Alfie Kohn*
Não se trata do que ensinamos, mas do que eles aprendem Eu nunca entendi o porquê de tanto barulho em torno daquele antigo enigma – “Se uma árvore cair em uma floresta e não estiver ninguém por perto, assim mesmo haverá barulho?”. Não seria, afinal, apenas uma questão sobre como optamos por definir a palavra ‘barulho’? Se nos referirmos a “vibrações de certa frequência transmitidas através do ar”, então a resposta é sim, o barulho existiu. Mas se for sobre as “vibrações que estimulam o sistema auditivo de um organismo”, então a resposta é não.
Mais desafiador, talvez, seja o seguinte problema atribuído a educadores interessados em desafios: “Eu dei uma boa aula, mesmo sabendo que os alunos nada aprenderam”. Novamente, tudo volta para a definição. Se o ato de ensinar acontece em uma atividade interativa, em um processo de facilitação do aprendizado, então a frase é incoerente. É a mesma coisa que se dissermos “eu tive um excelente jantar, mas nada comi”. Mas e se o ensinar for definido apenas como o conjunto de coisas que o professor diz e faz em sala? Neste caso, a declaração não será paradoxal, apenas estúpida. Uma aula mal-dada não levaria o professor a se perguntar, “Então, o que eu poderia ter feito para obter um resultado melhor?”
Tal questão certamente passaria pela cabeça daqueles educadores que têm o aprender – ao contrário de apenas ensinar – como o motivo que justificou a escolha pela profissão. De uma maneira geral, eles acreditam que não importa muito o que professores fazem ou dizem, se comparado com a maneira com que as crianças absorvem as experiências em sala.
Consideremos o que acontece entre pais e filhos. Quando solicitados para que descrevam alguma impressão sobre a vida em família, as respostas chamam a atenção pelo modo como divergem. Nos EUA, estudos apontaram que a percepção que as crianças têm do comportamento dos pais não é menos apurado que a percepção que os pais têm de seus próprios comportamentos.
Em se tratando de conflitos familiares, não importa a lição que o pai quis ensinar por meio de algum castigo. Se a criança entender isso como um decréscimo no amor que o pai sente por ela, então isso determinará o efeito. Similarmente, pais elogiam com o objetivo de encorajar o filho, mas as crianças podem ressentir o julgamento implícito ao serem informadas que ‘fizeram um bom trabalho’, ou então elas talvez cresçam e sintam uma necessidade crescente de agradar pessoas em posição de autoridade.
Tanto do castigo quanto do prêmio, a lição que fica é a de que tudo depende da condicionalidade: Eu sou amado – e amável – apenas quando faço aquilo que me mandam. Obviamente, todos pais insistiriam que amam seus filhos incondicionalmente. No entanto, conforme um grupo de professores cita em um livro que trata do controle de estilos dos pais, “é a própria experiência da criança com relação a esse comportamento que deve causar maior impacto em seu desenvolvimento”. O que conta é a mensagem recebida, não o sinal que o adulto pretende enviar.
A mesma ideia se aplica na escola. Educadores acreditam que o professor estará enfatizando a importância da pontualidade ao punir aqueles que chegam atrasados, e que conseguirá conscientizar, por meio de advertência, o aluno flagrado gritando obscenidades para o colega. Ou então, que estimulará o bom comportamento lançando mão de elogios.
Mas e se o aluno que está sendo castigado ou recompensado não enxergar a intenção do professor? E se as respostas deles forem “Isto não é justo!”, “Na próxima vez não serei pego”, “Quando se tem poder e as pessoas não fazem o que você quer, é possível fazê-las sofrer” ou então “Se eles tiveram que me premiar por X, então X deve ser algo que as pessoas não gostam de fazer?”
