DIANA CORSO*
Durante a adolescência, invejava os amigos que mantinham correspondência regular com alguma pessoa em outra parte do mundo, com a qual geralmente nunca se encontravam, e ainda em inglês ou francês, muito chique. Apesar do amigo por correspondência ser um hábito antigo, quando começou a grande onda da internet havia muita inquietude, por parte dos não usuários, relativa aos diálogos virtuais com objetivo de amor, amizade e divertimento. Nunca lhes partilhei a desconfiança. Vi minhas filhas constituírem boas amizades, algumas das quais nunca se tornaram presenciais, amigos e pacientes começaram histórias amorosas interessantes e outras nem tanto, houve gente que casou com um amor que iniciou por correspondência virtual. Acredito que um encontro real pode ser igualmente enganoso: duas pessoas podem ter compartilhado refeições, o leito e até os amigos e ainda assim desconhecer-se. Por um lado, do outro, conhecemos melhor as fantasias que temos a seu respeito, as mentiras que ele se conta e nos oferece, as versões editadas de sua história. Por outro, da nossa parte não somos mais sinceros que isso.
Vale a pena assistir ao filme Mary & Max, uma história feita com personagens de massinha, que já foi chamada de “filme de desanimação”. Na verdade, não é nada desanimadora, pelo contrário, pois se trata de uma bela amizade por correspondência que durou vinte anos, entre uma garota australiana solitária e um homem nova-iorquino, judeu, obeso e psiquicamente perturbado. Ela vivia com seus pais deprimidos e alcoólatras, era feia e maltratada na escola, ele, diagnosticado com Síndrome de Asperger, tinha terror do tumulto das pessoas e da grande metrópole. Ambos eram isolados e apoiavam um ao outro através das cartas que trocavam. Não há idealizações pueris nessa história: Mary tinha curiosidades sobre sexo e ninguém a quem perguntar, então colocava suas dúvidas nas cartas, o que produzia em Max crises de desconexão, uma das quais o levou a ser internado. Graças à gravidade do quadro dele, longas ausências marcavam essa correspondência, ao longo das quais ela se entristecia e sua vida involuía. Apesar dos contratempos, as cartas lhes faziam bem e tornaram-se essenciais um para o outro.
No fundo, estamos sempre dormindo com o desconhecido. Na amizade, pinçamos as melhores partes dos outros para nosso uso. Dos parentes, suportamos mais porque a vida nos obriga, mas reclamando. Vínculos são sempre virtuais, pois somos tecidos de fantasias, quer elas sejam vendidas ao outro por escrito ou de forma presencial.
________________________* Diana Lichtenstein Corso nasceu em Montevidéu, em 1960, e atualmente vive em Porto Alegre. É psicanalista, membro da APPOA (Associação Psicanalítica de Porto Alegre)Formada em psicologia pela UFRGS, trabalhou com crianças e no campo dos problemas de desenvolvimento infantil.Atualmente atende jovens e adultos em seu consultório particular. É autora de Fadas no Divã: psicanálise nas histórias infantis (Ed. Artmed) , em parceria com seu marido Mário Corso. É colunista do Segundo Caderno do jornal Zero Hora de Porto Alegre.
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Fonte: ZH online, 01/09/2010
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