Por VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
Nobreza dos fins não faz com que os meios sejam flexibilizados ou, pior, desconsiderados
Se voluntarismos não fazem bem à democracia, como afirma o título deste artigo, o mesmo vale para a perda de referência entre fins e os correlatos meios. No recente episódio sobre as práticas do ministro Alexandre de Moraes, trazido por esta Folha e cuja divulgação parece ser contínua, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) entende útil resgatar o que defendeu do Supremo Tribunal Federal e de seus membros dias após as barbáries em prejuízo da democracia.
No artigo "O que faremos depois de 8 de janeiro?", (16/1/23), dissemos que "o exemplo de controle contra o autoritarismo, da tábua de salvação para a observância dos direitos individuais, deve vir do STF, que não deve perder a serenidade e responsabilidade por reerguer a combalida democracia". Retomamos o nosso posicionamento.
A intentona debelada, à qual se seguiu miríade de investigações, manchará a história do país como vergonhoso e, espera-se, irrepetível ataque às nossas instituições-símbolo.
A defesa que se formou no Supremo, liderada por Alexandre de Moraes em reação às orquestrações de golpe centradas até em inconformismo com o resultado da eleição para a Presidência da República, trouxe alívio a quem não arreda pé da democracia. O país é sequioso por esclarecimento e punição dentro do devido processo legal a quem pode ter sido responsável até por falsificações, tramoias aduaneiras com fins de locupletamento ilícito, divulgação de mentiras em cenário eleitoral e outros crimes.
Acontece que a nobreza dos fins não faz com que os meios sejam flexibilizados —ou, pior, desconsiderados. Há, na Justiça dos pobres e ricos, golpistas e democratas autênticos, relação de adequação a se obedecer. É inconcebível —ontem, hoje ou amanhã— achar que a máquina da Justiça, em matéria de relação entre fins e meios, possa funcionar como um pêndulo em movimento.
Essa advertência, que o instituto resgata, provoca a reflexão
da necessidade de serenamente aguardar os esclarecimentos quanto à
lisura dos procedimentos entre gabinetes do STF e do Tribunal Superior
Eleitoral. É fundamental que isso seja entendido, em respeito à
população, ao Supremo e a seus membros.
Espera-se que as explicações sejam convincentes para não se questionar a
importantíssima apuração feita com enorme custo institucional e pessoal
a todos os brasileiros e brasileiras. Após o 8 de janeiro, a Suprema
Corte foi forçada a assumir um protagonismo que evitou que a horda de
pessoas incitadas por motivação autoritária nunca escondida tomasse o
país de refém.
Agora, o risco de se ver paralelismos entre as atitudes do ministro Alexandre de Moraes e o ex-juiz federal Sergio Moro não pode ser levado a sério. As comparações fazem pouco caso da determinação de um e outro, e esquecem do papel desempenhado pelo ex-juiz, que não mediu esforços, quando se achava plenipotenciário, ao atropelar as mais basilares regras de observância na cena judiciária em prol do aparelhamento ideológico ao qual já estava vinculado. Aproximar uma figura da outra é jogar combustível na reação costumeiramente destemperada de quem verbera por punição ao ministro Moraes sem disfarçar espírito revanchista e, novamente, antidemocrático.
Atento ao desenrolar dos acontecimentos, que oxalá atestem a regularidade do que se produziu, o IBCCrim retoma a advertência da relação entre meios e fins. Esse é o timão pelo qual a democracia deve se guiar.
De qualquer sorte, uma Justiça, de que grau seja, não deve ser feita com seus membros na defensiva ou no ataque. Não é bom caminhar com ânimos acirrados a partir de fatos em apuração, com a mesma relatoria para as investigações —problemáticas na raiz— dos atos de disseminação de notícias falsas e milícias digitais. Blindagem pessoal não se confunde com posicionamento institucional. Não é de cruzada contra o que pode significar a sujeira se levantando outra vez de debaixo do tapete que precisamos.
A sociedade é, já, devedora de decisões do ministro Moraes, inclusive por ter garantido o direito de voto na eleição presidencial e se empenhado em regulamentar plataformas de disseminação de informações.
Ainda assim, endossar a continuidade dessas investigações sob sua relatoria é, sem prejuízo de aguardar o deslinde dos fatos e se posicionar firmemente contra o oportunismo destrutivo que anda de braços dados com o revanchismo ideológico, desmerecer outro valor caro a quem depende da justiça: a imparcialidade. O STF é forte e coeso o bastante para encampar a solução. O quanto antes agir, melhor.
Renato Stanziola Vieira
Antonio Pedro Melchior
Raquel Lima Scalcon
Vinícius Assumpção
Respectivamente, presidente e diretores do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/08/voluntarismos-nao-fazem-bem-a-democracia.shtml
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