Aplicação de enzimas na produção de tecidos
resulta em economia de água,
redução de CO2 na atmosfera,
aumento da produção,
qualidade superior do material e
redução de custos
Fotos: Arquivo Pessoal
O lado esquerdo mostra o tecido cheio de bolinhas.
O direito, um tecido macio, sem falhas,
devido ao uso de enzimas na produção
À esquerda, cor mais clara,
devido ao baixo rendimento do tingimento,
causado por presença de peróxido residual.
À direita, cor muito mais escura,
depois do uso de enzimas para a retirada do peróxido
À esquerda na foto, uma malha convencional.
No lado direito, a mesma malha com enzimas: i
mpermeabilidade e conforto
Os pontos brancos no lado esquerdo da foto
são provocados por fibras mortas e imaturas do algodao.
O lado direito foi submetido ao bioblasting,
que eliminou o problema
Belo Horizonte — O uso de enzimas nas mais diversas áreas tem se mostrado uma alternativa promissora de progresso científico, aliando desenvolvimento, tecnologia e ganhos ambientais. Produzidas por micro-organismos, elas são proteínas responsáveis por inúmeras transformações, atuando como catalisadoras de reações, a exemplo do que fazem para ajudar na digestão de alimentos no organismo humano. São usadas na produção de alimentos, na fermentação da cerveja, em detergentes em pó, na fabricação de papel e celulose, na produção de vinho e óleos vegetais e na área farmacêutica, entre tantas outras. As enzimas agora têm dado exemplo de seu alto potencial transformador na indústria têxtil. Os ganhos são inúmeros e vão desde a economia de água e energia até o menor tempo de processamento — representando para a empresa maior aproveitamento do equipamento em processos de alto enobrecimento de tecidos, a um custo final significativamente menor.
De acordo com o professor Jürgen Andreaus, do Departamento de Química da Universidade Regional de Blumenau (Furb), em Santa Catarina, o avanço científico está exatamente na interface entre a compreensão do funcionamento dos biocatalisadores das enzimas e do conhecimento profundo dos processos têxteis e do maquinário específico dessa indústria. “Além de substituírem produtos químicos em processos têxteis tradicionais, novos processos e produtos podem ser desenvolvidos e novas propriedades atribuídas às fibras têxteis com a ajuda das enzimas e da biotecnologia”, explica Andreaus, que é doutor em engenharia química e química do meio ambiente pela Technische Universität Graz, na Áustria.
O professor da Furb enfatiza que com o objetivo de, por exemplo, tornar os tecidos coloridos, não inflamáveis, agradáveis ao toque, repelentes a óleo e impermeáveis à água, a indústria usa diversos processos e uma gama de produtos químicos. Na maioria das vezes, em condições muito alcalinas ou ácidas, temperaturas elevadas e consumo de água e energia elevado. Jürgen Andreaus, no entanto, revela que o uso da biotecnologia e, em especial, de enzimas como catalisadores (aceleradores específicos de reação) biológicos em diversos processos têxteis, vem permitindo o desenvolvimento de processos ambientalmente mais corretos em condições amenas, como pH neutro, temperaturas mais baixas (em torno de 50ºC), menor consumo de água, de produtos químicos e de energia.
“É possível, nesse processo, determinar as reações que desejamos, sem, por exemplo, destruir determinadas fibras do tecido, o que poderia ocorrer com reagentes químicos normais. Para obter esses resultados tão específicos, é necessário identificar as enzimas adequadas e muitas vezes usar a microbiologia e a genética para produzir a quantidade necessária das proteínas”, diz.
Uso reduzido
O químico industrial, engenheiro mecânico e técnico têxtil com mais de 40 anos de experiência Pedro Carlos Gomes ressalta que a bioinovação com o uso de enzimas pode ter impacto positivo na percepção da marca das empresas têxteis, diferenciando em melhores aspecto, toque e qualidade o produto final. Gomes é responsável na América Latina pela área técnica de aplicações enzimáticas da maior fabricante mundial de enzimas industriais, a dinamarquesa Novozymes. “Muitas pessoas já têm consciência de sustentabilidade, embora as enzimas e os efeitos que elas proporcionam estejam distantes do consumidor, que não sabe do que se trata. Os grandes líderes industriais têxteis do Brasil têm adotado processos enzimáticos, mas ainda estão aquém do potencial de uso existente, principalmente em médias e pequenas fábricas. Os processos não são caros, não envolvem equipamentos especiais ou rígido controle, nem são difíceis de aplicar”, garante Gomes.
Entre as enzimas produzidas pela Novozymes, estão algumas que podem facilitar as transformações químicas da limpeza da fibra de algodão e a remoção de químicos indesejáveis. Pelas características, as que mais proporcionam sustentabilidade são as pectinases, as catalases e as celulases (veja quadro). Há um mês, a empresa participou da Feira Brasileira para a Indústria Têxtil (Febratex), em Blumenau (SC), considerado o segundo maior polo têxtil brasileiro, e apresentou um novo conceito voltado para sustentabilidade e respeito ao meio ambiente. “É um processo capaz de evitar a emissão de mil quilos de CO2 na atmosfera por tonelada de malha confeccionada, pois explora o uso de enzimas em todas as fases da produção. E as economias obtidas podem chegar a 630 bilhões de litros de água por ano (o equivalente ao uso de 8 milhões de pessoas na área urbana por ano) e 9 milhões de toneladas de CO2 por ano (representando 2 milhões de carros na rua)”, acrescenta o químico Pedro Gomes.
"Além de (as enzimas) substituírem produtos químicos
em processos têxteis tradicionais,
novos processos e produtos
podem ser desenvolvidos“
Jürgen Andreaus, professor da Universidade Regional de Blumenau
Aplicações
1952
Enzimas amilases (que decompõem amido em açúcar solúvel)
Passaram a ser usadas para remover a goma aplicada no urdume, fio do comprimento do tecido, que precisa ser engomado para resistir às forças de fricção e abrasão no tear.
A goma tem de ser eliminada depois para permitir a obtenção de um bom grau de branco e de tingimentos distribuidos homogeneamente no tecido.
No início, as enzimas amilases eram muito limitadas a algumas condições de aplicação, como pH e temperatura.
Atualmente, pode-se fazer desengomagem em qualquer equipamento, em qualquer pH e temperatura.
1987
Enzimas celulases (que atacam as fibrilas de celulose na superfície do tecido)
Usadas em lavanderias de jeans para obtenção de efeito desgastado e clarear a cor de peças jeans índigo (stone wash). Até esta época, todo o trabalho em lavanderia era feito usando pedras-pome, que, por abrasão, faziam o desgaste, mas danificavam equipamentos, poluíam as roupas — que ficavam com os bolsos cheios de areia —, tornavam os efluentes mais poluentes e a operação cara e demorada, com uso de água em larga escala. Havia nesta época uma enzima ácida (que trabalhava em pH de 4,5 a 5,5). Hoje, as enzimas celulases se dividem em ácidas e neutras e operam em larga faixa de pH e temperatura.
1993
Enzimas catalases (que transformam peróxido de hidrogênio em água e oxigênio)
O peróxido é usado na indústria têxtil para alvejar o algodão. Normalmente, o processo exige o uso em excesso de peróxido para um branco ‘muito branco’. No entanto, o resíduo de peróxido de hidrogênio contido no tecido ou na malha branqueada precisa ser removido para garantir um bom tingimento. Enzimas catalases fazem esse trabalho rapidamente, economizando água, vapor e energia elétrica, além de garantir boa qualidade na sua remoção.
2001
Peroxidases (para eliminar da fibra corantes reativos hidrolizados)
No processo de tingimento com corantes reativos sempre ocorre um grau de hidrolização do corante, ou seja, em vez de reagir com a fibra, ele reage com a água do banho e fica depositado sobre o tecido ou a malha. Como resultado negativo desse processo, as cores escuras apresentam forte deficiência de solidez à lavagem (quando se lava em casa e a água fica tingida da cor da roupa lavada, além de manchar peças de outra cor). Essas enzimas destroem este corante hidrolizado, garantindo melhor qualidade, economizando água e tempo no processo
2003
Enzimas pectinase (para eliminação de pectinas e ceras naturais do algodão)
Tecidos e malhas no seu estado cru não absorvem água. A fibra do algodão contém muitas impurezas, que precisam ser eliminadas para garantir bom grau de branco e de tingimento. Ceras e pectinas devem ser removidas para alcançar esse objetivo. Processos convencionais usam a soda cáustica e o peróxido de hidrogênio, produtos que geralmente atacam e destroem as impurezas, mas também a celulose do fio, diminuindo o peso e a resistência do artigo. Além disso, são altamente poluentes. As enzimas pectinases fazem a remoção de maneira menos agressiva.
2008
Bioblasting
“Bio” pelo uso de enzimas e “blasting” pela destruição de fibrilas expostas na superfície do tecido. Tecidos que não tenham sido tratados apresentam um defeito chamado “pilling”. Ao longo de poucas lavagens, já se percebe que a roupa vai ficando cada vez mais peluda e com aspecto ruim. O bioblasting oferece toque mais macio e mantém o aspecto de novo durante mais tempo. Esse processo envolve uso de enzimas de celulase e catalase em produtos distintos com propriedades especiais. A celulase, por exemplo, regula a quantidade de sal e poucas enzimas têm tal propriedade. A catalase remove o peróxido residual e a celulase elimina fibras que sobressaem da superfície do tecido.
* Fonte: consultoria técnica da Novozymes Latin América Ltda.
_____________________________
Reportagem: Lilian Monteiro Fonte: Correio Braziliense online, 15/09/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário