quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Sol do Saara pode garantir consumo europeu

 Energia:
Projeto prevê a construção de dezenas de usinas solares no deserto africano
para abastecer a Europa

 Patrick McGroarty, The Wall Street Journal, de Hamburgo

O físico alemão Gerhard Knies acha que encontrou a solução para a demanda de eletricidade da Europa no longo prazo - e ela está no Saara. Elegantemente simples na mente de Knies, a ideia parece quixotesca em todos os outros sentidos: construir dezenas de usinas solares no deserto norte-africano e instalar milhares de quilômetros de linhas de transmissão no fundo do Mar Mediterrâneo para transportar à Europa a eletricidade produzida. Ele diz que o plano pode suprir 15% da demanda elétrica do continente até 2050 a um custo estimado em € 400 bilhões (US$ 529 bilhões) - mais do que os PIBs da Argélia, Egito, Líbia, Marrocos e Tunísia combinados.
"Eu vejo uma solução, então o problema está resolvido", diz o cientista grisalho com uma sacudida dos ombros. "Claro que implementar isso é outra história."
O que diferencia a ideia de Knies de um mero delírio idealista é o apoio inicial de algumas das maiores empresas da Europa. Um ano atrás, a Muniche Re, a Siemens, o Deutsche Bank e nove outras empresas, principalmente alemãs, formaram um consórcio chamado Desertec Industrial Initiative para promover a iniciativa. Por enquanto, cada empresa vai contribuir com € 150 mil por ano para a Desertec, o suficiente para abrir um escritório e pagar um diretor-presidente para buscar outros sócios.
"Nos próximos dois anos vamos saber exatamente a regulamentação e o volume de investimentos que vamos precisar", diz o diretor-presidente da Siemens, Peter Löscher. Se a Desertec decolar mesmo, a Munich Re está disposta a investir até € 2 bilhões, diz Peter Hoppe, que dirige a divisão de pesquisa sobre risco da resseguradora.
Enquanto a Europa busca se libertar da dependência do gás natural russo e do petróleo do Golfo Pérsico, muitos questionam se o caminho mais apropriado para a segurança energética é investir centenas de bilhões de dólares em desertos no exterior.
Os mais céticos apontam para o mapa com os locais propostos para as usinas solares, que vai de Marrocos ao Egito e segue pelo Mediterrâneo até a Turquia. Além de ditaduras e zonas de guerras, a rota passa por regimes "nacionalistas com seus recursos", como a Líbia, o que pode diminuir o incentivo para investir, diz Samuel Ciszuk, um analista de energia no Oriente Médio e no Norte da África da IHS Global Insight em Londres.
Hermann Scheer, parlamentar alemão e presidente da Eurosolar, uma ONG que defende a energia renovável, tem uma série de motivos para duvidar da Desertec, a começar pela tecnologia: as usinas térmicas solares usam espelhos para concentrar a luz solar e criar vapor para alimentar turbinas geradoras de eletricidade. A maioria precisa de água para condensação e resfriamento - um recurso escasso no Saara.
Os defensores da Desertec dizem que as usinas podem ser construídas perto do oceano e ter equipamentos de dessalinização que forneceriam água doce, mas analistas dizem que essa solução pode ser difícil demais. "Nada disso está nos cálculos", diz Scheer.
Ao mesmo tempo, analistas dizem que em vez dessa visão grandiosa, a Desertec deveria ser substituída por projetos menores perto de cidades como Cairo, onde a demanda elétrica está explodindo. Algumas usinas solares ou eólicas na África poderiam ser conectadas bilateralmente à Europa.
A Desertec já está servindo de catalisadora nesse ponto. Em maio, a França - com medo de que as empresas alemãs viessem a dominar a iniciativa - anunciou seu próprio projeto, chamado Transgreen, para construir a rede de cabos de alta voltagem com corrente direta, que seriam necessários para transportar à Europa eletricidade gerada na África. Este mês, o diretor-presidente da Desertec, Paul van Son, um ex-executivo do setor elétrico da Holanda, diz que o Marrocos aceitou receber o projeto-piloto da Desertec, uma usina de 500 a 1.000 megawatts (MW) que combinaria fontes térmicas solares, fotovoltaicas e eólicas.
"A Desertec não é nenhuma piada", diz Van Son a participantes de uma conferência energética recente em Berlim. A iniciativa também atraiu a atenção da imprensa e dos políticos europeus, embora nenhum governo tenha indicado que pretenda se comprometer a financiar a iniciativa. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, foi um dos primeiros a promover a ideia; a chanceler alemã, Angela Merkel, também elogiou a iniciativa.
"Há muitas questões técnicas e políticas aqui", diz o ministro da Economia alemão, Rainer Brüderle, na conferência em Berlim. "Mas elas podem ser resolvidas com paciência e determinação."
A Alemanha está especialmente interessada em encontrar fontes mais sustentáveis de energia renovável porque está se preparando para fechar suas usinas nucleares. O governo Merkel quer estender o prazo final de fechamento dos reatores, que é atualmente 2021, até que possa realmente contar com fontes alternativas para substituí-los.
Mas o defensor mais enérgico e conhecido da Desertec continua sendo Knies, que criou o conceito 20 anos atrás após o acidente de Chernobyl e desde então o vem apresentando a políticos, líderes empresariais e outros possíveis interessados. O aposentado de 73 anos não tem nenhum cargo formal na iniciativa industrial, embora presida o conselho da Desertec Foundation, ONG ligada ao projeto. Apesar de sua promoção incansável da ideia, Knies diz que não está muito preocupado como, ou se, a iniciativa realmente vai decolar. Mais importante é que a ideia ajude governos a tomar passos maiores rumo à energia renovável, diz.
A Munich Re, maior resseguradora do mundo, enxergou no projeto a oportunidade para impedir as catástrofes naturais que podem ser causadas pelo efeito estufa. Outro apoiador da Desertec, a gigante de engenharia Siemens, é uma das maiores fabricantes de turbinas, cabos e componentes solares que seriam necessários para a Desertec. Entre os outros integrantes do consórcio estão E.On e a RWE, algumas das maiores elétricas da Europa.
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Fonte: Valor Econômico online, 11/08/2010

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