quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O jornalismo e suas dimensões

 Mauro Santayana*

Hoje, o Jornal do Brasil inicia a ousada experiência de substituir a impressão sobre o papel pelo registro do texto e imagens no campo eletrônico. A empresa editora do Jornal do Brasil expôs as suas razões, que podem contrariar os nossos sentimentos, como jornalistas e leitores, mas são irretorquíveis, diante da realidade de um mundo limitado em seus recursos naturais, e da irresistível velocidade das inovações tecnológicas.

Faz parte da natureza humana, desde Hesíodo, lamentar que todo tempo passado foi melhor. Durante uma parte da vida, caminhamos atraídos pela esperança; depois nos amparamos nas alegrias e na vitória sobre as dificuldades. Quando faço um balanço do passado, sinto que a palavra impressa, nos livros e nos jornais, significou a metade, ou mais, de minha vida, desde o dia em que terminei, aos 12 anos, a leitura de uma tradução portuguesa de Dom Quixote. Não foram as leituras cristãs, nem marxistas, posteriores, que me fizeram a cabeça, mas, sim, os pobres, ridicularizados, desdenhados e imensos personagens de Cervantes, principalmente Sancho Pança, íntimo dos porcos e senhor de inquietante bom-senso.

Entrei para o jornal aos 19 anos, e tarde, para os costumes da época. Foi ali, e manuseando papéis virgens e impressos, ouvindo o barulho das máquinas de escrever, de composição e de impressão, que me formei. Ao cobrir os fatos trágicos do cotidiano, confirmei as minhas escolhas éticas, feitas em atribulada adolescência. Permitam-me, assim, lamentar o fim das redações e do convívio entre homens maduros e outros muito jovens – enriquecido, mais tarde, com a doce presença feminina – na corrida contra os prazos, em busca da confirmação dos fatos¸ e na catarse dos bares, depois do fechamento das edições.

O mundo sempre mudou, ao mudar o suporte da palavra escrita. O pergaminho permitiu a portabilidade dos textos, antes fixados nas pedras e nas pesadas peças de argila. O papiro barateou as edições, antes da chegada do papel, que reina há mais de mil anos na civilização ocidental, e, há mais de 500 anos, como o melhor suporte da arte tipográfica. Cada uma dessas revoluções correspondeu a um grande salto, como atestam os historiadores. É também nessa nova realidade que se torna inútil e vencida a presunção corporativista de limitar aos jornalistas profissionais o acesso aos meios de comunicação. Todos os que somos leitores, somos, hoje, comunicadores. Nessa incoercível liberdade residem a grandeza e as dificuldades do sistema democrático.

A internet, para o bem e para o mal, é muito mais do que a aldeia global de McLuhan, esse profeta meio esquecido. É a grande ágora, que tanto poderá ouvir e seguir os democratas, como foram Péricles ou Demóstenes, quanto tiranos, parelhos a Mussolini e a Hitler. Nessa nova realidade, nós, jornalistas, somos mais necessários do que nunca.

No exercício de nossa independência de pensar e de julgar, temos que arbitrar o tumultuado debate de ideias, que a liberdade de ocupar o espaço cibernético permite. Este é o nosso dever, para com os cidadãos, nossos leitores, e, para cumpri-lo, temos que recorrer, sempre mais, em todos os momentos, em cada frase redigida, aos princípios éticos que constituem os esteios do melhor de nossa experiência histórica. Eles continuarão sendo os da busca da verdade e da justiça, da igualdade, da solidariedade e da paz.
_________________________
*Jornalista
Fonte: JB online, 01/09/2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário