terça-feira, 30 de junho de 2009

"Detesto o naturalismo da escrita"

João Gilberto Noll*
Entrevista

O escritor João Gilberto Noll abre hoje o ciclo de conversas com os 20 finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, cujos vencedores serão conhecidos no dia 3 de agosto, cada um faturando R$ 200 mil. São seis eventos gratuitos, abertos ao público, incluindo uma happy hour com os autores. Noll, que concorre com Acenos e Afagos (Record), falou com o Estado.
Que vantagens traz um encontro com seu público?
Não é que os meus livros sejam exatamente oralizantes. Pois detesto a gíria excessiva, o naturalismo da linguagem. Mas sem dúvida eles podem ser, digamos, cantados para um público. Tive formação de cantor. Na infância cantava em casamentos, festas do colégio e até em um enterro, pouco antes de fecharem o esquife. Além disso, sou um inveterado leitor de poesia - claro, amante do ritmo e da sonoridade da palavra. Esses fatores musicais e poéticos fazem a minha prosa. Por falar nisso, invejo enormemente a música, uma vez que ela não materializa ideias, é fundamentalmente um aparato físico. Tanto é assim que a música do século 19 chamada descritiva é ao meu ver intolerável. Já a ficção é bem mais intelectiva, seguidora da História. Minha prosa é pulsional, seguidora do inconsciente. E ler esses textos diante do possível leitor é como se eu desse uma voz física para meu protagonista. Uma voz que de mim sai em tom de canto gregoriano, com poucas modulações, para não distrair os presentes com dramatismos dispensáveis.
Ao criar, você acredita que sente o mesmo choque de seus leitores?
Sou um autor extremamente compulsivo ao escrever. É como se eu trabalhasse o tema muito mais com a pele das palavras do que com o enredo propriamente dito. Algumas frases estão muito longas, para justamente haver uma isonomia entre a forma e o mundo emergencial de hoje, um mundo que requer urgência. Então o ponto final da frase é adiado, para que tudo possa ser dito com grande rapidez, em constantes simultaneísmos. Quando escrevo me detenho primeiramente no aspecto estrutural da coisa. É a engenharia do romance que me ocupa mais. E esse estágio precisa ser mais sereno, distanciado. Assim, não tenho o choque a que você se refere, possivelmente vivido pelo leitor. Afinal, já não sou mais criança. Devo ter aí mais uma vivência de engenharia do que de pathos. Quanto à boa parte do enredo, o meu inconsciente se encarrega, até o resultado receber o tratamento de um certo mestre que eu hospedo.
Você disse, certa vez, que o escritor deveria "pegar o leitor pelo cangote e colocá-lo diante de seus desejos, de sua materialidade". Literatura seria, então, desnudamento?
Para mim, é. Talvez a literatura possa ser a enunciação daquilo que não se pode apontar no mundo social. Sei que há outras maneiras de se encarar a literatura, mais elucidativas do mundo social e histórico. Eu já tendo mais para o drama do indivíduo. É como se eu fizesse poesia lírica no romance. Falo desse sujeito olvidado das grandes cidades, sem qualificação para o trabalho, vivendo um pouco como o vagabundo de Chaplin pelas ruas, sempre com o rabo preso diante da autoridade policial. Hoje essa figura do vagabundo vai se esmaecendo. Esse protagonista, aliás, que é sempre o mesmo nos meus livros, agora está mais centrado. No último romance, Acenos e Afagos, ele tem esposa e filho, vive numa casa de classe média. Mas vive, fora do lar, num mundo paralelo inebriante. Esses protagonistas são o mesmo no território da alma, não nas circunstâncias de profissão, contexto geográfico, etc. Não dou continuidade, não, de um livro para outro.
Um escritor tem obrigação moral com seus personagens ou com leitores?
Acho que o primeiro item desse olhar moral reside na fidelidade a si mesmo enquanto autor. Garanto que esse protagonista sem nome habita em mim e a ameaça de seu apagamento de fato me estremece. Eu não tenho muito mais além desse cara. Sinto que há uma relação entre os dois como se de conteúdo medieval, para lá de austera, despojada. E é com esse nada que eu quero continuar escrevendo. Sim, falo de um homem à flor do nada.
Palavras fazem mover as coisas?
As palavras ordenam, dão sentido. Qualquer ato do conhecimento usa o verbo. Mas a palavra pode ser também vertigem. E o retorno à clareza da manhã. Acho que quero fazer da palavra um lançar expressionista como o da tinta na tela. Qual um Iberê Camargo com suas cores arrancadas do peito. Primeiro a projeção, depois vamos ver no que deu. Eu escrevo com as palavras e não propriamente com ideias. Sendo assim, os vocábulos têm um sentido desbravador, são eles que abrem caminho para mais.
Reportagem de UBIRATAN BRASIL para o Estadão
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090630/not_imp395292,0.php 30/06/2009

Mestre da genética

Xico Graziano*

Nativos do México, os parentes selvagens do milho em muito diferem das atuais plantas do amarelo cereal. A domesticação das espécies altera os desígnios naturais da evolução. Isso se chama melhoramento genético.
Gramínea como qualquer capim, o milho original continha múltiplas e pequenas espigas, com surrados grãos. A cada colheita, porém, os agricultores pré-colombianos guardavam os mais vistosos bagos para servir de semente no próximo plantio. Em milhares de anos, o cereal se transformou pela seleção genética. Cresceu o sabugo.
Em todo o mundo, desde o surgimento da agricultura, centenas de espécies vegetais e animais foram sendo domesticadas e adaptadas, provando o mecanismo da evolução. Trigo, aveia e cevada, ovelhas e bovinos se encontram entre as primeiras conquistas da agropecuária. Nenhum deles, hoje, reconheceria seus antepassados.
Mas apenas em 1865 o inglês Gregor Mendel descobre o mecanismo da hereditariedade, criando as bases da moderna genética. Cruzando espécies distintas de ervilhas, ele percebeu que existiam, na descendência delas, traços dominantes e traços recessivos. A partir daí, formulou sua famosa teoria.
Cerca de 40 anos depois, o professor T. Morgan, também inglês, complementa a teoria descrevendo a função dos cromossomos e sua relação com os genes. Outras três décadas são necessárias para o norte-americano George Beadle mostrar como os genes, por meio das enzimas, comandam quimicamente as células. Finalmente, em 1953, a dupla Crick e J. Watson - aquele, inglês, e este, norte-americano - apresentou a maior das descobertas: a estrutura molecular do DNA, o ácido desoxirribonucleico. Núcleo da vida.
A partir daí, o melhoramento genético deslancha na agricultura. Na década de 1970, os cientistas da agronomia, comandados por Norman Borlaug, proclamaram a "revolução verde". A produtividade das lavouras e das criações cresce enormemente, desmentindo a alarmante predição da fome malthusiana. A tragédia agora reside na insuficiente renda das pessoas, não na fraqueza na produção de alimentos. Graças à agronomia.
História clássica da genética na agropecuária. Conhecendo os mecanismos da reprodução, os pesquisadores foram realizando cruzamentos direcionados, destacando características positivas das espécies. Por exemplo, frutas temperadas, como a uva, gostam de frio. O melhoramento genético, todavia, conseguiu aprimorar variedades tolerantes ao calor. Resultado: hoje se produz uva de excelente qualidade no quente oeste paulista tanto quanto no árido Nordeste brasileiro. Há 30 anos, quem quisesse chupar uva fina dependia de importações - a "uva Itália". Agora, de todas as cores e doçuras possíveis, a fruta se colhe por aqui mesmo. Baga brasileira.
O mesmo processo de melhoramento genético foi capaz de adaptar o cultivo da soja no Brasil. Oriunda da China, sua planta nativa florescia bem no frio. Entretanto, pesquisas realizadas, primeiro no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e depois na Embrapa, alteraram tal exigência, desenvolvendo variedades de soja adaptadas às regiões tropicais. Soja calorenta.
No ramo animal, nada mais ilustrativo que apontar as vantagens do melhoramento genético nas aves. Há poucas décadas, um frango demorava quatro meses para chegar à mesa. E precisava de muita lenha para amaciar sua carne. Assado no forno, então, nem pensar, endurecia qual pedra. Frango se comia ensopado na panela. E galinha velha virava canja.
Hoje, com apenas 47 dias de nascidos, bem pesados, milhões de frangos se abatem diariamente nos frigoríficos. Macio e barato, a população adora o fofo frango assado daquelas "televisões de cachorro" ou aprecia um peito de carne branca à milanesa. Frango caipira tornou-se comida excêntrica. Graças à melhoria genética das raças, mudou tudo no galinheiro.
Exemplos não faltam para comprovar as modificações genéticas obtidas, graças ao melhoramento, pela reprodução sexuada. Essa história feliz da agronomia, entretanto, por incrível que pareça, já começa a fazer parte do passado. Acontece que o surpreendente avanço da ciência, ao inventar a engenharia genética na década de 1980, turbinou a biotecnologia. Surge o produto transgênico.
A nova tecnologia permite que os cientistas transfiram características genéticas sem mais necessitar do cruzamento sexuado. Misturam-se genes interessantes de uma bactéria, por exemplo, no genoma de uma planta superior. Algo impensável no melhoramento clássico se permite na revolução genômica, abrindo fronteiras do futuro no campo.
Faleceu recentemente, aos 81 anos de idade, o agrônomo Ernesto Paterniani, pioneiro e protagonista da genética nacional. Filho de imigrantes italianos, o querido professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) lecionou, pesquisou e amou a seleção genética como ninguém, especialmente dedicada ao melhoramento do milho. Um mestre da genética.
Membro da Academia Brasileira de Ciências, o doutor Paterniani defendia apaixonadamente a engenharia genética. Ele sabia que, ao romper a barreira natural das espécies, a engenharia genética desperta inquietações científicas e éticas, típicas das grandes descobertas científicas.
Afirmava, todavia, que o temor dos produtos transgênicos, plenamente justificável, somente seria vencido pela luz da ciência, nunca pela negação da transgenia. E propunha maiores investimentos na pesquisa governamental, para garantir o domínio público e a segurança da biotecnologia. Combatia duramente o obscurantismo.
Sócrates disse que os sábios conhecem os limites da própria ignorância. Grandes cientistas, como Ernesto Paterniani, não sossegam. Morrem trabalhando.
*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.brSite: www.xicograziano.com.br
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090630/not_imp395219,0.php

