MOACYR SCLIAR*
Se as estações do ano correspondessem a figuras humanas, poderíamos imaginar o verão como um garoto alegre, travesso, sempre de pés descalços, pronto a mergulhar num rio ou a jogar futebol; a primavera como uma adolescente bela e meiga, de olhos sonhadores, entoando suaves canções. O outono? Um homem de meia-idade, um poeta talvez, sempre a caminhar por bosques e sempre meditando sobre a vida. E o inverno? Bem, aí depende. O inverno divide opiniões; porque há quem não suporte o frio assim como existem aqueles que abominam o calor.
Aliás, é certo que a Batalha Final será travada não entre aqueles que atacam ou defendem o terceiro mandato para Lula, nem entre as forças do Bem e seus adversários do Mal; a Batalha Final será travada entre aqueles que detestam o inverno e aqueles que o amam.
Nessa linha de raciocínio, Henry David Thoreau, o pensador americano que venerava a natureza e a celebrou em várias obras, dizia que, para algumas pessoas, o inverno seria um rude e prepotente tirano, mas que ele preferia vê-lo como um monarca benévolo e gentil. Rei talvez seja um pouco de exagero, mas podemos, sim, falar de um Senhor Inverno, um cavalheiro de idade que nos visita todos os anos. Veste-se bem, ele, com elegância discreta: sobretudo, manta, boné ou chapéu. Usa barba, obviamente, uma barba bem cuidada. Sua voz é grave, voz de barítono. É um homem culto: nas longas noites da estação fria, sua diversão principal é ler (Shakespeare, Machado de Assis) e ouvir música (erudita: Bach, Mozart), enquanto saboreia um cálice de vinho. Ah, sim, o Senhor Inverno é gourmet; gosta de comer bem e frequenta bons restaurantes. Mas prefere ficar em casa, sentado diante da lareira, muitas vezes olhando as chamas que dançam alegremente.
É triste, o Senhor Inverno? Talvez o seja: a falta de luz solar exerce esse efeito sobre a química do nosso organismo, causando aquilo que os americanos chamam de winter blues, a tristeza do inverno. Isso, para o Senhor Inverno, não chega a ser problema, ao contrário: essa tristeza superior, espiritual, é para ele o ponto de partida para uma meditação sobre a existência, para uma busca de respostas às tradicionais questões com as quais muitas vezes somos confrontados: por que estamos aqui? Qual o sentido da vida?
Se esse debate interior fica muito inquietante, o Senhor Inverno tem alternativas: um bom DVD, por exemplo. Ou um chá acompanhado de torradas.
Finalmente, é bom dizer que o Senhor Inverno é muito hospitaleiro: na casa dele, sempre seremos bem recebidos. E lá encontraremos abrigo para o cortante vento que, aqui no Sul, muitas vezes arranca lágrimas de nossos olhos.
*Escritor e colunista da ZH
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