Bernard Schlink é um escritor alemão. Professor de Direito e Filosofia na Universidade de Humboldt desde 1996, escreveu vários livros. É autor premiado por seu trabalho, tendo sido agraciado com os prêmios Grinzane Cavour, Hans Fallada e Laure Bataillon. Ganhou o prêmio de Literatura do Die Welt, em 1999.
Em “O Leitor”, o autor desenvolve uma temática complexa e atual. Ele apresenta a sociedade alemã diante da questão do julgamento das atrocidades cometidas durante a segunda guerra, porém vistas e analisadas num contexto posterior.
Os personagens do romance, confrontados com as suas realidades, e com aquilo que ajudaram a realizar, respondem com as contradições humanas e com a natural dificuldade de entender o que fizeram em outros contextos.
A questão do nazismo é sutilmente citada e os campos de extermínio fazem parte da narrativa como personagens distantes. Sua pretensão é o drama humano proveniente dessas situações e das decorrências, muito distantes do ocorrido, que demonstram o incomodo de revolver períodos históricos, e humanos, muito distantes.
Interessante e louvável o esforço que escritores e cineastas alemães têm demonstrado no uso e apresentação das terríveis realidades geradas pelo estado nazista. Essa atitude é responsável pela catarse e depuração sócio-política por que passou aquele país, no longo processo de sua reconstrução física, ambiental, sociológica e política.
Com muita clareza e abertura, temos visto crônicas e matérias jornalísticas, documentários em cinema e televisão, nos quais a discussão corajosa é tratada sem limites, notando-se o compromisso com a verdade, sem qualquer ponta de censura ou minimização.
Esse padrão de tratamento da informação poderia servir de modelo para outras nações que passaram por situações condenadas pela opinião pública, independente se foram vitoriosos ou derrotados. Dois episódios históricos, não muito distantes de nossa atualidade, poderiam ser analisados à luz dessa atitude dos intelectuais germânicos.
Um deles ocorrido no Irã, antiga Pérsia, aconteceu em 1953. Inglaterra e Estados Unidos, agindo em conjunto, através de seus serviços secretos, prepararam e executaram a deposição do primeiro-ministro democrático Mossadegh, eleito pelo voto daquela sociedade.O motivo de tão ampla operação era algo bem atual, o petróleo.
A Inglaterra não pretendia dividir com o governo iraniano, de forma proporcional, os ganhos em petróleo e divisas, advindos da refinaria de Abadan. Construída em território do Irã, usava a matéria prima e a mão-de-obra iranianas e pretendia ficar com a “mais valia” resultante do processo.
Solicitado a intervir junto com os ingleses, o governo americano se negou, inicialmente, pois essa intervenção representaria uma operação de guerra, contra um país soberano que, afinal das contas, defendia seus direitos legítimos. Com a mudança de governo ocorrida nos EUA, os novos mandatários se dispuseram a encarar o “jogo sujo” e toparam solapar o governo do Irã.
Financiaram o rebotalho daquele país para ter massa de manobra na agitação e na criação de clima propício para o golpe. Enviaram um agente da Cia, de nome Kermit Roosevelt, que comandou o treinamento em explosões e sabotagem, em contra-informação e conspiração, e lhe deram recursos significativos em dinheiro, armamento e cobertura.
Fizeram o golpe, derrubaram um governo, laico e democrático, prenderam Mosadegh e o condenaram ao pior dos castigos, o isolamento e a impossibilidade de trabalhar por seu povo. Enquanto isso, colocaram o “Xá”, o títere Reza Pahlevi no poder, transformando aquela sociedade num satélite geopolítico do ocidente.
Em 1979, quando da revolução dos Aiatolás, fotos mostram faixas carregadas pelos manifestantes, onde se lia uma citação à Mossadegh.
Vinte e seis anos depois, o povo daquele país não tinha esquecido o que ocorrera em 1953. Tudo isso está relatado pelo jornalista norte-americano Stephen Kinzer, em seu livro “Todos os Homens do Xá”, que ainda coloca que essas foram as raízes do terrorismo no Oriente Médio, usado, depois, pelo presidente Bush para criar leis e medidas não-democráticas de cerceamento de liberdades individuais e censura da imprensa e da informação, além do "campo de prisioneiros" de Guantânamo.
Outro momento foi o 11 de setembro. Mas não o de 2001 e sim o de 1973, quando os EUA apoiaram e ajudaram a derrubar o governo democrático do Chile, eleito pelo voto da sociedade chilena.
O presidente Allende foi morto, o palácio presidencial, em pleno centro de Santiago, bombardeado pela força aérea e o país mergulhou numa ditadura de vários anos, com torturas, execuções e muitos exílios.
O “Xá” do Chile foi o General Pinochet, tirano ressentido, que traiu o Presidente eleito, e a nação chikena, pois era seu subordinado e ocupava cargo de confiança no governo democrático.
O território chileno foi pequeno para as suas demonstrações de força e arbítrio e o cone sul da América Latina foi transformado num palco de horrores. Não faltaram locais ermos para a colocação de campos de prisioneiros e o número de mortos e desaparecidos é, até hoje, um mistério pouco investigado.
Sobre o tema, cineastas americanos fizeram o filme “Missing”, com Jack Lemonn no papel do cidadão alienado dos Estados Unidos, que acreditava nas poucas informações que a imprensa norte-americana publicava.
Assim, o filme “Missing” e o livro “Todos os Homens do Xá” foram dos poucos trabalhos de mídia, ou informação, que expuseram essas feridas do poder americano para o mundo.
Por isso, o exemplo alemão significa muito neste momento de crise, gerada nos Eua, por movimentos especulativos de um mercado financeiro não regulado, devidamente, no governo Bush.
Essa coragem de expor suas mazelas, de realizar uma auto-critica saudável, de compartilhar com o mundo as suas contradições e preparar a nação para os momentos pós-crise, e para a renovação, colocam a Alemanha na vanguarda cultural e na liderança do processo político, que poderá representar um outro Renascimento, em pleno século XXI.
Como dizia Paulo Freire, o grande educador brasileiro:''Das cinzas do que queimou, nascerá o novo. Que só será entendido como novo, se reconhecermos por quais razões o velho não nos serve mais''
Fonte: www.danilocunha.com.br -Acesso 16/09/2009*Danilo Aronovich Cunha é multiagraciado empresário, consultor, educador, conferencista, ex-gestor público e ex-Secretário de Estado de Santa Catarina - Coordenação Geral e Planejamento 1990/1991 - Chefia da Casa Civil 2003/2004 e Gerente Geral do Escritório das Nações Unidas ONU/PNUD em SC 2004/2006.Fonte: www.danilocunha.com.br Série Crônicas do Século XXI - Autores Alemães E-mail: danilocunha@terra.com.br
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