Por KARIN BRÜNING*
Quem são os seres superiores, as árvores ou nós?
No terceiro episódio da websérie Volume vivo, o pesquisador Antônio Nobre conta como na região amazônica as árvores mais antigas, chamadas árvores mães, captam a água de lençóis freáticos com suas raízes profundas e distribuem para as árvores mais jovens, localizadas em platôs, e que não alcançam o lençol freático. Sem a distribuição pelas raízes superficiais da árvore mãe, as árvores jovens morreriam no período de estiagem. A cooperação entre as árvores é realmente fascinante e inspiradora!
No livro A vida secreta das árvores, de Peter Wohlleben, a cooperação entre as árvores é apresentada como um sistema sofisticado e interligado, de apoio mútuo e comunicação. Peter Wohlleben descreve como as árvores numa floresta não são indivíduos solitários, mas fazem parte de uma rede complexa, através da qual partilham recursos, informações e até avisos sobre perigos potenciais, se comunicando por meio de sinais químicos no ar e de impulsos elétricos, enviados por suas raízes.
Esse exemplo da natureza nos leva à conclusão óbvia de que sem cooperação não há sobrevivência, nem nossa e nem das árvores. Essa cooperação nos beneficia não somente com a pureza do ar, com a manutenção de fontes de água e uma agradável sombra nos dias de calor, mas até mesmo estimulando células no nosso organismo, que combatem o câncer.
Um estudo realizado no Japão, publicado no International Journal of Immunopathology and Pharmacology (Li et al.), em 2007, demonstrou que caminhar na natureza, especialmente em ambientes florestais, pode aumentar a produção das células natural killer. Um passeio, ou um “banho de floresta”, que envolvia caminhar nas florestas por várias horas durante dois dias, aumentou 50% a atividade das células natural killer.
Que tal, então, mudar o nosso olhar de seres do topo da cadeia alimentar, que contempla a natureza como algo a seu dispor, e tentar captar os valores internos que ela tem a nos ensinar, com respeito e gratidão?
No Butão, as crianças aprendem compaixão e bem-estar emocional como parte da sua educação inicial, mesmo antes de iniciarem estudos formais como a matemática. O Butão dá grande ênfase à Felicidade Nacional Bruta (FIB) como filosofia orientadora, que inclui a promoção do bem-estar mental e emocional, da atenção plena e de valores como a compaixão no sistema educacional. O Felicidade Nacional Bruta é uma abordagem holística que dá prioridade ao bem-estar dos seus cidadãos, à conservação ambiental, à preservação cultural e à boa governança em detrimento de indicadores puramente econômicos.
O Butão não é considerado um país rico em termos econômicos tradicionais, como o PIB per capita, mas classificado como um país de renda média-baixa pelo Banco Mundial. O país tem uma economia relativamente pequena e em desenvolvimento, sendo a agricultura, a energia hidroelétrica e o turismo os principais contribuintes para o seu PIB.
Outro exemplo de país onde a felicidade é priorizada em detrimento de medidas puramente econômicas é a Costa Rica. A Costa Rica é frequentemente destacada como uma nação que valoriza o bem-estar, a sustentabilidade ambiental e a equidade social em detrimento do simples crescimento econômico.
O país possui extensos parques nacionais e quase um quarto de suas terras é protegido. Também fez investimentos significativos em energias renováveis, com cerca de 99% da sua eletricidade proveniente de fontes renováveis, como energia hidroelétrica, eólica e geotérmica. A Costa Rica tem consistentemente uma classificação elevada nos índices globais de felicidade e nas pesquisas de satisfação com a vida.
O foco do país na equidade social, na comunidade e no meio ambiente contribui para uma elevada qualidade de vida dos seus cidadãos. A “pura vida” é uma expressão comum na Costa Rica e reflete o etos nacional de viver uma vida feliz, relaxada e plena. Essa ênfase cultural em aproveitar a vida, manter relacionamentos positivos e permanecer conectado com a natureza está profundamente enraizada na sociedade costarriquenha.
Os exemplos do Butão e da Costa Rica podem parecer estranhos, mas algo dentro de nós diz que eles estão no caminho certo. A visão com parâmetros de felicidade pautados por valores materiais, poder de compra e consumo, cada vez mais evidencia a necessidade de mudarmos a forma como construímos nossos valores.
Acredito que a mudança é mais do que necessária. A preocupação com modelos sustentáveis de vida não deve se restringir a questões ambientais, mas há de se iniciar com a sustentabilidade interior. É preciso cuidarmos da natureza externa e interna, porque sem estofo nada se sustenta. Exemplificando o raciocínio: como esperar que uma criança tenha pena de arrancar uma planta, se nela não foi trabalhado o sentimento de compaixão? Em paralelo, nada impede que ela aprenda a contar o número de plantinhas, ou seja, que dê os primeiros passos na matemática.
Vivemos tempos em que o medo é comum a todas as classes sociais porque aprendemos que o bom é passar na frente, é competir e levar vantagem, e não cooperar para que todos fiquem bem. E as árvores, aquelas que são um exemplo de cooperação, a gente corta. Há muitas atitudes para serem recicladas, dentro de nós e em relação ao nosso entorno. Vale a pena dar uma oportunidade desde cedo às novas gerações para que se tornem adultos melhores do que nós.
*Karin Brüning é cientista e ambientalista, doutora em Síntese de Dendrímeros de Carbosiloxanos pela UFRJ. Fundadora da Play Recycling, plataforma de educação ambiental.
Fonte: https://aterraeredonda.com.br/felicidade-nacional-bruta/
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