LUIZ FELIPE PONDÉ*
Quando idiotas respondem
Quando idiotas respondem
a pesquisas,
eles pensam
a partir de
"mundinho de estimação"
NO DIA 25/5 escrevi nesta coluna que a democracia corre o risco de ser refém dos idiotas e de sua mecânica invejosa e medíocre, além de seu desejo meloso pela felicidade. Regime baseado na soberania popular, a democracia entende a "verdade como opinião pública". Daí o risco da tirania dos idiotas. Fui afogado em e-mails. Não sonho com o impossível: não conhecemos regime melhor. Todavia, típico do idiota é assumir que por isso devemos ter com a democracia a atitude que católicos, por exemplo, têm com a virgindade de Maria. Melhor acreditar na virgindade de Maria do que na santidade da democracia.
Na democracia moderna, a associação entre soberania popular e opinião pública implica na transformação do marketing em ferramenta essencial da ciência política democrática. Isso se manifesta na crescente tendência de checarmos esta soberania perguntando o que "o povo pensa". E aí, surge a ciência idiota da política.
Leitores pedem exemplos. Uma regra geral, e triste, é que se você for pessimista com o mundo, normalmente você fará uma ciência quase exata do mundo. Quer ver?
Recentemente esta Folha checou a opinião pública com relação ao chamado "terceiro mandato" do Lula. Deu quase empate. Normalmente, a posição pró-terceiro mandato vem regada a ideias do tipo "ele é igual a mim, um pernambucano ou nordestino" (no meu caso, sendo pernambucano como sou, bem que poderia pensar o mesmo, ainda bem que não penso). Fala o idiota diante do espelho: "Se um pernambucano ex-pobre é presidente, e se sou eu um pobre e/ou nordestino, logo sou também um pouco presidente".
Outra possibilidade é: "Ele está ótimo como presidente, que continue sendo". A ideia de fundo é: "Não se mexe em time que está ganhando" (sem entrar no mérito técnico se estamos ganhando ou não). Aqui, o erro do idiota é confundir um suposto "bom presidente" com "se é um bom presidente, que continue sendo". Ou, também horrível: "Deixem o ex-pobre continuar mandando porque ele é mais próximo das massas do que um sulista rico e, portanto, ele tem um coração unido às massas". Morro de medo do coração das massas. Ali, onde está a multidão, está a mentira. Muitos sentimentos juntos são sempre falsos.
Pessoas inteligentes que pensaram seriamente a democracia moderna sabem que uma forma razoável de evitar que governos façam do país seu quintal é impedir que eles fiquem tempo demais no poder e isso (preste atenção, leitor) nada tem a ver com o governo em questão ser bom ou não, ou o presidente "ser um cara legal ou não". Qualquer pessoa que seja a favor de um terceiro mandato do Lula o é, ou por má-fé (porque participa da "máfia democrática" que manda no quintal), ou por ser um idiota. Provavelmente, neste último caso, ele tem sonhos eróticos com a Venezuela do ridículo ditador Chávez e seus anões bolivarianos ou com a "monarquia popular" do Fidel. Ou ainda está perdido em assembleias de alunos da PUC-SP ou da USP que não gostam de assistir a aula.
Não se compara o parlamentarismo (inglês, por exemplo) com o presidencialismo. Este corre maior risco de cair na armadilha personalista e populista do executivo inflado. Aquele amarra a permanência do primeiro ministro às eleições legislativas e à dinâmica parlamentar, o que "pulveriza a autonomia" do governo.
Esta ferramenta de exclusão do "governo contínuo" funciona como recurso preventivo. Mas preventivo contra o que, exatamente? Contra o fato de que qualquer presidente que tiver poder por muito tempo e sobre muita gente corre o risco inexorável de se perder. Mesmo se você for cheio de bons sentimentos, você fará do mundo a sua volta um inferno para quem estiver no seu caminho. Com o tempo, você montará esquemas com pessoas que lhe são fiéis, criará estruturas minúsculas de coerção invisível, apodrecerá a máquina administrativa com seu mau hálito matinal.
Normalmente quando idiotas respondem a pesquisas de opinião eles pensam a partir de seu "mundinho de estimação". O horror supremo para o idiota é aceitar que para a democracia funcionar ela tenha que estar sempre na condição de imperfeita e dividida, portanto, impedida de incorrer na suprema tentação de se achar instrumento sólido do bem na terra. Sua missão é dividir, dispersar, enfim, fragmentar o poder, porque o poder político, quando não esmagado por tensões e contradições internas, é sempre mau.
*Teólogo
ponde.folha@uol.com.brhttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0806200925.htm
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