Os normalopatas

JOÃO PEREIRA COUTINHO
Sorrio de espanto:
de acordo com a
bíblia da psiquiatria mundial, sou
um demente

A TIMIDEZ É doença? Uma amiga minha acredita que sim e procurou ajuda especializada. Entrou numa consulta de psiquiatria e, como normalmente acontece, nunca mais de lá saiu. Um ano depois, e algumas sessões depois, existem progressos: ela consegue estar num "evento social" e conversar "naturalmente" com as pessoas em volta. A terapia ajudou (muito). A medicação ajudou (muitíssimo): um coquetel de antidepressivos e ansiolíticos que a obrigaram a sair da concha e a conhecer o mundo.
Escutei tudo isso ao almoço e não pude deixar de pensar como o mundo é um local estranho. Tempos houve em que certos comportamentos pessoais eram parte da diversidade humana. Uma pessoa tímida era simplesmente uma pessoa tímida. Uma pessoa expansiva era simplesmente uma pessoa expansiva. Nem todos podemos ser borboletas. Alguns acordam para o mundo e descobrem, ao contrário do que Kafka dizia, que os pequenos insectos também têm o seu encanto.
Gradualmente, a psiquiatria começou a ter uma palavra sobre o assunto, procurando "regular" ou "normalizar" a variedade de que somos feitos. Não é preciso ter lido Foucault para acreditar nessa história, até porque o radicalismo de Foucault não ajuda e só atrapalha. Basta olhar em volta.
Basta olhar para amigos tímidos, ou então para crianças hiperativas (ou deliciosamente preguiçosas), e encontrar neles um potencial doente, um potencial demente, a exigir intervenção psicofármica. Uma parte da medicina moderna acredita na ideia, pessoalmente aberrante, de que deve existir um padrão de "equilíbrio comportamental" para definir um ser humano harmonioso, realizado e feliz.
O problema é que poucos correspondem ao padrão. Depois desse almoço, regressei a casa, disposto a investigar o crime. E então encontrei, por feliz coincidência, o relato precioso da última reunião da American Psychiatric Association, em São Francisco. Segundo parece, essa vetusta agremiação de luminárias discutiu as últimas alterações ao manual de referência da especialidade, o "Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder". Publicado desde 1952, e revisto de década em década, o manual pretende agora incluir novas "doenças" mentais, em sintonia com o espírito do tempo.
Exemplos? Vários.
Para começar, existem "doenças" relacionadas à alimentação. É o caso da "binge-eating disorder" e da "night-eating syndrome". Em linguagem de gente, a primeira refere-se a uma compulsão excessiva para comer mais do que o estritamente necessário; a segunda pretende diagnosticar, e tratar, o gosto perverso por assaltar a geladeira depois da meia-noite. Mas a lista de novas "doenças" não fica por aqui.
O vício pela internet e pelo e-mail ("internet addiction"); o gosto por vários parceiros sexuais, em sucessão ou em simultâneo ("sex addiction"); a compulsão "terapêutica" por compras ("compulsive shopping"); a fúria incontrolada e muitas vezes injustificada ("embitterment disorder"); o preconceito perante a "diferença" ("pathological bias"); e mesmo a tendência idiossincrática para colecionar materiais diversos ("pathological hoarding"), nada escapa à inquisição psiquiátrica.
Leio esse admirável cardápio e sorrio de espanto. Ou de medo. Ou de ambos. Razão simples: de acordo com a bíblia da psiquiatria mundial, eu sou objectivamente um demente. Nada que surpreenda os meus leitores mais regulares, é certo. Muitos menos as pessoas que partilham a minha existência.Mas algo me surpreende. Eu nunca imaginei que a minha gula (diária e noturna); os meus acessos de fúria (justificados ou não); os meus recorrentes preconceitos (contra políticos, adolescentes ou feministas); os meus desportos mais íntimos (que não incluem a monotonia); a forma criminosa como gasto fortunas (em camisas, sapatos, ternos); e a minha tendência para guardar obsessivamente os mais ridículos objetos (jornais antigos, próteses, peças de lingerie alheias), fosse motivo para tratamento médico especializado.Prometo marcar consulta. E prometo emergir das sessões um homem novo: vegetariano, ambientalista, tolerante, multicultural e, no duplo sentido da palavra, com espírito de missionário.
No mundo moderno em que vivemos, a única doença tolerável é mesmo a normalopatia.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3006200916.htm -Postado na Folha de São Paulo, 30/06/2009.

Revoluções

Moacyr Scliar*
“O certo é que o
imaginário popular
necessita disso,
de datas,
de nomes,
de locais — de festa”
Este mês de julho lembra dois importantes acontecimentos ocorridos no fim do século 18: a Revolução Americana de 4 de julho de 1776 e a Revolução Francesa de 14 de julho de 1789. Na verdade, a Revolução Americana foi mais uma guerra de independência, através da qual as então colônias se separaram da Grã Bretanha. A declaração de independência foi apresentada ao Congresso no dia 2, data que, segundo John Adams, um dos líderes do movimento, marcaria a efeméride; mas como a aprovação, e mais importante, a divulgação do documento ocorreu a 4 de julho, este ficou sendo o Independence Day. Ou seja: os americanos escolheram, para sua celebração máxima, o dia em que o povo tomou conhecimento da decisão, não o dia em que os congressistas (e não todos) assinaram a Declaração.
A Revolução Francesa teve um início curioso. A tomada da Bastilha em tese seria um acontecimento pouco relevante. Tratava-se de uma prisão relativamente pequena (no dia 14 apenas sete pessoas estavam ali em reclusão) e não destinada especificamente a prisioneiros políticos. E só foi invadida pelas armas e pólvora. Mas isso não tem muita importância. O certo é que o imaginário popular necessita disso, de datas, de nomes, de locais — de festa. E festas de independência são tradicionais celebrações. No hemisfério norte, julho é o mês do verão, e esta circunstância, que deve ter ajudado as duas revoluções, ajuda também a festa. E o 4 de julho é uma celebração grandiosa, em termos de desfiles, de festas, de fogos de artifício.
A tríade das revoluções se completa com a bem mais tardia (1917) Revolução Russa. Uma exposição de arte, que já passou por Brasília, está no Rio e depois irá para São Paulo, fala-nos disso. Intitulada Virada russa, reúne obras de artistas plásticos produzidas antes e depois da revolução que, aliás, coincidiu com um período de grandes mudanças na arte europeia (impressionismo, expressionismo, surrealismo). E o que se vê? De início essas obras eram inovadoras, criativas. Depois veio o stalinismo com suas rígidas determinações, seu autocrático controle — e os artistas tornaram-se medíocres propagandistas do regime. É que revolução significa conquista do poder e a ânsia de poder acaba por conquistar aqueles que conquistaram o poder. Os poderosos tendem a se perpetuar, a se eternizar; é a maldição que acompanha as revoluções. Ou elas mudam — o que seria de esperar; afinal, trata-se de acontecimentos marcados pelo dinamismo — ou elas acabam, e acabam de maneira sombria, por vezes em anticlímax. Foi o que aconteceu com a Revolução Francesa e com a Revolução Russa. Já a Revolução Americana foi diferente. Conquistado o principal objetivo, que era a independência, os Estados Unidos tomaram o rumo da democracia. E esta é, por assim dizer, uma revolução crônica, que introduz cotidianas mudanças, muitas vezes sem caráter bombástico.
Os Estados Unidos mudaram e a própria eleição de Obama é um testemunho disso. Um país escravagista, um país com um passado racista, um país assim elegeu um negro presidente — querem mudança mais expressiva? E mais, trata-se de um país que aprende com os próprios erros, que corrige constantemente seu rumo, muitas vezes de maneira quase imperceptível. Essa constatação é importante, porque o mito da revolução tem um apelo mágico. A ideia de transformação instantânea e violenta, de virar o mundo de cabeça para baixo, é uma ideia que ainda fascina muita gente. Em geral, porém, as grandes transformações são graduais. Para Marshall McLuhan, o canadense que numa época foi o guru da comunicação, as pessoas recusam mudanças que implicam mais de 10% de inovação. Essa porcentagem saiu, claro, da cabeça dele, mas é um número razoável e serve, pelo menos, como hipótese de trabalho. E de vida.
Mas voltando às datas, eis uma melancólica coincidência. Tanto John Adams como Thomas Jefferson, “pais fundadores” dos Estados Unidos, os únicos signatários da Declaração de Independência que se tornaram presidentes, faleceram no mesmo dia: 4 de julho de 1826, a data que marcava o cinquentenário da república americana. Coincidência? Talvez. Mas coincidência significativa e psicologicamente explicável: é bem provável que a sobrecarga emocional representada pela alegria da comemoração tenha sido excessiva para dois homens já idosos. Se é para morrer, então que seja em meio à festa, não é mesmo?
*Moacyr Scliar, escritor escreve quinzenalmente no Correio Braziliense.
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 30/06/2009

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Trilha de contradições

Lya Luft*
"Convencidos de que pensar dói e de que mudar
é negativo, tateamos sozinhos no escuro, manada confusa subindo a
escada rolante pelo lado errado"

"Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce." Já escrevi sobre essa frase. Sim, repito alguns temas, que são parte do meu repertório, pois todo escritor, todo pintor, tem seus temas recorrentes. No alto dessa escada nos seduzem novidades e nos angustia o excesso de ofertas. Para baixo nos convocam a futilidade, o desalento ou o esquecimento nas drogas. Na dura obrigação de ser "felizes", embora ninguém saiba o que isso significa, nossos enganos nos dirigem com mão firme numa trilha de contradições.

Apregoa-se a liberdade, mas somos escravos de mil deveres. Oferecem-nos múltiplos bens, mas queremos mais. Em toda esquina novas atrações, e continuamos insatisfeitos. Desejamos permanência, e nos empenhamos em destruir. Nós nos consideramos modernos, mas sufocamos debaixo dos preconceitos, pois esta nossa sociedade, que se diz libertária, é um corredor com janelinhas de cela onde aprisionamos corpo e alma. A gente se imagina moderno, mas veste a camisa de força da ignorância e da alienação, na obrigação do "ter de": ter de ser bonito, rico, famoso, animadíssimo, ter de aparecer – que canseira.

Como ficcionista, meu trabalho é inventar histórias; como colunista, é observar a realidade, ver o que fazemos e como somos. A maior parte de nós nasce e morre sem pensar em nenhuma das questões de que falei acima, ou sem jamais ouvir falar nelas. Questionar dá trabalho, é sem graça, e não adianta nada, pensamos. Tudo parece se resumir em nascer, trabalhar, arcar com dívidas financeiras e emocionais, lutar para se enquadrar em modelos absurdos que nos são impostos. Às vezes, pode-se produzir algo de positivo, como uma lavoura, uma família, uma refeição, um negócio honesto, uma cura, um bem para a comunidade, um gesto amigo.

Mas cadê tempo e disposição, se o tumulto bate à nossa porta, os desastres se acumulam – a crise e as crises, pouca trégua e nenhuma misericórdia. Angústias da nossa contraditória cultura: nunca cozinhar foi tão chique, nunca houve tantas delícias, mas comer é proibido, pois engorda ou aumenta o colesterol. Nunca se falou tanto em sexo, mas estamos desinteressados, exaustos demais, com medo de doenças. O jeito seria parar e refletir, reformular algumas coisas, deletar outras – criar novas, também. Mas, nessa corrida, parar para pensar é um luxo, um susto, uma excentricidade, quando devia ser coisa cotidiana como o café e o pão. Para alguns, a maioria talvez, refletir dá melancolia, ficar quieto é como estar doente, é incômodo, é chato: "Parar para pensar? Nem pensar! Se fizer isso eu desmorono". Para que questionar a desordem e os males todos, para que sair da rotina e querer descobrir um sentido para a vida, até mesmo curtir o belo e o bom, que talvez existam? Pois, se for ilusão, a gente perdeu um precioso tempo com essa bobajada, e aí o ônibus passou, o bar fechou, a festa acabou, a mulher fugiu, o marido se matou, o filho... nem falar.

Então vamos ao nosso grande recurso: a bolsinha de medicamentos. A pílula para dormir e a outra para acordar, a pílula contra depressão (que nos tira a libido) e a outra para compensar isso (que nos rouba a naturalidade), e aquela que ninguém sabe para que serve, mas que todo mundo toma. Fingindo não estar nem aí, parecemos modernos e espertos, e queremos o máximo: que para alguns é enganar os outros; para estes, é grana e poder, beleza e prestígio; para aqueles, é delírio e esquecimento.

Para uns poucos, é realizar alguma coisa útil, ser honrado, apreciar a natureza, sentir o calor humano e partilhar afeto. Mas, em geral medicados, padronizados, desesperados, medíocres ou heroicos, amorosos ou perversos, nos achando o máximo ou nos sentindo um lixo, carregamos a mala da culpa e a mochila da ansiedade. Refletindo, veríamos que somos apenas humanos, e que nisso existe alguma grandeza. Mas, convencidos de que pensar dói e de que mudar é negativo, tateamos sozinhos no escuro, manada confusa subindo a escada rolante pelo lado errado.

*Lya Luft é escritora
http://veja.abril.com.br/010709/p_026.shtml - Revista VEJA Ed.2119 nº 26 – 1ºde julho de 2009

"Há abusos em nome de Deus"

Marília Camargo César*
Jornalista relata os danos do assédio espiritual
cometido por líderes evangélicos.
A igreja evangélica está doente e precisa de uma reforma. Os pastores se tornaram intermediários entre Deus e os homens e cometem abusos emocionais apoiados em textos bíblicos. Essas são algumas das afirmações polêmicas da jornalista Marília de Camargo César em seu livro de estreia, Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão), que será lançado no dia 30. Marília é evangélica e resolveu escrever depois de testemunhar algumas experiências religiosas com amigos de sua antiga congregação.


ÉPOCA – Por que você resolveu abordar esse tema?
Marília de Camargo César – Eu parti de uma experiência pessoal, de uma igreja que frequentei durante dez anos. Eu não fui ferida por nenhum pastor, e esse livro não é nenhuma tentativa de um ato heroico, de denúncia. É um alerta, porque eu vi o estado em que ficaram meus amigos que conviviam com certa liderança. Isso me incomodou muito e eu queria entender o que tinha dado errado. Não quero que haja generalizações, porque há bons pastores e boas igrejas. Mas as pessoas que se envolvem em experiências de abusos religiosos ficam marcadas profundamente.

ÉPOCA – O que você considera abuso religioso?
Marília – Meu livro é sobre abusos emocionais que acontecem na esteira do crescimento acelerado da população de evangélicos no Brasil. É a intromissão radical do pastor na vida das pessoas. Um exemplo: uma missionária que apanha do marido sistematicamente e vai parar no hospital. Quando ela procura um pastor para se aconselhar, ele diz: “Minha filha, você deve estar fazendo alguma coisa errada, é por isso que o teu marido está se sentindo diminuído e por isso ele está te batendo. Você tem de se submeter a ele, porque biblicamente a mulher tem de se submeter ao cabeça da casa”. Então, essa mulher pede um conselho e o pastor acaba pisando mais nela ainda. E usa a Bíblia para isso. Esse é um tipo de abuso que não está apenas na igreja pentecostal ou neopentecostal, como dizem. É um caso da Igreja Batista, que tem melhor reputação.

ÉPOCA – Seu livro questiona a autoridade pastoral. Por quê?
Marília – As igrejas que estão surgindo, as neopentecostais (não as históricas, como a presbiteriana, a batista, a metodista), que pregam a teologia da prosperidade, estão retomando a figura do “ungido de Deus”. É a figura do profeta, do sacerdote, que existia no Antigo Testamento. No Novo Testamento, Jesus Cristo é o único mediador. Mas o pastor dessas igrejas mais novas está se tornando o mediador. Para todos os detalhes de sua vida, você precisa dele. Se você recebe uma oferta de emprego, o pastor pode dizer se deve ou não aceitá-la. Se estiver paquerando alguém, vai dizer se deve ou não namorar com aquela pessoa. O pastor, em vez de ensinar a desenvolver a espiritualidade, determina se aquele homem ou aquela mulher é a pessoa de sua vida. E ele está gostando de mandar na vida dos outros, uma atitude que abre um terreno amplo para o abuso.

ÉPOCA – Você afirma que não é só culpa do pastor.
Marília – Assim como existe a onipotência pastoral, existe a infantilidade emocional do rebanho. A grande crítica de Freud em relação à religião era essa. Ele dizia que a religião infantiliza as pessoas, porque você está sempre transferindo suas decisões de adulto, que são difíceis, para a figura do pai ou da mãe, substituí­dos pelo pastor e pela pastora. O pastor virou um oráculo. Assim é mais fácil ter alguém, um bode expiatório, para culpar pelas decisões erradas.

ÉPOCA – Quais são os grandes males espirituais que você testemunhou?
Marília – Eu vi casamentos se desfazer, porque se mantinham em bases ilusórias. Vi também pessoas dizendo que fazer terapia é coisa do diabo. Há pastores que afirmam que a terapia fortalece a alma e a alma tem de ser fraca; o espírito é que tem de ser forte. E dizem isso apoiados em textos bíblicos. Afirmam que as emoções têm de ser abafadas e apenas o espírito ser fortalecido. E o que acontece com uma teologia dessas? Psicoses potenciais na vida das pessoas que ficam abafando as emoções. As pessoas que aprenderam essa teologia e não tiveram senso crítico para combatê-la ficaram muito mal. Conheci um rapaz com muitos problemas de depressão e de autoestima que encontrou na igreja um ambiente acolhedor. Ele dizia ter ressuscitado emocionalmente. Só que, com o passar dos anos, o pastor se apoderou dele.

ÉPOCA – Qual foi a história que mais a impressionou?
Marília – Uma das histórias que mais me tocaram foi a de uma jovem que tem uma doença degenerativa grave. Em uma igreja, ela ouviu que estava curada e que, caso se sentisse doente, era porque não tinha fé suficiente em Deus. Essa moça largou os remédios que eram importantíssimos no tratamento para retardar os efeitos da miastenia grave (doença autoimune que acarreta fraqueza muscular). O médico dela ficou muito bravo, mas ela peitou o médico e chegou a perder os movimentos das pernas. Ela só melhorou depois de fazer terapia. Entendeu que não precisava se livrar da doença para ser uma boa pessoa.

ÉPOCA – Por que demora tanto tempo para a pessoa perceber que está sendo vítima?
Marília – Os abusos não acontecem da noite para o dia. No primeiro momento, o fiel idealiza a figura do líder como alguém maduro, bem preparado. É aquilo que fazemos quando estamos apaixonados: não vemos os defeitos. O pastor vai ganhando a confiança dele num crescendo. Esse líder, que acredita que Deus o usa para mandar recados para sua congregação, passa a ser uma referência na vida da pessoa. O fiel, por sua vez, sente uma grande gratidão por aquele que o ajudou a mudar sua vida para melhor. Ele quer abençoar o líder porque largou as drogas, ou parou de beber, ou parou de bater na mulher ou porque arrumou um emprego. E começa a dar presentes de acordo com suas posses. Se for um grande empresário, ele dá um carro importado para o pastor. Isso eu vi acontecer várias vezes. O pastor gosta de receber esses presentes. É quando a relação se contamina, se torna promíscua. E o pastor usa a Bíblia para legitimar essas práticas.

