terça-feira, 7 de setembro de 2010

Como se pode crer em Deus se não se crê no outro?



Como é possível "pensar que se pode crer em um Deus que não se vê e
não crer nos outros que vemos e graças aos quais crescemos e
nos tornamos pessoas adultas?"

Essa é a questão sobre a qual o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi reflete neste artigo publicado na revista Jesus, nº 9, de setembro de 2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Segundo o apóstolo Paulo, "nem todos possuem a fé" (2Tess 3, 2), isto é, nem todos acolhem o dom da fé por parte de Deus, porque ela é "virtude teologal", como recitava o catecismo: pode-se, portanto, afirmar também que esse dom não é feito para todos. A fé, de fato, nasce da escuta (Rm 10,17) e, por isso, é preciso que a palavra de Deus chegue ao coração do homem e lhe dê a fé. Mas também é verdade que a fé – justamente porque é acolhida pelo homem, justamente porque é o homem quem crê – também é um ato humano, de liberdade, ao qual podemos ser educados: a fé, na verdade, como ato humaníssimo e vital, significa entrar em relação, iniciar uma relação viva com o outro, é dizer "Amém", aderir, confiar, crer.
A fé, o crer são uma necessidade humana: podemos dizer que não pode haver uma humanização autêntica sem a fé. Como seria possível viver sem confiar em alguém? Diferentemente de muitos animais, de fato, nós saímos incompletos do ventre da nossa mãe, e, para "vir ao mundo", para crescer como pessoas em relação com os outros, devemos pôr a confiança em alguém.
A criança, recém nascida da mãe, logo tem necessidade de sentir que pode pôr a confiança também no seu pai, nos genitores, naqueles que são as suas primeiras referências. É preciso que lhe seja dado o alimento, uma proteção do frio ou do calor, a palavra... e assim ele é educado a crer, porque, descobrindo a gratuidade e a coerência, sente que pode crescer e pode confiar, se dá conta de que existe um sentido. É crendo nos outros que, pouco a pouco, a criança crê também em si mesma: a confiabilidade é possível.
Mais tarde, descobrirá que é capaz de iniciar uma história de amor só se for capaz de crer no outro e de ser, por sua vez, confiável para o outro. Não é significativo que, tempos atrás, aqueles que iniciavam uma história de amor com responsabilidade e confiança se chamavam fidanzati [noivos] e, no momento das núpcias, trocavam-se a "fé"? Durante toda a nossa existência, devemos saber crer nos outros: também nas relações sociais e nas econômicas, devemos confiar, "dar crédito", como diz a linguagem comercial, isto é, crer em alguém.
Sim, há uma humanidade da fé à qual nós, cristãos, infelizmente, não estamos suficientemente atentos: corremos o risco de ser devorados pela ânsia ou pela paixão da fé em Deus e não compreendemos que, sem essa fé humana, não é possível que, em uma pessoa, se enxerte a fé em Deus, senão como declaração teísta, como afirmação de pertencimento cultural e identitário, certamente não como confissão cristã.
Mas justamente essa humanidade da fé nos leva a confessar hoje a crise da fé: crise do ato humano do crer que se tornou tão difícil, raro e, frequentemente, porém, contraditório. Somos poucos dispostos a pôr a confiança nos outros, somos incapazes de "acreditar junto com os outros" em um objetivo, em um projeto que sentimos que é bom. Constatamos isso a cada dia: por que se prefere a convivência ao casamento? Por que se tornou tão difícil uma história perseverante e fiel no amor? Por que a palavra dada no casamento ou na vida comunitária, nas relações amorosas é tão facilmente desmentida?
Será que hoje não conseguimos mais crer e, talvez, principalmente, crer no amor? Porém, o apóstolo João dá esta definição lapidar dos cristãos: "Nós somos aqueles que creem no amor" (1Jo 4, 16). Muitas vezes, ouço reclamações sobre a falta de fé em Deus, sobre a remoção que a nossa sociedade opera com relação a Deus, mas no coração sou tentado por uma reação de intolerância: como é possível se lamentar de que as pessoas não creem mais em Deus quando não creem mais no outro, em que está ao lado, na companhia dos homens e das mulheres? Como pensar que se pode crer em um Deus que não se vê e não crer nos outros que vemos e graças aos quais crescemos e nos tornamos pessoas adultas?
Lendo a Bíblia com sabedoria, captamos sobretudo uma longa educação para a fé, operada pelo próprio Deus, partindo de Abraão até Jesus Cristo. Não por acaso, o livro da Sabedoria nos fala de "Deus educador do homem", Deus que ensina os seres humanos. A Igreja italiana se comprometeu, nos próximos anos, a refletir sobre a educação para a fé: não nos esqueçamos que a busca e o empenho serão fecundos se nos dermos conta de que a fé também tem uma humanidade: isso significa não só crer em Deus, mas também crer no próximo, na Terra, no futuro.
Uma pergunta me parece surgir, então, dessas considerações: quem é crente? Quando alguém crê verdadeiramente? São verdadeiramente não crentes todos aqueles que se dizem ateus? E são verdadeiramente crentes todos aqueles que dizem crer em Deus ou se vangloriam orgulhosamente pelo seu próprio pertencimento cristão?
__________________
Fonte: IHU. 07/09/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário