IHU On-Line - Em que medida o desejo e a felicidade como imperativos fundamentam a violência na pós-modernidade?
Mario Fleig - A felicidade sempre foi e continua sendo a aspiração que determina a existência do homem ocidental, e talvez de qualquer ser humano, independente de sua cultura. Contudo, o ideal de felicidade se formula de maneiras muitos diversas, e isso depende de cada cultura e seu sistema de crenças e representações. Temos indicações de que a modernidade, e sua radicalização no que se passou a denominar de pós-modernidade, se caracteriza pela implementação de mudanças radicais nos ordenadores sociais precedentes que definiam o que se denomina de modo genérico de modelo tradicional. Ora, sabemos que os ideais que predominam em uma cultura determinam os valores prevalentes, tendo efeitos na organização da cultura e na estruturação das subjetividades. Assim, podemos supor que a modernidade e a pós-modernidade se caracterizam por mudanças radicais nos ideais partilhados, que por sua vez têm efeitos sociais e subjetivos marcantes.
Ora, o projeto de fazer uma sociedade orientada pela razão é o que caracteriza a modernidade. A razão se coloca em exercício essencialmente pelo caminho da crítica, de modo que os três grandes princípios ordenadores das sociedades não-modernas - hierarquia, tradição e holismo - foram postos abaixo. A difusão dos ideais da modernidade, firmando-se progressivamente pela crítica aos segmentos da sociedade tradicional, somando-se aos avanços das ciências modernas e os inventos tecnológicos decorrentes, faz com que aumentem as fileiras de adeptos, cujo entusiasmo pelos novos ideais conflui na irrupção das diversas revoluções sociais que se dão até nossos dias, somadas às incessantes revoluções científicas e tecnológicas. Dentro da diversidade que caracteriza cada uma das revoluções sociais, poderíamos considerar que o lema central da Revolução Francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, indica a crítica radical ao modelo ancorado na verticalidade, ou seja, na autoridade alocada na divindade, no rei, no chefe, no pai. Assim, na pós-modernidade podemos ver os limites extremos da crise legitimidade de qualquer instância que queira fazer o exercício de autoridade. A crise de legitimidade da autoridade tem como efeito a evaporação dos lugares que têm como função demarcar as obrigações e os limites para cada sujeito. Isso significa uma desagregação da lei simbólica, ou seja, os neo-sujeitos que se constituem na nova economia psíquica correlata da economia neoliberal se supõem desobrigados de qualquer limite e aspirados pelo ideal de gozar de tudo e a qualquer preço, sem limite. Ser educado e subjetivado evitando qualquer interdição tende a produzir sujeitos incapazes de dialetizar o ódio que a introdução da cria humana na linguagem produz. Ao ser introduzido na fala, o sujeito é confrontado com a falta que a interação com o outro lhe apresenta, resultando no surgimento do ódio contra aquele que lhe impõe a falta e o limite. Falta que se apresenta na alteridade do semelhante e falta estruturalmente presente na própria linguagem. Ser introduzido no campo da linguagem e na função fala produz no cerne do faltante uma ferida incurável. Esta ferida é denominada por Freud de desejo.
Mario Fleig - A felicidade sempre foi e continua sendo a aspiração que determina a existência do homem ocidental, e talvez de qualquer ser humano, independente de sua cultura. Contudo, o ideal de felicidade se formula de maneiras muitos diversas, e isso depende de cada cultura e seu sistema de crenças e representações. Temos indicações de que a modernidade, e sua radicalização no que se passou a denominar de pós-modernidade, se caracteriza pela implementação de mudanças radicais nos ordenadores sociais precedentes que definiam o que se denomina de modo genérico de modelo tradicional. Ora, sabemos que os ideais que predominam em uma cultura determinam os valores prevalentes, tendo efeitos na organização da cultura e na estruturação das subjetividades. Assim, podemos supor que a modernidade e a pós-modernidade se caracterizam por mudanças radicais nos ideais partilhados, que por sua vez têm efeitos sociais e subjetivos marcantes.
Ora, o projeto de fazer uma sociedade orientada pela razão é o que caracteriza a modernidade. A razão se coloca em exercício essencialmente pelo caminho da crítica, de modo que os três grandes princípios ordenadores das sociedades não-modernas - hierarquia, tradição e holismo - foram postos abaixo. A difusão dos ideais da modernidade, firmando-se progressivamente pela crítica aos segmentos da sociedade tradicional, somando-se aos avanços das ciências modernas e os inventos tecnológicos decorrentes, faz com que aumentem as fileiras de adeptos, cujo entusiasmo pelos novos ideais conflui na irrupção das diversas revoluções sociais que se dão até nossos dias, somadas às incessantes revoluções científicas e tecnológicas. Dentro da diversidade que caracteriza cada uma das revoluções sociais, poderíamos considerar que o lema central da Revolução Francesa, liberdade, igualdade e fraternidade, indica a crítica radical ao modelo ancorado na verticalidade, ou seja, na autoridade alocada na divindade, no rei, no chefe, no pai. Assim, na pós-modernidade podemos ver os limites extremos da crise legitimidade de qualquer instância que queira fazer o exercício de autoridade. A crise de legitimidade da autoridade tem como efeito a evaporação dos lugares que têm como função demarcar as obrigações e os limites para cada sujeito. Isso significa uma desagregação da lei simbólica, ou seja, os neo-sujeitos que se constituem na nova economia psíquica correlata da economia neoliberal se supõem desobrigados de qualquer limite e aspirados pelo ideal de gozar de tudo e a qualquer preço, sem limite. Ser educado e subjetivado evitando qualquer interdição tende a produzir sujeitos incapazes de dialetizar o ódio que a introdução da cria humana na linguagem produz. Ao ser introduzido na fala, o sujeito é confrontado com a falta que a interação com o outro lhe apresenta, resultando no surgimento do ódio contra aquele que lhe impõe a falta e o limite. Falta que se apresenta na alteridade do semelhante e falta estruturalmente presente na própria linguagem. Ser introduzido no campo da linguagem e na função fala produz no cerne do faltante uma ferida incurável. Esta ferida é denominada por Freud de desejo.
*Mario Fleig, filósofo e psicanalista.
- Entrevista site IHU/unisinos em 21/06/2009 com o título: O direito ao gozo e a violência.
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