terça-feira, 7 de setembro de 2010

EUA: superfalido, superfrugal, superpotência?

Thomas L. Friedman*


Nos últimos anos, eu frequentemente digo aos amigos europeus: então vocês não gostam de um mundo com poder americano demais? Nós veremos como vocês gostarão de um mundo com pouco poder americano –porque ele está chegando ao teatro geopolítico próximo de você. Sim, os Estados Unidos passaram de os vitoriosos supremos da Segunda Guerra Mundial, com armas e manteiga para todos, para uma das duas superpotências durante a guerra fria, para nação indispensável após vencer a guerra fria e para a “Superpotência Frugal” de hoje. Acostume-se a isso. Este é nosso novo apelido. Os pacifistas americanos não precisam mais se preocupar com as “guerras de opção”. Nós não faremos mais isso de novo. Nós não podemos bancar no momento nem mesmo uma invasão a Granada.
Desde o início da Grande Recessão de 2008, está claro que a natureza de ser um líder –político ou corporativo– mudou nos Estados Unidos. Durante grande parte da era pós-Segunda Guerra Mundial, ser um líder significava, em média, propiciar coisas para o povo. Agora, e pelo menos até a próxima década, ser um líder nos Estados Unidos significará, em média, tirar coisas do povo.
E simplesmente não há como os líderes americanos, à medida que tiverem que tirar mais coisas de seus próprios eleitores, não procurar poupar dinheiro na política externa e nas guerras no exterior. Política externa e de defesa é um indicador atrasado. Muitas outras coisas serão cortadas primeiro. Mas os cortes virão –e você já pode ouvir os alertas do secretário de Defesa, Robert Gates. E os Estados Unidos frugais certamente terão um efeito por todo o globo.
“The Frugal Superpower: America’s Global Leadership in a Cash-Strapped Era” (a superpotência frugal: a liderança global da América em uma era carente de dinheiro) é na verdade o título de um novo livro muito oportuno de meu tutor e amigo Michael Mandelbaum, o especialista em política externa da Universidade Johns Hopkins. “Em 2008”, nota Mandelbaum, “todas as formas de pensões e atendimento de saúde proporcionadas pelo governo (incluindo o Medicaid, o atendimento público de saúde para os pobres) representavam cerca de 4% do produto total americano”. No ritmo atual, e com a geração pós-Segunda Guerra Mundial em breve começando a fazer uso do Seguro Social e do Medicare (o atendimento público de saúde para idosos), até 2050 “elas representarão 18% plenos de tudo o que os Estados Unidos produzem”.
Isso –somado a todos os custos de nos resgatarmos desta recessão– “transformará fundamentalmente a vida pública dos Estados Unidos e, consequentemente, a política externa do país”.
Nas últimas sete décadas, tanto nas relações exteriores quanto na política doméstica, nossa palavra definidora foi “mais”, argumenta Mandelbaum. “O fato definidor das políticas externas na segunda década do século 21 e além será ‘menos’.”
Quando a única superpotência do mundo é sobrecarregada com tamanha dívida –consigo mesma e junto a outros países– todo mundo sentirá. Como? É difícil prever. Mas tudo o que sei é que a característica única e mais importante da política externa americana ao longo do último século foi o grau com que os diplomatas e as forças navais, aéreas e terrestres forneceram benefícios públicos globais –desde mares e comércio livres até contenção e contraterrorismo– que serviram muitos outros além de nós. O poder americano tem sido a força chave para manutenção da estabilidade global, fornecendo governança global nos últimos 70 anos. Esse papel não desaparecerá, mas certamente encolherá.
Grandes potências já encolheram no passado: o Reino Unido, por exemplo. Mas, como nota Mandelbaum, “quando o Reino Unido não podia mais fornecer governança global, os Estados Unidos ocuparam o seu lugar. Nenhum país está pronto no momento para substituir os Estados Unidos, de forma que o prejuízo para a paz e prosperidade internacionais tem o potencial de ser bem maior à medida que os Estados Unidos recuarem, do que quando isso ocorreu com o Reino Unido”.
Afinal, a Europa é rica, mas molengona. A China é rica nacionalmente, mas ainda pobre per capita e, portanto, ainda compelida a se concentrar internamente. A Rússia, embriagada de petróleo, pode causar problemas, mas não projetar poder.
“Portanto, o mundo será um lugar mais indisciplinado e perigoso”, prevê Mandelbaum.
Como atenuar esta tendência? Mandelbaum defende três coisas: primeiro, nós precisamos voltar a um caminho sustentável para o crescimento econômico e reindustrialização, seja por meio de quaisquer sacrifícios, trabalho árduo e consenso político necessários. Segundo, nós precisamos estabelecer prioridades. Nós desfrutamos de um século no qual poderíamos ter tido, em termos de política externa, tanto o que é vital quanto o que é desejável. Por exemplo, eu presumo que com dinheiro infinito e número de homens ilimitado, nós teríamos sucesso no Afeganistão. Mas é vital? Estou certo que é desejável, mas vital?
Finalmente, nós precisamos escorar nosso balancete e enfraquecer o de nossos inimigos, e a melhor forma de fazê-lo de uma só vez é com um imposto mais alto sobre a gasolina.
Os Estados Unidos estão prestes a aprender uma lição muito difícil: você pode tomar um empréstimo para a prosperidade a curto prazo, mas não para o poder geopolítico a longo prazo. Isso exige um motor de crescimento econômico real. E, para nós, o curto prazo acabou. Houve um tempo em que pensar seriamente a respeito da política externa americana não exigia pensar seriamente a respeito da política econômica. Esse tempo também acabou.
Uma América endividada não terá falcões –ou ao menos nenhum que alguém levará a sério.
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*Thomas FriedmanThomas L. Friedman (nascido em 20 de julho de 1953) é um jornalista norte-americano, atualmente editorialista do jornal The New York Times. Suas colunas, concentradas principalmente no tema relações internacionais, são publicadas nas quartas e sextas. Defende um compromisso de paz entre Israel e a Palestina, a modernização do mundo árabe, a globalização e a ecologia. Friedman já ganhou o prêmio Pulitzer em três ocasiões (1983, 1988 e 2002). (Wikipédia)
Tradução: George El Khouri Andolfato

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