Nós professores alegamos que o aluno interpreta tudo de maneira errada, que a intervenção é correta, a consequência é justificada, e que o sistema de reconhecimento às boas atitudes faz todo o sentido. Mas se o aluno não tem o mesmo ponto de vista, então não existe a possibilidade de obtermos o efeito esperado agindo da maneira que sempre fizemos. Resultados não são oriundos de comportamentos, mas sim do significado amarrado aos comportamentos.
Se os alunos interpretam o dever de casa como algo que deve ser resolvido o quanto antes, para que sobre mais tempo de lazer, é natural que eles não o façam com esmero. Assim, é extremamente baixa a probabilidade de que os exercícios ajudarão alunos a aprender melhor, e que os mesmos ficarão empolgados em rever o assunto apresentado em sala.
Quando professores apenas cumprem a sua parte de ensinar e deixam para que o aluno absorva o conteúdo – “nesse caso, a criança se sente culpada por não entender a lição” (tomando emprestadas as palavras de John Holt) – então o aprendizado verdadeiro tem tudo para se tornar algo escasso nas escolas. Mas vamos encarar a realidade: é mais fácil você se preocupar com o ensinar do que com o aprender, da mesma maneira que é mais conveniente dizer que a culpa é dos outros quando as coisas saem erradas.
“Eu ensinei uma boa lição..” sugere que o aprender é visto como um processo de absorver informação, e que ensinar consiste em entregar aquela informação. (Há muitos anos, o escritor George Leonard descreveu a palestra como “a melhor maneira de se transferir o conteúdo do livro do professor para o do aluno, sem tocar a mente do aluno”.) Esta abordagem é bem comum entre professores de educação básica e superior, os quais são mais especialistas nas suas áreas de ensino (literatura, ciência, história) do que em pedagogia.
Reductio ad absurdum seriam aqueles que “levam tão a sério seus conteúdos que acabam se esquecendo de seus alunos”, conforme a escritora Linda McNeil coloca em seu livro Contradictions of Control: School Structure and School Knowledge.
O problema pode estar nas escolas que formam professores, onde se passa pouquíssimo tempo aprendendo sobre o aprender, se comparado ao tempo gasto com o conteúdo a ser ensinado em sala. O fato é que o verdadeiro aprender nem sempre pode ser quantificado. E se a escola focar apenas nessa questão, e se basear somente em dados e números, é grande o risco de se tornar o ato de ensinar em algo raso e sem vida. O ideal é que seja feito um esforço no entender como que cada aluno percebe o mundo, para que possamos encontrá-los onde eles se estão. “Ensinar”, segundo Deborah Méier, é composto em sua maioria pelo ouvir. Imagine como as salas de aula seriam viradas do avesso se colocássemos essa sabedoria em prática.
E não se trata de apenas ouvir literalmente. É preciso querer entender o ponto de vista do aluno. Você já parou para pensar como é estar sentado ali escrevendo um texto ou tentando resolver um problema de matemática, cujo resultado será a diferença entre ser aprovado ou não? (Muitos dos professores que esperam que seus alunos mudem de atitude ou evoluam sob críticas não gostam de receber novas sugestões sobre o jeito de dar aula.) De fato, educadores deveriam fazer maiores esforços no sentido de tentar novas práticas em sala, como forma de reconhecimento pelos esforços diários de seus alunos.
Concluindo, os professores estão para os alunos assim como os diretores estão para os professores. Uma liderança escolar de sucesso não depende do que diretores e superintendentes fazem, mas de como suas ações são interpretadas pelos que se encontram em nível hierárquico abaixo - no caso, os professores. Eles podem ser mais maduros que os alunos, porém a moral é a mesma: essa é a melhor maneira de entendermos como os alunos percebem aquilo que fazemos em relação a eles.
*Alfie Kohn é escritor.
Texto publicado originalmente no jornal Education Week. Reprodução com permissão do autor. Acesse: www.alfiekohn.org . Tradução: Gustavo Rodrigues. Texto publicado na revista Profissão Mestre de abril/2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário