terça-feira, 30 de junho de 2009

Mestre da genética

Xico Graziano*

Nativos do México, os parentes selvagens do milho em muito diferem das atuais plantas do amarelo cereal. A domesticação das espécies altera os desígnios naturais da evolução. Isso se chama melhoramento genético.
Gramínea como qualquer capim, o milho original continha múltiplas e pequenas espigas, com surrados grãos. A cada colheita, porém, os agricultores pré-colombianos guardavam os mais vistosos bagos para servir de semente no próximo plantio. Em milhares de anos, o cereal se transformou pela seleção genética. Cresceu o sabugo.
Em todo o mundo, desde o surgimento da agricultura, centenas de espécies vegetais e animais foram sendo domesticadas e adaptadas, provando o mecanismo da evolução. Trigo, aveia e cevada, ovelhas e bovinos se encontram entre as primeiras conquistas da agropecuária. Nenhum deles, hoje, reconheceria seus antepassados.
Mas apenas em 1865 o inglês Gregor Mendel descobre o mecanismo da hereditariedade, criando as bases da moderna genética. Cruzando espécies distintas de ervilhas, ele percebeu que existiam, na descendência delas, traços dominantes e traços recessivos. A partir daí, formulou sua famosa teoria.
Cerca de 40 anos depois, o professor T. Morgan, também inglês, complementa a teoria descrevendo a função dos cromossomos e sua relação com os genes. Outras três décadas são necessárias para o norte-americano George Beadle mostrar como os genes, por meio das enzimas, comandam quimicamente as células. Finalmente, em 1953, a dupla Crick e J. Watson - aquele, inglês, e este, norte-americano - apresentou a maior das descobertas: a estrutura molecular do DNA, o ácido desoxirribonucleico. Núcleo da vida.
A partir daí, o melhoramento genético deslancha na agricultura. Na década de 1970, os cientistas da agronomia, comandados por Norman Borlaug, proclamaram a "revolução verde". A produtividade das lavouras e das criações cresce enormemente, desmentindo a alarmante predição da fome malthusiana. A tragédia agora reside na insuficiente renda das pessoas, não na fraqueza na produção de alimentos. Graças à agronomia.
História clássica da genética na agropecuária. Conhecendo os mecanismos da reprodução, os pesquisadores foram realizando cruzamentos direcionados, destacando características positivas das espécies. Por exemplo, frutas temperadas, como a uva, gostam de frio. O melhoramento genético, todavia, conseguiu aprimorar variedades tolerantes ao calor. Resultado: hoje se produz uva de excelente qualidade no quente oeste paulista tanto quanto no árido Nordeste brasileiro. Há 30 anos, quem quisesse chupar uva fina dependia de importações - a "uva Itália". Agora, de todas as cores e doçuras possíveis, a fruta se colhe por aqui mesmo. Baga brasileira.
O mesmo processo de melhoramento genético foi capaz de adaptar o cultivo da soja no Brasil. Oriunda da China, sua planta nativa florescia bem no frio. Entretanto, pesquisas realizadas, primeiro no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e depois na Embrapa, alteraram tal exigência, desenvolvendo variedades de soja adaptadas às regiões tropicais. Soja calorenta.
No ramo animal, nada mais ilustrativo que apontar as vantagens do melhoramento genético nas aves. Há poucas décadas, um frango demorava quatro meses para chegar à mesa. E precisava de muita lenha para amaciar sua carne. Assado no forno, então, nem pensar, endurecia qual pedra. Frango se comia ensopado na panela. E galinha velha virava canja.
Hoje, com apenas 47 dias de nascidos, bem pesados, milhões de frangos se abatem diariamente nos frigoríficos. Macio e barato, a população adora o fofo frango assado daquelas "televisões de cachorro" ou aprecia um peito de carne branca à milanesa. Frango caipira tornou-se comida excêntrica. Graças à melhoria genética das raças, mudou tudo no galinheiro.
Exemplos não faltam para comprovar as modificações genéticas obtidas, graças ao melhoramento, pela reprodução sexuada. Essa história feliz da agronomia, entretanto, por incrível que pareça, já começa a fazer parte do passado. Acontece que o surpreendente avanço da ciência, ao inventar a engenharia genética na década de 1980, turbinou a biotecnologia. Surge o produto transgênico.
A nova tecnologia permite que os cientistas transfiram características genéticas sem mais necessitar do cruzamento sexuado. Misturam-se genes interessantes de uma bactéria, por exemplo, no genoma de uma planta superior. Algo impensável no melhoramento clássico se permite na revolução genômica, abrindo fronteiras do futuro no campo.
Faleceu recentemente, aos 81 anos de idade, o agrônomo Ernesto Paterniani, pioneiro e protagonista da genética nacional. Filho de imigrantes italianos, o querido professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) lecionou, pesquisou e amou a seleção genética como ninguém, especialmente dedicada ao melhoramento do milho. Um mestre da genética.
Membro da Academia Brasileira de Ciências, o doutor Paterniani defendia apaixonadamente a engenharia genética. Ele sabia que, ao romper a barreira natural das espécies, a engenharia genética desperta inquietações científicas e éticas, típicas das grandes descobertas científicas.
Afirmava, todavia, que o temor dos produtos transgênicos, plenamente justificável, somente seria vencido pela luz da ciência, nunca pela negação da transgenia. E propunha maiores investimentos na pesquisa governamental, para garantir o domínio público e a segurança da biotecnologia. Combatia duramente o obscurantismo.
Sócrates disse que os sábios conhecem os limites da própria ignorância. Grandes cientistas, como Ernesto Paterniani, não sossegam. Morrem trabalhando.
*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xico@xicograziano.com.brSite: www.xicograziano.com.br
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090630/not_imp395219,0.php

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