que nos permite ser 'sujeitas', mas como corpos que fazem com que a gente saia da experiência cotidiana banal e fique desconfortável
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O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.
Já participaram do Ilustríssima Conversa Paolo Demuru, que discutiu o poder de sedução de narrativas conspiratórias, Camilo Rocha, autor de livro que registra a história da música eletrônica de São Paulo, Natalia Viana, que relembrou sua participação no WikiLeaks, Raquel Barreto, pesquisadora do pensamento de Lélia Gonzalez, Carlos Poggio, professor de relações internacionais que analisa como o Brasil moldou a influência dos EUA na América do Sul, Luís Fernando Tófoli, psiquiatra engajado em pesquisas sobre os efeitos da ayahuasca, Pedro Arantes, que defende que a esquerda se levante do conformismo, Monica Benicio, viúva de Marielle Franco, Carlos Fico, historiador que pesquisa a ditadura e a intervenção de militares na política brasileira, Fernando Pinheiro, sociólogo que discutiu como imagens de escritores se mesclam em seus livros, Guilherme Varella, para quem o Carnaval de rua é um direito, entre outros convidados.
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Fonte : https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2024/08/ficcao-tambem-deveria-fetichizar-corpos-masculinos-diz-ligia-diniz.shtml
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