domingo, 21 de junho de 2009

"Nunca fui um bom camarada"

Hans Magnus Enzensberger*

Veja: Por que o senhor tem chamado os terroristas islâmicos de "perdedores radicais"?
H. M. Enzensberger: Perdedor radical é aquele tipo inconformado e violento que, por exemplo, parte para uma matança desenfreada no escritório do qual foi demitido. Quase sempre um solitário, ele nutre uma ilusão de superioridade quando encontra abrigo numa ideologia coletiva. O islamismo – a versão ideologizada da religião – enquadra-se nisso. Alimenta o ressentimento pelo declínio da civilização árabe, sempre atribuído a um culpado externo. E tem um forte caráter autodestrutivo.

Veja: O ano que o senhor passou em Cuba foi decisivo para o rompimento com o comunismo?
HME: Mesmo no auge de 1968, nunca fui um camarada ideal. Cresci sob a ditadura nazista, e isso me tornou um cético. Mas Cuba foi, sim, a gota-d’água. O país era um mito para a esquerda. Vivendo lá, descobri que era só uma contradição bizarra: um stalinismo tropical.

Veja: O senhor já foi muito crítico do clima político alemão. Como está a situação hoje?
HME: Não estou mais obcecado pelo passado nazista, com o "problema alemão". Hoje somos uma sociedade burguesa comum, com os mesmos problemas dos franceses ou escandinavos. Ficamos normais e aborrecidos.

Veja: A polêmica de 2006 sobre o envolvimento do escritor Günter Grass com o nazismo não mostra que o "problema alemão" segue vivo?
HME: As revelações sobre o passado de Grass só foram constrangedoras porque ele se erigiu em "consciência da pátria", papel que não tem mais autoridade para exercer. E temos de dar um desconto: Grass não foi protegido pelo ambiente familiar, como eu fui. Meu pai considerava os nazistas uma ralé.

Veja: Seu interesse pelo general Hammerstein, que também tinha desprezo aristocrático pelos nazistas, tem algo a ver com seu pai?
HME: Isso provavelmente é verdadeiro. Meu pai também era um obstinado.
*Poeta e ensaísta alemão.
Entrevista na VEJA, 24 de junho de 2009, p.152-153. Conversa com o editor de VEJA Jerônimo Teixeira por ocasião do lançamento do livro HAMMERSTEIN OU A OBSTINAÇÃO, Cia de Letras, 344pg.

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