ÉPOCA – Você afirma que muitos dos pastores não agem por má-fé, mas por uma visão messiânica...
Marília É uma visão messiânica para com seu rebanho. Lutero (teólogo alemão responsável pela reforma protestante no século XVI) deve estar dando voltas na tumba. O pastor evangélico virou um papa, a figura mais criticada pelos protestantes, porque não erra. Não existe essa figura, porque somos todos errantes, seres faltantes, como já dizia Freud. Pastor é gente. Mas é esse pastor messiânico que está crescendo no evangelismo. A reforma de Lutero veio para acabar com a figura intermediária e a partir dela veio a doutrina do sacerdócio universal. Todos têm acesso a Deus. Uma das fontes do livro disse que precisamos de uma nova reforma, e eu concordo com ela.

ÉPOCA – Se a igreja for questionada em seus dogmas, ela não deixará de ser igreja?
Marília – Eu não acho. A igreja tem mesmo de ser questionada, inclusive há pensadores cristãos contemporâneos que questionam o modelo de igreja que estamos vivendo e as teologias distorcidas, como a teologia da prosperidade, que são predominantemente neopentecostais e ensinam essa grande barganha. Se você não der o dízimo, Deus vai mandar o gafanhoto. Simbolicamente falando, Ele vai te amaldiçoar. Hoje o fiel se relaciona com o Divino para as coisas darem certo. Ele não se relaciona pelo amor. Essa é uma das grandes distorções.

ÉPOCA – No livro você dá alguns alertas para não cair no abuso religioso.
Marília – Desconfie de quem leva a glória para si. Uma boa dica é prestar atenção nas visões megalomaníacas. Uma das características de quem abusa é querer que a igreja se encaixe em suas visões, como querer ganhar o Brasil para Cristo e colocar metas para isso. E aquele que não se encaixar é um rebelde, um feiticeiro. Tome cuidado com esse homem. Outra estratégia é perguntar a si mesmo se tem medo do pastor ou se pode discordar dele. A pessoa que tem potencial para abusar não aceita que se discorde dela, porque é autoritária. Outra situação é observar se o pastor gosta de dinheiro e ver os sinais de enriquecimento ilícito. São esses geralmente os que adoram ser abençoados e ganhar presentes. Cuidado.
REPORTAGEM de Kátia Mello, Revista ÉPOCA, 29 junho 2009 /N.580,pg. 69-70.
*Marília de Camargo César, 44 anos, jornalista, casada, duas filhas. Editora assistente do jornal O Valor, formada pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero .Seu livro de estreia é Feridos em nome de Deus (editora Mundo Cristão

O planeta suporta?


Os agrocombustíveis são apresentados como uma das possíveis soluções para resolver os problemas ambientais e compor um novo modelo de matriz energética, mais limpa, sustentável e ecologicamente correta. Diante de tantas promessas, o economista Jean Marc Von der Weid alerta: “Apresentam essa alternativa como se ela pudesse ter uma influência muito significativa no abastecimento de combustíveis líquidos no mundo, quando na verdade não existe a possibilidade de se ter um efeito marginal”. Em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line, o economista é enfático e assegura que “a necessidade de terras que envolve uma substituição maciça de gasolina ou óleo diesel por agrocombustível é impossível de ser suportada pelo planeta”.
Entre as matérias-primas sugeridas, está a cana-de-açúcar como potencial para reduzir as emissões de gases estufa. De acordo com Von der Weid, essa possibilidade só é viável se levarmos em consideração o aproveitamento do bagaço para geração de energia complementar, e se o restolho das culturas de cana for utilizado como combustível. Ainda assim, ele reiteira, “a cana-de-açúcar só terá um impacto positivo do ponto de vista de emissões de gases se sua expansão não implicar em desmatamento”.Jean Marc von der Weid é formado em Economia. Ele é participa da ONG AS-APTA e faz consultorias para a FAO e ao PNUD na área de desenvolvimento sustentável, na África e América Latina. Em 1998 criou a Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que os agrocombustíveis ainda são percebidos como a energia da controvérsia? Quais são os aspectos negativos e positivos desse modelo de combustível?
Jean Marc von der Weid - Os agrocombustíveis ainda são controvertidos, embora o presidente Lula e alguns produtores pensem que essa é apenas uma questão política. Eles argumentam que países de Primeiro Mundo querem impedir a produção e comercialização dos agrocombustíveis, o que não é verdade.
Os EUA e os europeus também estão investindo nessa área e competem diretamente com o nosso produto. No entanto, estão defendendo o espaço deles. A controvérsia se situa no ponto mais crítico desse agrocombustível: apresentam essa alternativa como se ela pudesse ter uma influência muito significativa no abastecimento de combustíveis líquidos no mundo, quando na verdade não existe a possibilidade de se ter um efeito marginal. Digo isso porque a necessidade de terras que envolve uma substituição maciça de gasolina ou óleo diesel por agrocombustível é impossível de ser suportada pelo planeta. Então, estamos lidando com algo relativamente marginal, apesar da propaganda que é feita em cima do impacto ambiental, social e econômico.
A outra questão controversa diz respeito aos impactos ambientais. Os defensores dos agrocombustíveis dizem que eles irão reduzir a emissão de gases estufa e trazer benefícios para o meio ambiente. Por outro lado, avaliações apontam para uma diminuição de emissões de gases apenas para a produção à base de cana-de-açúcar, mas ainda assim todo o bagaço precisa ser aproveitado para geração de energia complementar, se o restolho das culturas de cana for utilizado como combustível.
É claro que há promessas de que novas matérias-primas possam desempenhar um resultado mais eficiente, mas até agora elas não estão no mercado. A partir do momento em que passarem a ser competitivas, darão um baque na produção atual de agrocombustível, em particular da cana-de-açúcar; seria uma competição possivelmente difícil de suportar.
Cana-de-açúcar como alternativa energética
A cana-de-açúcar só terá um impacto positivo do ponto de vista de emissões de gases se sua expansão não implicar em desmatamento. O governo brasileiro diz que isso não irá acontecer. Se pensarmos em termos de desmatamento direto, ou seja, cortar floresta para plantar cana, certamente não terá um efeito maior. Mas existe o efeito indireto, que é muito poderoso: o cultivo de cana está deslocando outras culturas e, sobretudo, a criação de gado das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oste, que está se expandindo para a área da Amazônia. Tanto é que, atualmente, existe uma grande discussão em torno dos criadores de gado que desmatam na Amazônia, e dos frigoríficos que não podem comprar carne desses matadouros. Há indícios de que 30% da produção de carne no Brasil vem da região amazônica. O argumento governamental é de que isso não precisa ser necessariamente assim, quer dizer, é possível aumentar a produtividade das pastagens nas outras regiões e, portanto, ter uma maior quantidade de gado sem crescimento de área de pastagem. Teoricamente, isso é possível, só que, por enquanto, é muito mais barato desmatar na Amazônia do que aumentar a produtividade em outras regiões. Nesse sentido, as vantagens que a cana-de-açúcar apresenta do ponto de vista do balanço de emissão de gases de efeito estufa se perde. Essa é a essência da controvérsia.

IHU On-Line - Se a tentativa de substituir combustíveis fósseis por agrocombustíveis na escala proposta não irá resolver o problema energético, agravando ainda os efeitos ambientais e a produção de alimentos, qual é o caminho para pensar o futuro energético? Como abandonar os recursos fósseis e garantir energias renováveis?
Jean Marc von der Weid - A verdade é que não existe uma solução única para esse impasse. Os combustíveis fósseis estão em processo de esgotamento que não deve ser superior a 10 ou 15 anos, com efeitos de crescimento desde já. No ano passado, tivemos um repique no valor do barril de petróleo, o qual posteriormente baixou com a crise. Algumas pessoas ficaram aliviadas, pensaram que o problema estava resolvido. Pelo contrário, não está. A tendência é o valor do petróleo subir significativamente; a demanda mundial decresceu, mas nem tanto. Toda a matéria-prima em processo de esgotamento vive esse tipo de situação. Entretanto, não é só o combustível fóssil que está em fase de colapso, mas também alguns minerais essenciais para o sistema agrícola convencional baseado na tecnologia da evolução verde, sobretudo o fósforo.
Existem várias soluções para encaminhar, em especial os investimentos em energia eólica e solar, que são ainda muito subutilizadas no mundo. Certamente, um imenso esforço de racionalização e economia no uso dos remanescentes do petróleo e do carvão poderia durar mais tempo. Há, sem sombra de dúvidas, uma necessária mudança na matriz energética e no consumo, em particular no que diz respeito aos combustíveis líquidos. É preciso começar a pensar num futuro em que os transportes não sejam centrados no consumo de gasolina e diesel. No ponto de vista da agricultura, a tecnologia pode dar uma contribuição muito grande à diminuição do efeito estufa e também a própria matriz energética, mudando o padrão de produção.

IHU On-Line - Por que os agrocombustíveis só serão importantes daqui a uma ou duas décadas?
Jean Marc von der Weid - Há interesses muito grandes das empresas de petróleo, sobretudo em esconder a escassez desse produto. Por outro lado, os índices de reservas novas descobertas não cobrem o esgotamento das reservas anteriores. Então, existe uma perda constante do ponto de vista de reservas, e mais: as reservas descobertas hoje têm um custo financeiro mais elevado. No começo da exploração do petróleo, quando descobriram os grandes poços na Arábia Saudita, se investia um barril de petróleo em termos de energia para extrair dez. Atualmente, se investe em um para extrair três. Além disso, não se encontra mais petróleo de fácil extração, pelo contrário: vamos extrair petróleo do pré-sal, de 4 metros de profundidade, em cima de lâmina d’água.
Informações mostram que o oil peack (pico do petróleo) - ponto a partir do qual as reservas começam a cair - já foi alcançado no ano passado. Descobertas como a do pré-sal, para nós, são muito significativas, mas do ponto de vista mundial representam muito pouco. As reservas indicadas no Brasil até agora são de 80 bilhões de barris, otimisticamente. Se tudo for transformado em petróleo, o que nunca acontece, teremos uma contribuição de mais de dois anos no consumo mundial. Isso, levando em conta os índices de consumo hoje, sem falar de que há uma progressão anual de 2 ou 3% no aumento de consumo. Se a economia se relançar proximamente, esses índices de consumo também irão aumentar bastante.

