quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O processo da Independência

Mauro Santayana*


As nações podem ter forte identidade de origem ou construí-la no andamento da História, como ocorreu aos Estados Unidos e ao Brasil. O processo da independência é inseparável da afirmação da identidade – e, nos dois casos, o processo é recente, em termos históricos. Tivemos que iniciar – eles e nós – a construção nacional a partir de ruptura com uma pátria velha, que não nos servia, e aceitar outros genes para formar nossos povos.
Estamos, no fim da primeira década do milênio, no mundo inteiro, mas, particularmente no Brasil e nos Estados Unidos, vivendo etapa interessante de afirmação de identidade nacional. O presidente Obama retorna, de algum modo, ao keynesianismo de Roosevelt, com seu projeto de grandes obras de infraestrutura, a fim de criar empregos. Keynes é um dos insistentes profetas de nosso tempo: escorraçado, como Marx, continua vagando no campo das ideias. A História sempre recorre a si mesma, quando o presente cambaleia.
Desde a fundação, a República norte-americana oscila entre os dois projetos de impor sua identidade (ou seu poder) ao mundo: o do exemplo democrático e o da força bélica. O Brasil nunca teve a veleidade de impor-se ao mundo. Limitou-se a exercer o poder militar nas cercanias, a fim de proteger as fronteiras, adquiridas com a habilidade diplomática mais do que com a força.
Isso ocorreu com nossas intervenções, nem sempre exitosas, na Bacia do Prata, no caso da Província Cisplatina, na aliança com Urquiza contra Rosas e, depois, aliados a Mitre contra o Paraguai. Em todos esses episódios era difícil negar aos brasileiros o direito da intervenção militar.
O programa de Obama tem alguma coisa semelhante ao de Lula. Quando a liberdade do capitalismo o perverte, e a desigualdade se torna insuportável, é preciso que a autoridade do Estado se exerça, para salvar a economia. Foi o que ocorreu com o new deal, e está ocorrendo nos atos de Obama, mediante a intervenção regulatória no sistema financeiro e a reforma do sistema de saúde, já aprovadas pelo Congresso, e o recente plano de recuperação do sistema viário norte-americano que, em algumas regiões, parece mais precário do que o nosso.
Essas semelhanças políticas – que incluem a origem dos dois chefes de Estado – não podem, no entanto, permitir que baixemos a guarda. Ainda agora, sem que as autoridades brasileiras fossem informadas, quatro pesquisadoras norte-americanas, acompanhadas de quase 20 estudantes da mesma nacionalidade, estavam colhendo amostras da diversificada e rica água do Pantanal. Em junho do ano passado, outros pesquisadores ianques também foram presos – acompanhados de brasileiros – quando colhiam sedimentos minerais e orgânicos do leito da Baía Vermelha, na mesma região.
O nacionalismo expansionista é criminoso, mas a defesa das fronteiras nacionais é imperativa, inseparável da identidade moral de nosso povo. Infelizmente, o país está aberto a esses violadores de seus segredos naturais. Temos sido roubados de nossos recursos com o saque do pau-brasil, das sementes das seringueiras, do ouro, do ferro, do manganês e de minerais raros e da nossa fantástica biodiversidade.
Dentro dessas perspectivas, às quais se acrescentam as da ampliação do mar territorial brasileiro, já reivindicada junto à ONU, e a exploração de seus recursos, a necessidade impõe mobilizar toda a sociedade e suas Forças Armadas, a fim de preservar a identidade nacional e, com ela, nosso patrimônio físico e moral. A independência é processo permanente de resistência.
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*Jornalista
Fonte: Jornal do Brasil online, 08/09/2010

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