Mauro Santayana*
Em um dos primeiros testes com o sistema fly-by-wire, criado para a Força Aérea norte-americana, o avião, um F-16, caiu, matando o piloto. Entre essa primeira vítima e o desastre com o vôo 447, da Air France, vários acidentes, com os modernos Airbus, foram atribuídos à preponderância da inteligência artificial sobre o livre arbítrio dos pilotos. Em julho de 2007, em Congonhas, na maior tragédia aérea ocorrida no Brasil, segundo alguns especialistas, houve a aceleração do aparelho, em lugar da frenagem, e a impossibilidade da correção humana. “Desacelera!”, gritou um dos pilotos. “Não consigo!”, respondeu o outro.
Tal como o HAL-9000, o computador central da nave de Uma odisséia no espaço, filme de Stanley Kubrick, de 1968, esses modernos sistemas eletrônicos de voo levam aos pilotos informações falsas. Em outubro do ano passado, um Airbus 330-303, da empresa Qantas, que decolara de Singapura rumo a Perth, na Austrália, voava a 37 mil pés, quando o piloto automático se desligou. Imediatamente o sistema fly-by-wire começou a sinalizar panes múltiplas no avião, que entrou em pique, caindo 650 pés. Restabelecido o nível do voo, houve nova queda de 400 pés. Os pilotos entraram em contato com o controle de terra e pediram autorização para descer, antes, em Learmonth. Felizmente era ao meio do dia, com boa visibilidade.
O relatório do voo da Qantas, examinado pela Easa, levou a agência que controla a segurança aérea na Europa a advertir os pilotos dos Airbus dos riscos com o sistema, em nota emitida em 16 de janeiro deste ano. Nela, a agência relata o que ocorrera com o avião da Qantas, e avisa que o sistema fly-by-wire emitira aleatoriamente informações de perda de velocidade (stall), de aumento de velocidade e de outras alterações, que não correspondiam à realidade, além de levar o aparelho aos dois piques sucessivos. Seria de esperar que, diante dos acidentes já registrados, e da experiência vivida pelos pilotos da Qantas, a agência europeia de segurança aérea houvesse recomendado o recolhimento dos Airbus e a reconstrução do sistema fly-by-wire. Ao que parece, a vida humana é menos importante do que o interesse dos fabricantes e operadores de aviões, que tampouco tomaram qualquer providência.
Esses acidentes repetidos desmentem a supremacia da máquina sobre o homem, na tomada de decisões. A metáfora do cavalo sempre foi usada por alguns pilotos, para explicar as suas relações com os aviões. Há, sem embargo, uma diferença: ser vivo, o cavalo tem, como o homem, o instinto de sobrevivência, e, com a decisão de salvar a própria vida, ajuda a salvar o cavaleiro. Os computadores, não. Tal como Hal estava programado para assegurar o cumprimento da missão espacial da nave, mesmo contra a vontade de seus tripulantes, o sistema fly-by-wire foi programado para substituir funções humanas. Nos primeiros voos comerciais transatlânticos, havia cinco tripulantes na cabine: o comandante, o copiloto, o engenheiro de voo, o navegador e o radiotelegrafista. Primeiro foi eliminado o radiotelegrafista. Em seguida, dispensado o navegador. E a exacerbação da tecnologia, com o fly-by-wire, fez desaparecer o engenheiro de voo.
Logo depois da histórica travessia do Atlântico Norte, em 1927, o grande piloto Charles Lindenbergh, ao relatar sua experiência, definiu o que o voo significava para ele. Outros conhecidos pilotos disseram mais ou menos a mesma coisa: “Havia momentos em que eu tinha a sensação de ter escapado da mortalidade, e, ao olhar a terra embaixo, me sentia como se fosse um deus”. De todos os desafios vencidos pelo homem, ao longo dos milênios, o do voo é o que mais fascina. Talvez por isso mesmo tenha sido tão rápida a evolução dos aviões. Quarenta e um anos depois do primeiro voo de Santos Dumont, as hélices foram substituídas pela propulsão a jato, 14 anos mais tarde, em 1961, Gagarin iria ao espaço, abrindo a rota para que, em 1969, o homem chegasse à Lua.
Muitos pensadores concluem que a tecnologia deve estar submetida a um imperativo ético, como lembra sempre o teólogo Leonardo Boff. Georg Friedrich Junger e outros reduzem a importância da técnica na vida dos homens, ao dizerem que ela significa mais trabalho, mais desperdício, mais destruição, maior opressão.
Desastres como o da Air France nos conduzem à constatação de que a tecnologia não pode servir, ao mesmo tempo, à libertação do homem e à multiplicação ilimitada dos lucros, a Deus e a Mamon. O Deus do dinheiro tem em Tanatos, a divindade da morte, um sócio fiel.
*Colunista do Jornal do Brasil, chamado de principe das noticias políticas, pelo teológo Leonardo Boff.
http://www.jblog.com.br/politica.php 04/06/2009
*Colunista do Jornal do Brasil, chamado de principe das noticias políticas, pelo teológo Leonardo Boff.
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