IHU On-Line - Com o esgotamento do petróleo, o senhor vislumbra transformações na economia mundial? Já podemos pensar em outro modelo ou novo ciclo econômico, mais sustentável?
Jean Marc von der Weid - Possível é. A grande dúvida é: as forças políticas e econômicas do mundo irão assumir a necessidade dessa transformação e conduzir o processo de transformação de uma forma inteligente e controlada? Se deixarmos para o mercado decidir, vamos caminhar para uma situação caótica, porque evidentemente quem está interessado na manutenção do padrão atual jogará com isso até o limite do possível. Quando o sistema começar a quebrar e o abastecimento de petróleo desaparecer de uma forma significativa, talvez fique difícil enfrentar uma crise energética violentíssima. Para fazer isso sem grandes solavancos, precisariam de uma série de medidas tanto econômicas, tanto no uso de recursos fósseis de energia quanto na mudança do padrão de consumo e na geração de outras formas energéticas sustentáveis. O problema todo é a falta de governabilidade nesse processo de transição. Se houver um acordo mundial para fazer essa mudança, teremos um resultado. Se não, teremos uma situação de caos e implicações econômicas e sociais muito graves no mundo todo.

IHU On-Line - Em que medida as crises econômica, ambiental e alimentar podem gerar uma crise social? Isso já está acontecendo?
Jean Marc von der Weid - Já existe de forma embrionária, e ela está oscilando em função de uma série de fatores. Os efeitos do aumento dos preços de petróleo já se fazem sentir na produção alimentar. Tivemos uma crise que é derivada, de um lado, do custo do petróleo e, de outro, do processo de produção de alternativas aos recursos fósseis. Não há dúvida de que a produção, sobretudo do milho americano convertido para o etanol , teve um efeito cascata em cima da economia alimentar mundial.

IHU On-Line - As energias renováveis terão poder de barganha para negociar crises financeiras, por exemplo?
Jean Marc von der Weid - A crise financeira cria uma dificuldade a mais, porque, evidentemente, representa menos dinheiro e recursos investidos em alternativas para o futuro. A reação talvez mais forte do governo em relação à crise financeira foi estimular a produção de automóveis no Brasil. Então, para sair de um problema de curto prazo, estamos reforçando uma matriz energética negativa para o futuro. Ao invés de se investir em substituição da matriz atual por alternativas mais sustentáveis, se prolongam os fatores de crise para o futuro.

IHU On-Line - Como está a produção de biocombustíveis no Brasil? Dizem que o país produziu biocombustível em excesso e não tem para quem exportar.
Jean Marc von der Weid - Não tenho essa informação detalhada, mas acredito que isso seja possível, porque a expansão na produção desse produto foi muito rápida. Entretanto, não acredito que no curto prazo isso seja um problema, porque a demanda continua aquecida. Os projetos mirabolantes foram adiados, algumas empresas se endividaram muito e estão vivendo uma crise porque não conseguem vender seus produtos. Mas isso não representa um golpe fatal, sobretudo na produção de etanol de cana-de-açúcar.
Na produção de biodiesel, que é infinitamente menor, o problema é de outra natureza, ou seja, político. A cana-de-açúcar tem viabilidade econômica nos marcos do sistema atual. O biodiesel não; ele depende de investimentos do governo. O Brasil não recua no estímulo ao uso de biodiesel porque o impacto político seria muito grande. O biodiesel foi prometido como a agroenergia dos pobres. Diziam que os pequenos produtores forneceriam a matéria-prima para a produção de biodiesel, mas isso não está acontecendo. Hoje em dia, o programa de biodiesel brasileiro é um programa de biosoja, ou seja, já mudou de rumo há muito tempo.

Publicado no site do IHU On-Line, 29/06/2009

O golpe em Honduras - e agora Obama? A democracia como fica?

Laerte Braga*


Militares se atribuem o monopólio do "patriotismo". De um modo geral transformam as forças armadas em estamento, ou seja, uma "instituição" à parte do todo. Julgam-se com o direito de definir o destino de seus países - a maioria esmagadora -. Estabelecem limites para governo, enchem-se de privilégios e subordinam-se a interesses de grupos econômicos. Esse o xis da questão.

O golpe de 1964 no Brasil não foi diferente. Um grupo de militares de extrema-direita apossou-se do poder, violou todas as normas constitucionais, chamou a aventura de "revolução", prendeu, torturou, matou e exilou milhares de brasileiros, inclusive militares legalistas comprometidos com a Nação e não com empresas ou bancos, ou latifundiários.

O presidente de Honduras Manuel Zelaya foi preso por volta das nove horas da manhã, hora de Brasília, por militares de seu país e levado para uma base da força aérea - eles têm essa mania, dividem a quadrilha em setores -. Os militares cumprem o que lhe foi determinado pelo capital. Empresas nacionais, internacionais - principalmente -, bancos e latifundiários.

Não concordaram com a realização de um referendo popular para decidir sobre a necessidade, o desejo ou não de reformas constitucionais no país. O presidente queria ouvir a opinião dos hondurenhos. Empresários, latifundiários, banqueiros, sob a batuta do embaixador dos Estados Unidos e um congresso e uma corte suprema padrão Gilmar Mendes/José Sarney não aceitaram.

Honduras é um pequeno país da América Central governado historicamente pelas elites e por militares (que as representam) e sob absoluto domínio econômico e político dos interesses dos EUA.

Zelaya, eleito pelo voto popular, decidira promover reformas na constituição, ouvir o povo para isso e aderiu a Aliança Bolivariana - ALBA - proposta pelo presidente da Venezuela Hugo Chávez.

E agora Obama? É show de democracia, efeitos especiais ou é para valer?

A soma de países como Honduras sustenta as grandes potências do mundo e especificamente na América Latina os Estados Unidos. O império se mantém na exploração de riquezas e povos dos países latino americanos.

Presidentes que possam vir a contrariar esses interesses são vítimas de golpe. Foi assim com João Goulart no Brasil, com Salvador Allende no Chile, como está sendo agora com Zelaya em Honduras, como tentaram fazer com Chávez e Evo Morales e como tentam fazer com Fernando Lugo e Daniel Ortega.

Não é de graça que o NEW YORK TIMES noticia que o presidente do Equador, Rafel Corrêa, está ligado às FARCs. Acusa o presidente do Equador de financiar as FARCs. Ignora a barbárie do dia a dia do presidente/traficante Álvaro Uribe, mas dócil aos EUA e seus interesses, de suas empresas.

Os militares prenderam Zelaya, cortaram o sinal dos canais de tevê do governo, censuraram os meios independentes de imprensa - a grande imprensa é deles e fomentou o golpe - e reprimem de forma brutal e violenta os protestos contra o golpe.

São patriotas. É por isso que Samuel Johnson, pensador e deputado no parlamento da Grã Bretanha, afirmou há mais de cem anos, que "o patriotismo é o último refúgio dos canalhas".
Democracia como a concebem os donos do mundo é um exercício hipócrita de respeito à vontade popular - manipulada e manietada pela mídia - em função dos donos. Como no Brasil. Não é diferente. O governo pode "ousar" até determinada linha, depois, se contrariar a VALE por exemplo, vai para o brejo.

Há uma nova realidade em curso na América Latina. A eleição de Hugo Chávez na Venezuela trouxe governos populares em vários países da região. Essa realidade provoca imediata reação das elites e com elas os militares, uma espécie de segurança de luxo de banqueiros, empresários e latifundiários.

Se a situação foge do controle fazem como Haiti. Retiram o presidente do país, enviam tropas para "restabelecer e garantir a ordem e a democracia" e continuam a explorar os povos latino-americanos. Não difere na África e na Ásia.

A globalização é só a ressurreição do colonialismo sob nova roupagem.

A doutrina de segurança nacional que inspirou os golpes na década de 60 se constituiu exatamente em cima de uma chamada Comissão Tri-lateral AAA - AMÉRICA, ÁSIA e ÁFRICA -
O Consenso de Washington foi o passo seguinte no processo demolidor e predador do capitalismo. É ali que fomentam e criam monstros como FHC, Serra, que tentam golpes contra presidentes eleitos, mas contrários ao modelo de colonização imposto no processo neoliberal e ali é que prendem presidentes como Zelaya que busca apenas ouvir a vontade de seu povo para executá-la.

Como é que fica a democracia agora Obama? Farsa? Não foi para isso que invadiram e ocupam o Iraque? Que ao longo dos séculos desde a independência norte-americanos têm se metido em todos os cantos do mundo para manter intocados privilégios de seus grandes grupos em parceria com elites podres, padrão FIESP/DASLU, como no Brasil?

Zelaya talvez não tenha entendido que povo no conceito dos donos são apenas eles, os donos.
É aceitar o estupro ou reagir. Em Honduras e em toda a América Latina, do contrário não há futuro só um imenso deserto de exploração e barbárie partes intrínsecas do capitalismo.

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GOLPE COM AMOSTRAS GRÁTIS - COMO MENTE E DISTORCE A MÍDIA

Roberto Micheletti, presidente do congresso hondurenho, foi empossado na presidência da República em substituição ao presidente constitucional Manuel Zelaya, deposto por um golpe militar financiado por empresas multinacionais do setor farmacêutico.

Quem se der ao trabalho de comparar o discurso de posse do novo "presidente" vai encontrar semelhanças com o discurso de Pedro Carmona, "presidente" empossado no golpe que destituiu Hugo Chávez em 2002. Durou três dias e Carmona mora hoje em Miami, paraíso de golpistas.
Micheletti fala em "transição", fala em "legalidade", fala em "paz" enquanto as tropas da indústria farmacêutica prendem e matam lideranças de oposição. Em flagrante desrespeito a normas internacionais de direito o embaixador da Venezuela foi seqüestrado, agredido e abandonado numa estrada por militares "patriotas". O mesmo aconteceu com o embaixador de Cuba.

Políticos como Micheletti não são tão caros assim como se possa imaginar. Como via de regra não têm e nem sabem o que sejam escrúpulos, princípios, dignidade, costumam aceitar qualquer garrafa de cerveja para um golpe semelhante ao que aconteceu em Honduras.

No caso de Micheletti (que não tem a goela grande de um Sarney) deve ter recebido um monte de amostras grátis da indústria farmacêutica internacional. O golpe, entre outras razões, foi financiado por essas quadrilhas para evitar o acordo que previa medicamentos genéricos e baratos no país e um projeto de saúde pública que contemplasse todos os hondurenhos. Entre outras razões. O presidente constitucional do país aderiu a ALBA - ALTERNATIVA BOLIVARIANA - e pretendia realizar hoje um referendo sobre reformas constitucionais.
Ouvir o desejo dos cidadãos de seu país. Isso não convém a empresas multinacionais, a banqueiros, a latifundiários e não interessa aos norte-americanos. O embaixador dos EUA foi partícipe ativo dos preparativos do golpe e do próprio. Não se reporta a Obama, só na hora das fotos. Seus relatórios vão para Wall Street, em New York.

Barak Obama talvez tenha entendido agora que não preside país algum. É apenas parte de um show, um espetáculo. Ou aceita as regras dos diretores - são vários - ou fica num mandato só, nem isso se bobear.

Deve ter sido farta a distribuição de amostras grátis. Existe uma boa quantidade de generais, deputados e ministros de corte suprema em Honduras. Vão ser usadas, com certeza, nas próximas eleições.

A mídia brasileira, financiada dentre outros, por laboratórios multinacionais, vem noticiando o fato com a expressão "golpe de estado", mas preocupada em deixar claro nas entrelinhas que o presidente constitucional do país Manuel Zelaya "desrespeitou" uma decisão da suprema corte.
A barbárie e a violência dos militares golpistas não é registrada. Importante é deixar uma dúvida no ar.

A condenação explícita do golpe por governos do mundo inteiro leva a mídia a apostar em fatos que considera de "maior importância". A morte de Michael Jackson. Ou a vitória do Brasil sobre os Estados Unidos. E atribuir ao presidente deposto pelos militares a soldo da indústria farmacêutica intenções de vir a ser reeleito.

Não existe capacidade de indignação na grande mídia brasileira, de um modo geral em todo o mundo capitalista. Não existe vontade de explicar os fatos, mostrá-los na sua totalidade. Existe a mentira deliberada e muito bem divulgada.

Se não podem exibir a alegria e os sorrisos com a deposição de um presidente que contraria os interesses dos patrões, exibem a discrição asséptica de quem quer que o assunto fique num canto e não leve as pessoas a pensar em todas as suas conseqüências, ou no seu significado.
Foi desse jeito, quando o presidente Chávez determinou que a gasolina venezuelana fosse vendida a preços mais baixos na região atingida pelo furacão Katrina - New Orleans - que William Bonner explicou a estudantes e professores de jornalismo que a notícia não interessava, pois "nosso telespectador é como Homer Simpson, não quer saber de fatos assim e além do mais essa noticia contraria nossos amigos americanos".

É comum esse tipo de empregado qualificado chamar o dono de amigo. Na mesma medida que esse dono, também não tem nem princípios e nem escrúpulos.

Às vezes se esquecem de combinar a farsa e acabam trombando. Foi o que revelou o jornalista Celso Lungaretti em episódio que envolve outro "militar patriota", o célebre major Curió. Curió abriu a boca semana passada e confessou que muitos dos prisioneiros na guerrilha do Araguaia foram executados a sangue frio. A revista VEJA, preocupada com a queda na circulação, deu destaque às declarações de celerado Curió e a FOLHA DE SÃO PAULO, preocupada em agradar os patrões, também por conta da queda de circulação, mas noutra via, foi ouvir militares com coragem para mentir e desmentir Curió em nome do que a FOLHA chamou de "ditabranda".
É tudo "patriotismo",

O que o golpe em Honduras mostra é que esse tipo de "patriotismo" canalha continua vivo em setores de forças armadas latino-americanas. Que o arremedo neoliberal que chamam de "democracia" não está assim tão consolidado. E nem se fale que Honduras é um país de dimensões menores. Ano passado o general comandante militar da Amazônia - hoje na reserva - Augusto Heleno fez severas críticas à posição do governo Lula sobre terras indígenas, em franca defesa de latifundiários e empresas multinacionais na região, caso da VALE.

O general em questão, hoje na reserva, faz palestras pelo Brasil afora "alertando" sobre os riscos que os índios representam para o Brasil. Já a VALE... Paga as despesas.

E financia a mídia na linguagem do "progresso" concebida segundo os critérios das empresas, bancos e latifundiários que, em qualquer país como o Brasil, hoje em Honduras, são os principais acionistas do Estado. Como um todo. Poderes executivo, legislativo e judiciário. E por via das dúvidas forças armadas em sua maioria, pois de repente é preciso da borduna.

Nessa ótica é "notícia" a cozinheira de Michael Jackson. Explicando o que o cantor comia, ou que contava histórias para ele quando servia as refeições. Ou Regina Case fazendo com que as pessoas se vejam na senhora que apanha e coloca no bolso "brigadeiros" de festas infantis, numa perversa inversão de fatos que transforma a visão das elites sobre os mortais comuns, em fato hilário para os próprios mortais comuns. Para que se enxerguem ali em eventuais comportamentos constrangedores, digamos assim.

E achem graça. E consigam gargalhar de situações semelhantes que viveram. Ou que viram.
O desmonte do espírito crítico. O deboche. A criminalização de movimentos populares de índios, camponeses, trabalhadores como um todo. Os fatos ocultados, distorcidos, as mentiras vendidas à exaustão e que acabam virando "verdades".

A memória curta. O extinto JORNAL DO BRASIL - um cadáver insepulto que teima em caminhar/circular - noticiou hoje no site na internet que o presidente Zelaya havia sido "preso e deposto por determinação da suprema corte". Por ter contrariado a constituição do país.
Conceição Lemes, editora do site VI O MUNDO do jornalista Carlos Azenha, publica na edição de hoje uma entrevista com o escritor Urariano Mota, autor do livro "Soledad no Recife, a ser lançado em julho pela editora BOITEMPO.

Urariano conta a história da militante Soledad Barret Viedma presa e assassinada pela repressão. Estava grávida do cabo Anselmo - agente da ditadura militar que se fazia passar por líder de esquerda - e foi entregue ao assassino travestido de delegado Sérgio Fleury pelo próprio Anselmo.

A versão oficial, um "combate" com "terroristas" na chácara de São Bento, cenário montado para desova dos corpos de lideranças que se opunham à ditadura militar no Brasil, essa que a FOLHA DE SÃO PAULO chama de "ditabranda". A FOLHA foi partícipe de uma das operações mais perversas do regime. A OBAN -OPERAÇÃO BANDEIRANTES - em que empresas financiavam órgãos de repressão para "libertar" o Brasil e "garantir a democracia".

A entrevista de Urariano é um dos mais pungentes depoimentos sobre a barbárie desses "patriotas". Tenham sido os brasileiros, os chilenos com Pinochet, ou agora, os generais remunerados a amostras grátis em Honduras.

Uma história, um fato, uma realidade, uma brutalidade, mas isso não importa à mídia chamada grande.

Os "incômodos" causados pela rede mundial de computadores, o que se convencionou chamar de "blog/esfera" já está sendo tratado pelos donos no projeto do senador Eduardo Azeredo. Corrupto de plantão para esse tipo de "trabalho sujo". Censura.

O golpe em Honduras e sua verdadeira razão teria passado em brancas nuvens não fosse a rede. Ou a net como se costuma dizer.

Hospitais no País inteiro estão cheios de remédios contra a gripe suína. Médicos que se fazem respeitar pelo caráter e pela dignidade com que exercem a profissão já desmistificaram o novo vírus e já ensinaram a tratá-lo sem essa parafernália que gera concorrências públicas, compra de medicamentos e um estado de alerta e pânico, num vírus gerado no México, por uma indústria poluidora, expulsa dos EUA - lógico, colônias como o México existem para isso - no melhor estilo multinacional.

Os baluartes do progresso.

Importante é comportar-se de forma adequada em festas infantis e não colocar brigadeiros nos bolsos. Pode se dar mal com a segurança e virar historinha divertida no FANTÁSTICO.
PAPEL SOCIAL e REPÓRTER BRASIL denunciaram que madeireiras na Amazônia cometem constantes e deliberados crimes ambientais em parceria com grandes parceiros nos Estados Unidos. A MADEBALL - multas diversas - e a COMABIL (crimes ambientais, trabalho escravo, retirada de madeira em terras indígenas, invasão de terras públicas para desmatamento) e a RIO PARDO MADEIRAS entregam o produto do crime a VITÓRIA RÉGIA EXPORTAÇÕES, PAMPA EXPORTAÇÕES E INTERWOOD BRASIL, que transformam a madeira ilegal para empresas como a LUMBER LIQUIDATORS (140 lojas nos EUA, conforme a denúncia), a BRICO DÉPÔRT que, por sua vez, em países como os EUA, o REINO UNIDO, ITÁLIA, POLÔNIA, TURQUIA e CHINA, transformam tudo em casas do tipo "faça você mesmo". E se estendem a ROBINSON LUMBER COMPANY que vende para mais de setentas países. Ou a MOXON TIMBER, que alcança os mercados norte-americanos, asiático, latino-americano e a Nova Zelândia.

