domingo, 21 de junho de 2009

Cérebro turbinado

Jeremy Laurencedo*
Bioeticista pede liberação de drogas
para "doping mental",
como a Ritalina,
dizendo que elas são
uma extensão natural
da educação.
Em pleno período de provas, a oferta de uma droga que possa melhorar as notas poderia deixar os alunos animados, mas aterrorizaria os pais. Agora, um bioeticista britânico diz que é hora de abraçar o "doping mental", o uso de drogas que aumentam o desempenho cognitivo. A sugestão vem de John Harris, diretor do Instituto para Ciência, Ética e Inovação da Universidade de Manchester e editor-chefe do "Journal of Medical Ethics".
É a segunda manifestação de peso a favor da liberação do uso "off label" (sem receita médica) dessas substâncias. No fim do ano passado, Harris e mais seis pesquisadores já haviam pedido, na revista "Nature", a regulação de drogas cognitivas.
A principal da categoria é a Ritalina, usada para tratar crianças hiperativas. Ela já tem um mercado negro entre os estudantes, especialmente nos EUA. Eles estão trocando estimulantes tradicionais, como café e cigarros, pela Ritalina.
Os usuários dizem que a droga ajuda a melhorar a concentração, algo que já foi confirmado em pesquisas com adultos.
David Green, aluno da Universidade Harvard, disse ao jornal "The Washington Post": "Honestamente, desde o ensino médio eu não escrevo um artigo sem Ritalina".
Matt, estudante de administração de empresas da Universidade da Flórida, disse que uma droga parecida, o Adderall, ajudou-o a melhorar as notas. "É um santo remédio", disse ao "Boston Globe". "É incrível como minha concentração melhora quando eu uso."
Alguns especialistas condenaram a tendência e acusaram os estudantes de tirar "vantagem injusta" por meio do doping, sem explicarem por que isso seria mais injusto do que contratar um professor particular, por exemplo.
Harris diz que os argumentos contra as drogas "não têm sido persuasivos" e que a sociedade deve buscar turbinar a cognição. "Não é racional ser contra o aprimoramento", escreveu. "Os humanos são criaturas que resultam de um processo de aprimoramento chamado evolução e, além disso, aprimoram a si próprios de todo jeito possível."
Embora nenhuma droga seja 100% segura e livre de efeitos colaterais, a Ritalina foi considerada segura o suficiente para ser administrada a crianças com distúrbio de déficit de atenção (DDA) há vários anos, afirma Harris.
A Ritalina é um estimulante introduzido em 1956, que parece influenciar a maneira como o cérebro filtra e responde a estímulos. Ela aumenta a energia e a confiança, e já foi comparada à cocaína. Efeitos colaterais possíveis incluem insônia, inapetência, tontura e depressão após o fim do uso.
Outras drogas investigadas quanto ao seu papel de aprimoradoras mentais incluem o donepezil, usado para tratar demência, e o modafinil, para narcolepsia. Ambas possivelmente ampliam o desempenho em tarefas que requerem habilidade, nas quais a concentração e o estado de alerta são pré-requisitos. Um estudo mostrou que pilotos comerciais que tomaram donepezil por um mês lidaram melhor com emergências num simulador de voo do que os que tomaram placebo.
Um estudo do modafinil concluiu que ele aumentava o desempenho, num simulador de voo, de pilotos de helicóptero que tiveram privação de sono.Num artigo na edição on-line do "British Medical Journal", Harris disse que o uso de drogas para aumentar o desempenho cognitivo deveria ser visto como uma extensão natural do processo de educação. As agências reguladoras de fármacos deveriam avaliar os benefícios e os riscos da mesma forma como avaliariam qualquer outra intervenção médica.
Questão de ética
"Suponha que uma universidade queira aumentar a capacidade mental de seus alunos. Suponha que eles digam também que não só poderiam fazer isso como também que seus alunos seriam os mais inteligentes da história. Nós poderíamos não acreditar, mas, se as alegações pudessem ser provadas, deveríamos ficar satisfeitos?"
Sua resposta é um sonoro "sim". Ele conclui que é antiético impedir as pessoas de tomarem Ritalina para aumentarem seu desempenho mental.
Em total desacordo, Anjan Chatterjee, da Universidade da Pensilvânia (EUA), argumenta na mesma edição do "British Medical Journal" que há riscos demais. Nos EUA [e no Brasil], a Ritalina é um remédio de tarja preta, pois tem alto potencial de abuso, dano ao coração e risco de morte súbita.Ele acrescenta que há compensações cognitivas na Ritalina, como a perda da criatividade. Ele levanta o fantasma de pré-vestibulandos tomando a droga em "proporções epidêmicas" e de motoristas, policiais e médicos pressionados a usá-la em plantões.
O progresso sempre traz risco, diz Harris. O desenvolvimento de tochas, lampiões e lâmpadas elétricas poderia ter forçado as pessoas a trabalhar noite adentro. A resposta não foi banir essas tecnologias, mas regular as horas de trabalho.

*Diretor para Ciência, Ética e Inovação da Universidade de Manchester e editor-chefe do "Journal of Medical Ethics"
Artigo do "INDEPENDENT" postado pela FSP 21/06/2009
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2106200904.htm

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