segunda-feira, 22 de junho de 2009

Rovílio

LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*

Era frade. Um homem grande, tímido em certas circunstâncias, atencioso. O talhe, perfeito; o olhar azul, expressivo e inquieto. A modéstia lhe caía bem, por verdadeira. Suas mãos, enormes, faziam grandes voos quando falava. Todos o escutavam. Devido ao nascimento e vivência entre os oriundi da serra, a escansão de suas frases dava à língua portuguesa uma sonoridade surpreendente e bela, toda nova. Nunca repetia as histórias – porque as tinha muitas, sempre engraçadas e com certa perspectiva moral, ainda que não fossem moralistas. Interessava-se pelos humildes por decisão ética, discorrendo sobre a vida de um colono italiano como se falasse de um papa, de um rei, de um transformador social. Respondia com bom humor às perguntas de seus amigos, mesmo às brejeiras, que diziam respeito a sua condição voluntária de homem celibatário, religioso e bonito, cujo encanto pessoal abalava os corações.
Falava de Deus com tal naturalidade que, mesmo temporariamente, convertia qualquer agnóstico. Uma de suas grandes virtudes era considerar o pensamento alheio. Um dia, em plena Feira do Livro, ele conversava com um senhor judeu. Punha-lhe a mão no ombro, falava-lhe alguma coisa. Apertaram-se as mãos, despediram-se. Ao primeiro interlocutor que encontrou, disse: “Como temos a aprender com o Antigo Testamento! Talvez nosso cristianismo fosse muito melhor”.
Vivia cercado de gatos. Entendia-lhes as manhas, a linguagem corporal e poética. Falava-lhes. Amparava-os nas queixas, dava-lhes comida. Respeitava-os em suas qualidades auto-suficientes e felinas.
O capítulo dos livros, em se tratando de Rovílio, é o mais movimentado de sua biografia. Falando neles, em especial dos livros que editou, transfigurava-se. Foram centenas, milhares. Era complacente na hora de fazer escolhas, pois confiava no juízo da posteridade. Teve ações quixotescas, como a de editar a Suma Teológica e suas milhentas páginas.
Será difícil, na próxima Feira, ir à praça e não encontrar o Frei Rovílio em pessoa. Porque, bem o sabemos, ele lá estará, circulando entre as barracas, sobraçando um livro. Talvez traga algum outro habitante do Paraíso, a quem ele irá contar suas inesgotáveis histórias.
*Escritor gaúcho.
-Texto publicado na ZH, Segundo Caderno, pg.6 - 22/06/2009 -

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