A culpa é dos índios, ou é do presidente do Irã.

As recentes modificações feitas em medida provisória sobre terras na Amazônia atenderam, no Congresso, às reivindicações desse tipo de empresa. Têm na senadora Kátia Abreu, dos DEM, a representante mais legítima dessa espécie de destruição. São predadores.

Há uma investigação em curso sobre um estranho container que chegou ao Brasil vindo da Grã Bretanha com o registro de conter determinadas mercadorias. Estava trazendo lixo médico, hospitalar.

Não vira espetáculo na mídia. A mídia é paga para não deixar que as pessoas saibam disso.
O que está acontecendo em Honduras é pura barbárie. E por trás das notícias frias, aparentemente isentas divulgadas no Brasil pelas redes de tevê, grandes cadeias de rádio, jornais e revistas, está o sorriso do faturamento garantido. Nesse caso pelos grandes laboratórios.
Não está tão longe assim quanto se possa imaginar. Honduras é pertinho e os bandidos que lá atuam, atuam aqui também.
* Jornalista
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=39481 -ADITAL, 29/06/2009

domingo, 28 de junho de 2009

Caleidoscópios e corações

Rubem Alves*
Caleidoscópios são um dos meus brinquedos favoritos. Desde menino eu me assombrava com as suas mágicas simetrias coloridas que eu via quando colocava o olho no buraquinho. Criança, sem entender como a magia era feita, eu fazia caleidoscópios com canudos de bambu. Aprendi física ótica com as mãos e os olhos sem saber o que estava aprendendo. Quando de fato estudei física ótica no ginásio o professor não nos mostrou nem espelhos e nem caleidoscópios. Ao invés disso fez uma série de desenhos a giz no quadro negro.
À frente da mesa onde trabalho, numa prateleira cheia de brinquedos, está um caleidoscópio sofisticado que comprei numa loja especializada. As pequenas peças que os espelhos transformam em simetrias coloridas estão dentro de uma câmara de vidro fechada, cheia de óleo. Assim, quando eu giro o tubo as peças não caem bruscamente, como nos caleidoscópios rudimentares. Elas flutuam suavemente no óleo numa dança vagarosa.
Segundo informação que obtive na internet o caleidoscópio foi inventado no início do século XIX, na Inglaterra, por um homem chamado David Brewster. Nada sei sobre a sua vida, mas imagino que não deveria ser um homem muito ocupado. Os homens de negócio e semelhantes que vivem com sua atenção concentrada em coisas práticas não têm nem tempo e nem espírito para imaginar coisas assim, totalmente inúteis, maravilhosamente inúteis. Para isso é preciso ócio e vagabundagem.
O seu nome foi feito com três palavras gregas, “kalos”, que quer dizer “belo”, “eidos” que quer dizer “imagem” e “scopéo”, que quer dizer “vejo”. “Vejo belas imagens”. Quem olha pelo buraco de um caleidoscópio vê belas imagens...
As possibilidades de imagens são infinitas. Basta girar o tubo para vê-las aparecendo e sumindo, sem cessar. No entanto, essa variedade infinita de padrões simétricos é produzida por um número pequeno de peças que, em si mesmas, não têm beleza alguma. A beleza é produzida pelos reflexos nos espelhos.
Falta, nas aparições que vejo, as qualidades da materialidade grosseira que continua a ter “ser” mesmo no escuro. O que vejo não é uma “coisa”; é uma “aparição” de luz. A “aparição” não é, não tem substância, é um jogo de luz. No entanto, a despeito de faltar-lhe “ser”, ela me produz espanto. O que não tem substância e que, portanto, não é, tem poder. Se não tivesse poder não me espantaria. Sou movido por coisas que não existem. Mas e as coisas mesmas que estão por detrás da aparição? O que são elas? São coisinhas, caquinhos... Se eu as visse não ficaria espantado. No entanto, essas coisas bobas, coisas que têm realidade, que não mudam, que são sempre as mesmas, quando pegas pela magia dos espelhos, aparecem como infinitas e imprevisíveis simetrias de cores. Qual é a aparição verdadeira? Esse pergunta não pode ser feita de aparições. Ao perguntar sobre a sua verdade estou em busca da uma coisa sólida, que existe. Mas as aparições não são sólidas. As aparições dos caleidoscópios são belas. A infinita variedade das simetrias coloridas depende do movimento. Se o caleidoscópio ficar imóvel a aparição ficará imóvel e dará a ilusão de um vitral de catedral sólido.
Nos reflexos do caleidoscópio descubro que as coisas são feitas de luz. Mestre da ontologia da luz era Monet que passava o dia inteiro pintando a mesma coisa, podia ser um monte de feno ou a fachada da Catedral de Rouen. Por que ele fazia isso? Porque ele não queria pintar a coisa fixa e terminada. Ele queria pintar os movimentos da luz.
Examino a câmara de vidro fechada onde estão as peças do meu caleidoscópio. Vejo uma conchinha de dois centímetros, algumas poucas contas coloridas, duas ou três pedrinhas, uma argolinha dourada, um botão. Mas não são essas coisas insignificantes que me causam espanto. São as aparições, as simetrias coloridas, os jogos de luz, coisas que não são objetos como as contas, as pedrinhas e as argolinhas. Falta-lhes existência. São só aparições. E são essas aparições destituídas de ser que nos trazem prazer estético. É com esse número limitado de objetos que o caleidoscópio produz simetrias infinitas! Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?, perguntou Valèry.
Cada uma delas existe apenas num momento fugaz, enquanto a luz se demora. Logo ela deixará de ser e outra aparecerá, igualmente espantosa. Os seres da luz são delicados. Talvez nem seja apropriado aplicar a eles o verbo “ser”. Elas não são; estão sendo. A todo momento, as modulações da luz fazem com que sejam outras. Talvez que as “descrições” a que se referia o bruxo D. Juan participem da mesma ontologia que as telas de Monet. É necessário “parar o mundo”, parar a imagem, para que um outro mundo e uma outra imagem apareçam.
Veio-me uma suspeita: o rosto que amamos, o que será? As pedrinhas? Mas as pedrinhas não podem ser amadas. Falta-lhes beleza. Ou é uma “aparição” nesse caleidoscópio que é o coração? O coração é um caleidoscópio. Ele tem o poder de transformar o banal em algo maravilhoso. Mas “aparições”, no caleidoscópio, não têm ser. Apaixonamo-nos por “aparições”,reflexos coloridos de luz? Quando a “aparição” muda o amor se vai?
*Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1640498&area=2220&authent=BDDBFC4F9BFB82BDF9FC6D9BD9829F

sábado, 27 de junho de 2009

Michael Jackson fracassou

Arthur Dapieve
"Michael Jackson fracassou naquilo que todos nós fracassaremos, cedo ou tarde. Fracassou justo naquilo que a sociedade ocidental contemporânea tanto se empenha. Fracassou foi em parar o relógio", escreve Arthur Dapieve, em artigo publicado no jornal O Globo, 27-06-2009. Segundo ele, "a cultura pop da qual Jacko foi nobre é chegadíssima a se autoconsumir na juventude, conforme cria e descarta caras novas. Nada mais típico do que os Menudos, cujos membros não envelheciam nunca, eram para sempre miúdos".
Eis o artigo.

Michael Jackson fracassou.

Não como artista, claro.
Ele conseguiu alcançar algo que outros grandes da música negra, como Sam Cooke, Otis Redding, Marvin Gaye, James Brown e Aretha Franklin — todos, diga-se de passagem, melhores cantores, o que apenas valoriza o feito de Jacko — só vislumbraram vez ou outra na vida: ser tão ou mais querido e apreciado nos bairros brancos do que nos guetos de origem. Ele não fracassou como negociante, é óbvio. Com seus discos e shows, Jacko fez, e ainda fará, ninguém duvida, muitos milhões de dólares, embora os altíssimos gastos — com o sítio Neverland, os tratamentos de saúde e os acordos para evitar que novas acusações de pedofilia chegassem aos tribunais — recentemente o tenham levado até a leiloar itens de seu guarda-roupa.

Michael Jackson fracassou naquilo que todos nós fracassaremos, cedo ou tarde.

Fracassou justo naquilo que a sociedade ocidental contemporânea tanto se empenha.

Fracassou foi em parar o relógio. É também por causa do terror que sentimos da morte que supervalorizamos as belezas da mocidade, esticando-a com plásticas, implantes, próteses, injeções, musculação, dietas, vitaminas, namoradas ou namorados jovens.

Jacko só tinha (bem) mais dinheiro. Pôde dormir na câmara hiperbárica, pôde ser reconstruído na mesa de cirurgia.

Jacko só tinha (muito) mais visibilidade. Sua pele era ridicularizada por ter embranquecido e não por ter rejuvenescido, o que, afinal, é nosso objetivo. Seu narizinho destacável não se parecia com o do Peter Pan das histórias da Disney à toa. Seu videoclipe memorável não era estrelado por mortos-vivos à toa. Agora, porém, o thriller acabou.

Consumada ou não consumada carnalmente, a sua pedofilia sofria daquele mesmo senso de desproporção. Não se trata de absolvê-la. A pedofilia é abjeta por fantasiar uma igualdade entre desiguais — não dois adultos, seja lá de que sexo forem, mas um adulto e uma criança — e não pode ser relativizada pela habitual pieguice que tudo perdoa num defunto fresco.

Trata-se, isso sim, de admitir que em menor grau toda nossa sociedade manifesta tendência à pedofilia com suas crianças hipererotizadas, adolescentes cheias de caras e bocas, modelos retas e mulheres maduras raspadas, como se nem tivessem entrado na puberdade. Em particular, a cultura pop da qual Jacko foi nobre é chegadíssima a se autoconsumir na juventude, conforme cria e descarta caras novas. Nada mais típico do que os Menudos, cujos membros não envelheciam nunca, eram para sempre miúdos.

