terça-feira, 30 de junho de 2009

Revoluções

Moacyr Scliar*
“O certo é que o
imaginário popular
necessita disso,
de datas,
de nomes,
de locais — de festa”
Este mês de julho lembra dois importantes acontecimentos ocorridos no fim do século 18: a Revolução Americana de 4 de julho de 1776 e a Revolução Francesa de 14 de julho de 1789. Na verdade, a Revolução Americana foi mais uma guerra de independência, através da qual as então colônias se separaram da Grã Bretanha. A declaração de independência foi apresentada ao Congresso no dia 2, data que, segundo John Adams, um dos líderes do movimento, marcaria a efeméride; mas como a aprovação, e mais importante, a divulgação do documento ocorreu a 4 de julho, este ficou sendo o Independence Day. Ou seja: os americanos escolheram, para sua celebração máxima, o dia em que o povo tomou conhecimento da decisão, não o dia em que os congressistas (e não todos) assinaram a Declaração.
A Revolução Francesa teve um início curioso. A tomada da Bastilha em tese seria um acontecimento pouco relevante. Tratava-se de uma prisão relativamente pequena (no dia 14 apenas sete pessoas estavam ali em reclusão) e não destinada especificamente a prisioneiros políticos. E só foi invadida pelas armas e pólvora. Mas isso não tem muita importância. O certo é que o imaginário popular necessita disso, de datas, de nomes, de locais — de festa. E festas de independência são tradicionais celebrações. No hemisfério norte, julho é o mês do verão, e esta circunstância, que deve ter ajudado as duas revoluções, ajuda também a festa. E o 4 de julho é uma celebração grandiosa, em termos de desfiles, de festas, de fogos de artifício.
A tríade das revoluções se completa com a bem mais tardia (1917) Revolução Russa. Uma exposição de arte, que já passou por Brasília, está no Rio e depois irá para São Paulo, fala-nos disso. Intitulada Virada russa, reúne obras de artistas plásticos produzidas antes e depois da revolução que, aliás, coincidiu com um período de grandes mudanças na arte europeia (impressionismo, expressionismo, surrealismo). E o que se vê? De início essas obras eram inovadoras, criativas. Depois veio o stalinismo com suas rígidas determinações, seu autocrático controle — e os artistas tornaram-se medíocres propagandistas do regime. É que revolução significa conquista do poder e a ânsia de poder acaba por conquistar aqueles que conquistaram o poder. Os poderosos tendem a se perpetuar, a se eternizar; é a maldição que acompanha as revoluções. Ou elas mudam — o que seria de esperar; afinal, trata-se de acontecimentos marcados pelo dinamismo — ou elas acabam, e acabam de maneira sombria, por vezes em anticlímax. Foi o que aconteceu com a Revolução Francesa e com a Revolução Russa. Já a Revolução Americana foi diferente. Conquistado o principal objetivo, que era a independência, os Estados Unidos tomaram o rumo da democracia. E esta é, por assim dizer, uma revolução crônica, que introduz cotidianas mudanças, muitas vezes sem caráter bombástico.
Os Estados Unidos mudaram e a própria eleição de Obama é um testemunho disso. Um país escravagista, um país com um passado racista, um país assim elegeu um negro presidente — querem mudança mais expressiva? E mais, trata-se de um país que aprende com os próprios erros, que corrige constantemente seu rumo, muitas vezes de maneira quase imperceptível. Essa constatação é importante, porque o mito da revolução tem um apelo mágico. A ideia de transformação instantânea e violenta, de virar o mundo de cabeça para baixo, é uma ideia que ainda fascina muita gente. Em geral, porém, as grandes transformações são graduais. Para Marshall McLuhan, o canadense que numa época foi o guru da comunicação, as pessoas recusam mudanças que implicam mais de 10% de inovação. Essa porcentagem saiu, claro, da cabeça dele, mas é um número razoável e serve, pelo menos, como hipótese de trabalho. E de vida.
Mas voltando às datas, eis uma melancólica coincidência. Tanto John Adams como Thomas Jefferson, “pais fundadores” dos Estados Unidos, os únicos signatários da Declaração de Independência que se tornaram presidentes, faleceram no mesmo dia: 4 de julho de 1826, a data que marcava o cinquentenário da república americana. Coincidência? Talvez. Mas coincidência significativa e psicologicamente explicável: é bem provável que a sobrecarga emocional representada pela alegria da comemoração tenha sido excessiva para dois homens já idosos. Se é para morrer, então que seja em meio à festa, não é mesmo?
*Moacyr Scliar, escritor escreve quinzenalmente no Correio Braziliense.
http://www.correiobraziliense.com.br/impresso/ 30/06/2009

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