Jean-Pierre Lebrun*
“Que futuro há para os ódios,
se os mecanismos
pelos quais nós os constrangemos a
se transformarem em outra coisa
que não seja a destruição,
se encontram em dificuldade?",
pergunta o psiquiatra belga,
membro da Associação Lacaniana Internacional.
Segundo ele,
"a resposta é simples
– ainda mais violência!"
IHU On-Line - Em que sentido o encontro com o Outro é sempre violento?
Jean-Pierre Lebrun - O encontro com o Outro da linguagem é sempre “traumático”, já que ele constrange a passar da continuidade sensível à descontinuidade significante. Exige, portanto, uma perda, implica uma impossibilidade de dizer, adequadamente e totalmente, condições que só podem ser percebidas como constrangimentos violentos. Mas trata-se de uma violência salutar, de um traumatismo não traumatizante, simplesmente porque o ganho que será obtido – o uso da palavra – é bem superior à perda exigida.
Jean-Pierre Lebrun - O encontro com o Outro da linguagem é sempre “traumático”, já que ele constrange a passar da continuidade sensível à descontinuidade significante. Exige, portanto, uma perda, implica uma impossibilidade de dizer, adequadamente e totalmente, condições que só podem ser percebidas como constrangimentos violentos. Mas trata-se de uma violência salutar, de um traumatismo não traumatizante, simplesmente porque o ganho que será obtido – o uso da palavra – é bem superior à perda exigida.
IHU On-Line - Por que o ódio é mais originário que o amor?
Jean-Pierre Lebrun - Porque o ódio está primeiramente lá, já que ele é engendrado por esta perda que impõe a linguagem. É este corte que está em nossa origem de humanos.
IHU On-Line - Como podemos compreender a relação linguagem-ódio?
Jean-Pierre Lebrun - A relação linguagem-ódio se baseia simplesmente no fato de que este constrangimento [ou coação] do nosso linguajar, traz espontaneamente à tona o ódio, a cólera de dever assumir esta condição.
IHU On-Line - Quais são as principais expressões do ódio na pós-modernidade?
Jean-Pierre Lebrun - Na pós-modernidade, a simbolização está em dificuldade, já que o esteio que ela encontrava no apoio na figura do pai é abandonado. Aliás, não é certo que o processo de simbolização possa ser mantido pela mãe até seu termo, pois esta (mãe) não pode cumprir simultaneamente a tarefa de ser o primeiro Outro e o alheio deste Outro (seu outro Outro). Isto não impede que se tenha que estudar mais detidamente o modo pelo qual os mecanismos que a mãe põe em ação contribuem, e mesmo em que medida eles estão em condições de suprir a deficiência gerada pelo fim do apoio paternal.
IHU On-Line - Como o declínio da autoridade, seja ele paternal, político ou divino, se conecta com a irrupção da violência? O ódio é seu sustentáculo?
Jean-Pierre Lebrun - O declínio da autoridade traz consigo não se ter mais uma instância simbólica à qual dirigir seu ódio – aliás, irredutível – e, por conseguinte, de não ter mais um objetivo no qual o indivíduo encontre a necessidade de transformar seu ódio em outra coisa que não seja a destruição. Para dizê-lo de um modo rápido, isso lhe barra a via da sublimação. Quando, mais tarde, o indivíduo se encontrar face à irrupção de sua violência, ele não terá outra saída a não ser a de pô-la em ação.
IHU On-Line - Qual é o futuro de nossos ódios?
Jean-Pierre Lebrun - Esta é precisamente a questão: que futuro há para os ódios, se os mecanismos pelos quais nós os constrangemos a se transformarem em outra coisa que não seja a destruição, se encontram em dificuldade. A resposta é simples – ainda mais violência!
IHU On-Line - Por que o evitar o ódio se deu em nossos dias pela forclusão do encontro?
Jean-Pierre Lebrun - Para que haja encontro, se faz necessária a confrontação com a alteridade. Em francês, alteridade ressoa como “alterar”, o que quer dizer abismar. O encontro com a alteridade jamais deixa indene. Haverá vestígios do impacto, cicatrizes do choque. E, progressivamente, este encontro tornará menos violento um novo encontro: a alteridade terá sido tornada presente de tal maneira que o indivíduo não será mais abalado completamente pelo choque do desconhecido, do radicalmente outro. E, então, não deverá mais se deixar ir retrucando através do ódio, para lhe dar curso por sua violência, pois ele terá, pouco a pouco, tolerado que o outro o perturbe, o embarace. É o que podemos esperar de melhor.
IHU On-Line - Quais seriam as diferenças que apontaria entre o ódio e gozo do ódio?
Jean-Pierre Lebrun - O ódio é em si inerente à psique! Mas o gozo do ódio é da responsabilidade do indivíduo! Odiar é um fato, mas desfrutar seu ódio é, por exemplo, encontrar uma satisfação no fato de entretê-lo e sustentá-lo, o que não é a mesma coisa!
*Médico, psicanalista e psiquiatra, nasceu na Bélgica. Membro da Associação Freudiana da Bélgica e a Associação Lacaiana Internacional. Autor de Um mundo sem limites (RJ: Cia de Freud, 2004) Entrevista no site IHU/Unisinos, 22/06/2009
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