Michael Jackson fracassou por isso. Ele não tinha como trocar de pele eternamente com outros Jackos crianças, não tinha como virar uma franquia de si próprio e ainda assim permanecer ele mesmo, pessoal e intransferível com o passado de abusos paternos e de inegáveis méritos artísticos.

Como intérprete, aliás, ele foi literal e metaforicamente da jovem guarda da Motown, a célebre gravadora de música negra de Detroit, que flertava às claras com o público branco, majoritário nos EUA (em contraposição à Stax, de Memphis, na qual o soul era “de raiz” e quem quisesse que gostasse). Jacko aprendeu com toda a black music. Pegou o figurino esdrúxulo de Little Richard aqui, o jeito de dançar de James Brown ali, adicionou seu próprio carisma...

No entanto, Michael Jackson fracassou porque não aprendeu a tempo que a única maneira de ser jovem para sempre é morrer cedo.
Publicado no site da IHU/Unisinos - 27/06/2009

A dificil arte de ser mulher

Frei Betto *


Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi "Ágora", direção de Alejandro Amenabar. A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em "O jardineiro fiel", dirigido por Fernando Meirelles.
Em "Ágora" ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.

Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.

Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.

O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.

Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.

Onde há oferta de produtos - TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas - o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.

Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, "Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem". Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.

Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: "gata", "vaca", "avião", "melancia" etc.

Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a caprichos estéticos).

Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).

Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome da mulher.

No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.

Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?

Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.

* Escritor e assessor de movimentos sociais
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=39459 26-06-2009

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Precisamos de nossos cidadãos mais idosos


Catão, o patriota romano, aprendeu o grego aos 80 anos. Madame Ernestine Schumann-Heink, o grande contralto germano-americano, alcançou o pináculo da sua carreira musical pois que já era avó. É realmente maravilhoso contemplar as realizações dos mais velhos! Harry S. Truman e o General Eurico Gaspar Dutra foram pessoas bastante ativas até avançada idade, contribuindo com seus talentos e sabedoria para melhorar o mundo.
O filósofo grego Sócrates aprendeu a tocar instrumentos musicais aos 80 anos. Miguel Ângelo pintou suas maiores telas aos 80 anos. E foi também aos 80 anos que Ceos Simônides ganhou seu prêmio de poesia, que Johann Von Goethe terminou o Fausto e que Leopold Von Ranke iniciou a sua História do Mundo, que só foi concluída aos 92 anos.
Alfred Tennyson escreveu um magnífico poema: “Crossing the Bar”, aos 83 anos. Isaac Newton ainda trabalhava exaustivamente aos 85 anos. E aos 88 anos John Wesley dirigia, pregava e orientava o metodismo. Há vários homens de 95 anos de idade que assiste às minhas conferências e já me disseram que se sentem agora com melhor saúde que aos vinte anos.
Coloquemos nossos cidadãos mais idosos em altos postos, dando-lhes todas as oportunidades de nos trazerem as flores do Paraíso.
Se você está aposentado, interesse-se pelas leis da vida e pelas maravilhas do seu subconsciente. Faça algo que sempre desejou fazer. Estude novos assuntos e investigue novas idéias.
REZE da seguinte maneira: Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim por ti, ó Deus, suspira a minha alma.(Sl 42,1)
(MURPHY, Joseph. O poder do subconsciente. Ed. Record, Sp. 30ª Ed. s/d. pg.258)

A volta de Deus

Maria Clara Lucchetti Bingemer *

Não chega a ser uma novidade o fato de estarmos assistindo, já há algum tempo, a certo "reencantamento do mundo", isto é, a uma inversão do processo de secularização deslanchado com a modernidade e sua crise. Essa tendência começou a visibilizar-se com a nova consciência religiosa trazida pela Nova Era, o esoterismo, o culto das pirâmides de cristal, o I-Ching, o tarô, o retorno dos anjos e duendes. A razão banida permanecia oculta pelo deslumbramento com um além povoado de deuses maiores e menores, porém fluidos e sem consistência. E o resgate da transcendência sem absolutos expressou-se até mesmo, mais recentemente, em livros de grande tiragem que falavam sobre meninos bruxos e anéis mágicos.

Os atentados de 11 de setembro de 2001 trouxeram novos e terríveis exemplos para completarem esse panorama. O fanatismo fundamentalista em todos os campos, e não somente no islâmico, semeou o estupor e o medo, mas também trouxe uma mudança de perspectiva para enxergar o mundo. No entanto, ao mesmo tempo em que crescia a aversão da opinião pública ocidental pelo fundamentalismo, assistia-se ao aumento de receptividade para com a atitude religiosa como tal. Não se pode mais dizer que Deus não é um tema atual.

A ideia da incompatibilidade de princípio da secularização com a religião entra decididamente em declínio. E os sintomas do que poderíamos chamar de uma volta de Deus aparecem como sinais visíveis de novos tempos. "Aquilo que muitos acreditavam que destruiria a religião - a tecnologia, a ciência, a democracia, a razão e os mercados -, tudo isso está se combinando para fazê-la ficar mais forte", escreveram John Micklethwait e Adrian Wooldridge, ambos jornalistas da revista britânica The Economist, no livro "God is back". Para muitos e bem concretamente para os jovens, como diz o título do livro, Deus está de volta.

A recente reportagem de revista de grande circulação analisa a relação da juventude de hoje com a religião. E a conclusão não deixa de ser surpreendente: os jovens são religiosos. Não como seus pais ou avós, mas de outra maneira, própria, fazendo uma nova síntese entre a experiência da fé e sua expressão. E a internet é um dos recursos que mais intervêm na sede de transcendência do jovem que vai para diante do computador buscar interlocução para seus anseios espirituais.

A modernidade, com efeito, significa uma humanização do divino, a ascensão irreversível da secularidade. Foi um extraordinário progresso para o espírito humano, porque permitiu ao homem, enfim, pensar por si mesmo. Mas a modernidade também comporta um movimento oposto, que eleva e diviniza o humano. A humanização do divino implica o fim das transcendências "verticais", autoritárias, situadas fora e acima do sujeito. Nesse sentido, a modernidade é o reino da imanência.

No entanto, hoje se percebe ser possível, também, nas entranhas da imanência - da razão, do conhecimento e da ciência - pensar algo que a transborda, que a extravasa e a faz autotranscender-se. A força motriz dessa nova transcendência é o amor, que leva os seres humanos a ultrapassar sua interioridade solitária para alcançar o Outro e com ele entrar em relação.

Tal experiência e tal atitude não significam o banimento da razão; ao contrário, dão à ciência estatuto pleno de cidadania quando se trata de pensar esse Deus que volta a ser elemento constitutivo do conhecimento e do pensar humanos. A constatação da volta de Deus traduz, por outro lado, a certeza de que nenhuma sociedade pode sobreviver sem a religião, já que a maioria dos homens considera insatisfatórias as respostas dadas pela ciência às perguntas existenciais sobre a vida e a morte.

Como impulso utópico e como consciência vigilante dos limites, a fé e sua expressão religiosa têm hoje um lugar assegurado na sociedade do conhecimento e na comunidade científica. Deus está de volta e muito concretamente ali onde menos se esperava que estivesse: entre as novas gerações, filhas da ciência e da técnica. É preciso abrir os ouvidos para entender como esses novos crentes percebem o sujeito maior de sua crença.

* Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=39394

A "receita"

ANTONIO DELFIM NETTO*

DESDE SEMPRE os economistas buscaram "receitas" que produziriam o desenvolvimento.
Adam Smith, muito antes de publicar a "Riqueza das Nações", já propagava a sua: "Para transformar um Estado do mais baixo barbarismo ao mais alto grau de opulência são necessários: paz, tributação leve e tolerável administração da justiça. Todo o resto vem pelo curso natural das coisas" ("Essays on Philosophical Subjects", 1755).
Dois séculos depois (no início dos anos 90), quando a população mundial era seis vezes maior e o PIB per capita 11 vezes maior do que em 1755, os economistas pensaram ter encontrado a fórmula mágica com o famoso Consenso de Washington.
Este insistia, equivocadamente, no Estado "mínimo", mas muitas das suas prescrições (equilíbrio fiscal, taxa de câmbio "realista", por exemplo) eram corretas. Ele foi muito criticado pelo que nunca sugeriu: a plena liberdade de movimento de capitais!
A crítica fundamental é que ele, como em geral toda a teoria do desenvolvimento, ignorou o papel da história, da geografia e do que se pode chamar da "cultura" dos países.
Cultura é um conceito abstrato, difícil de definir, porque envolve a própria forma de viver da sociedade (as crenças, o conhecimento, as leis, os costumes, a arte, a moral), mas é importante para organizá-la para o desenvolvimento econômico e social.
Recentemente (setembro de 2004), um grupo de excelentes economistas reuniu-se em Barcelona e divulgou uma "agenda" (na realidade, uma "receita aberta") para explorar as "perspectivas de crescimento e de desenvolvimento" dos países emergentes. A diferença de novo enfoque é visível na sua primeira recomendação: "O raciocínio econômico básico e a experiência internacional sugerem que a qualidade das instituições, tal como o respeito às regras da lei e o direito de propriedade, somada à orientação do mercado, com um balanço apropriado entre ele e o Estado, e uma atenção à distribuição da renda estão na raiz das estratégias de desenvolvimento bem-sucedidas".
E continua: "Encorajar os países em desenvolvimento a copiarem mecanicamente as instituições dos países ricos -como as instituições financeiras internacionais tendem a fazer- pode produzir mais danos do que benefícios".
O desenvolvimento econômico e social é, numa larga medida, idiossincrático. E isso deve ser levado em conta na formação acadêmica dos economistas. É claro que eles precisam conhecer a literatura internacional, mas é ainda mais claro que devem ter vivência e estudo da história, da geografia e da "cultura" do país em que estão inseridos.

*Economista. Colunista da FSP
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2406200906.htm