Luiz Carlos Susin*
"Os povos, não necessariamente as elites econômicas e intelectuais, continuam no entanto a ser religiosos e, em sua maioria, cristãos. Por isso os males e a desumanização têm nomes religiosos, e são interpretados com a linguagem religiosa. A América Latina se recobriu, ultimamente, de demônios, não só os antigos, mas também novos. À velha pergunta "Unde Malum"? - de onde provém o mal - não são suficientes nem a resposta agostiniana de que todo mal é pecado ou consequência de pecado, nem a resposta de Leibniz de que estamos no melhor dos mundos possíveis, onde o mal inevitável da condição criatural seria superado num futuro absoluto e metafísico. Há, de fato, alog de pecado no mal, e há algo de metafísico porque escapa às análises e às medidas e esforços humanos. Esta conjunção de mal, produzido pela malícia humana e mal metafísico que escapa a qualquer explicação, tem seu ponto de partida, no entanto, na crise de trabalho, no desemprego e na desumanização dos que sofrem as suas consequências na vida pessoal e familiar. O medo do desemprego, da falta de trabalho e de recurso para comer, vestir, morar, cuidar da saúde, assumem proporções maiores do que o medo do juízo e do inferno. Em sequência, há o medo da violência disseminada por toda a parte, medo do assalto eventualmente homicida, este símbolo completo da violência disseminada. Isso obriga os que têm mais poder a se protegerem por tras de grades e barreiras eletrônicas. Tornou-se o medo cotidiano que desumaniza as relações nas cidades de médio e grande porte. É evidente que a criminalidade disseminada tem sua relação direta com uma desigualdade crescente num mercado que obriga à concorrência, disputas com poucos ganhadores e muitos perdedores. Mas a ordem inverte os papéis e transforma o sintoma em causa, o que justifica a ação polícial quase indiscriminada sobre os mais fracos. (... ) O Demônio é, aos olhos de uma análise crítica, a mais geniosa promoção do mercado: nada melhor que a proliferação da sensação de estar possuido por um poder maligno espiritual e metafísico, não somente para fazer prosperar o mercado de igrejas exorcistas, mas antes disso, para distrair e imobilizar em meio à apropriação dos grandes investimentos e lucros do mercado nada espiritual e nada metafísico. (...) O mal que desumaniza é esta experiência de inferno, de possessão, de indignidade, de violência e solidão que atravessa o continente. Mas a esperança é o céu na palavra de Jesus, que também habita o continente".
*SUSIN, professor de Teologia Sistemática na PUC/RS.
*Título meu.
(Excerto do artigo de Luiz Carlos Susin: Males, demônios e desumanização num mundo globalizado - Uma visão desde a América Latina.Revista Concilium, 2009/1, pg.19-22)
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