domingo, 12 de setembro de 2010

100 anos do dândi pop: Manuel Mujica Láinez


Manuel “Manucho” Mujica Láinez, o dândi pop que teria assoprado 100 velinhas neste fim de semana. Não o fez. Mas, em troca, nos deixou dezenas de livros nos quais podemos saborear sua prosa.
Se estivesse vivo, “Manucho”, como era chamado por seus amigos e fãs, teria completado neste sábado dia 11 de setembro 100 anos de vida.
Mas, esse centenário não foi possível, já que Manuel Mujica Láinez deixou de escrever – e simultaneamente também de viver – em 1984, no dia 21 de abril.
Nos quase 74 anos em que esteve vivo, Manucho desfrutou cada dia. Com calma ou intensamente. Mas os desfrutou. Seu joie de vivre fica claro em suas entrevistas, cartas aos amigos, conversas com seus conhecidos e nos livros que escreveu.
Mujica Láinez teve uma vida social intensa. Dândi, vestia-se com coletes chamativos, gostava de usar monóculo e bengalas ricamente ornamentadas. Mostrava um look frívolo, enquanto sua obra tinha grande profundidade.
Admirador de Proust, Mujica Láinez, tal como o autor de “Em busca do tempo perdido”, apreciava os detalhes. Simultaneamente, era capaz de descrever cenas monumentais, embora de forma sóbria. ‘Manucho’ preocupava-se pela beleza de cada frase que escrevia.
No entanto, apesar da significativa dedicação à pose, escreveu mais de 30 livros, além de centenas de ensaios sobre literatura e arte. Respaldou escritores e artistas dos pop anos 60, embora não fosse integrante dessa corrente.
Sua obra-prima foi “Bomarzo”, novela histórica que relata a história do nobre corcunda Pier Francesco Orsini.
“Bomarzo” é um de meus livros preferidos. Quando o li, a primeira vez, só havia lido um conto de Mujica Láinez (casualmente, um conto que transcorre no Rio de Janeiro sobre Carlota Joaquina e um fiel criado anão) e não sabia nada da trama do Duque de Bomarzo.


Mujica Láinez também é conhecido pelos contos de seu livro “Misteriosa Buenos Aires”, onde explora lendas da cidade ao longo dos séculos.
Em 1967 foi alvo da censura do ditador e general Juan Carlos Onganía, que proibiu a versão operística de seu livro “Bomarzo”.
A ópera, composta por um dos grandes compositores eruditos do século XX na Argentina, Alberto Ginastera, teve grande sucesso em Nova York.
Mas, foi considerada demasiado “erótica” pelo católico “La Morsa” (A Morsa), como era chamado o ditador.
Especialistas argumentam que, mais do que a ópera em sim, Onganía estava incomodado pela personalidade ambígua e bissexual de Mujica Láinez.

(Foto da Fundação Mujica Láinez, cuja sede está na província de Córdoba,
onde o autor passou seus últimos anos de vida)

Manuel Mujica Láinez manteve saborosas conversas com um de seus melhores amigos, Jorge Luis Borges.
Em uma delas, de 1980, gravada para ser emitida em um programa de rádio portenho (que nunca foi ao ar), Mujica Láinez perguntou a ‘Georgie’ (forma como Borges era chamado pelos amigos) se acreditava no Paraíso e no Inferno. Borges comentou que acreditava em ambos de forma “literária”. Borges explicou que entre as descrições do Paraíso e do Inferno feitas por Dante Alighieri e Milton, optava pelas do italiano. Motivo: “é mais preciso, concreto”.

Mujica Laínez respondeu: “Georgie, você sempre se definiu como ateu”.
Borges respondeu: “acho que sou agnóstico. Não tenho certeza. É tão esquisito este mundo, que tudo poderia ser possível nele, até mesmo a Santíssima Trindade….”.
Depois, brincaram sobre a fortíssima presença italiana na Argentina (51% dos argentinos possui um antepassado italiano, proporção única entre todos os países do continente americano), que influenciou a forma de falar, a culinária e até a política.

Mujica Láinez – Eu não tenho sangue italiano. E tampouco você, Georgie, nada de sangue italiano, não é?
Borges – Sim, às vezes sinto que sou um estrangeiro em Buenos Aires…

Em outra, publicada no jornal “La Nación” em 1977, Mujica Laínez e o amigo ironizavam sobre o começo da transformação do bairro de San Telmo em um bairro arrumado para ser “turístico” com a perda de sua espontaneidade

Borges - Acho que conserva-se algo da Buenos Aires de minha infância no bairro Sul. A Buenos Aires que eu alcancei era o que agora se chama bairro Sul; casas baixas, com águas furtadas, com pátios, poços d’água, o que agora corresponde a San Telmo.

Mujica Láinez - Meu querido, às vezes existem vantagens em não ver (em alusão à cegueira de Borges)...você está vendo o San Telmo que nós conhecemos. San Telmo agora é outro… que se disfarçou de San Telmo.

Conversas com ‘Manucho’ eram sempre saborosas, recheadas de ironias e sutilezas
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Reportagem  por Ariel Palacios
Fonte: Estadão online, 12/09/2010

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