segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Olhar do outro VII

EMMANUEL TUGNY*

O presente editorial marca o fim do meu exercício diplomático em Porto Alegre. Eu vos escreverei, doravante, de outro lugar... perder-se em reflexões retrospectivas não pode ser o ato do filósofo, do escritor, assim como os concebo. O filósofo e o escritor têm, segundo minha visão, como ofício, a criação de um fluxo paralelo ao da vida, que o ilumina, como um eco mostra o impacto sonoro e suas ondulações.
Nem o filósofo nem o escritor imobilizam para ver. Eles "veem" um movimento que, tão logo o veem, já os observa de longe com alguma ironia. Pretender imobilizar para ver não é uma pretensão filosófica, não é uma pretensão literária. Trata-se, portanto, aqui, para mim, de dizer meu Brasil, minha Porto Alegre, sabendo que o fluxo do Rio Brasil, do Rio Porto Alegre, leva-me como a rir, no momento em que escrevo, a mais radical e mais salutar das contradições.
O que foi o Brasil, o que foi Porto Alegre, para mim? Talvez, essencialmente, a particularidade magnífica em que consiste, desde o regulamento de um caos, a colocação em desordem da regra, esta capacidade de redenção aristocrática, magnífica, orgulhosa, da melancolia e de sua inclinação no fundo, vulgar.

"...eu retive do Brasil uma maneira de estética,
de ética da esperança,
retive do Brasil um método,
um trabalho da esperança,
a superação dialética da distância entre a alegria do louco
e a gravidade do sábio".



Deixando o Brasil por algum tempo, retenho que aprendi aqui que o desespero é uma indignidade, que a esperança é uma disciplina possivelmente coletiva, suscetível de fundar uma civis, uma polis, uma civilização, uma urbanidade, uma política.
Eu não retive do Brasil nem a alegria nem a tristeza, nem a cordialidade nem a desconfiança; eu retive do Brasil uma maneira de estética, de ética da esperança, retive do Brasil um método, um trabalho da esperança, a superação dialética da distância entre a alegria do louco e a gravidade do sábio.
O Carnaval, sim, sem dúvida, mas não o dos corpos, o das almas, não o dos passos, não o dos nervos: aquele dos ritmos estranhos do ser.
"Se ele é um homem", sua sombra passa, canta e dança no Brasil e esta sombra é luz no mundo.
Era uma sombra, ela já se foi além: ela me observa sorrindo, assobiando.
("Apesar de você?")?
(Bar Zelig, Cidade Baixa, em companhia de Moacyr "O Chapeleiro" e minha Bilù, 25 de agosto de 2010, 23h40min).
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Tradução de Tânia do Valle Tschied
*diplomata, escritor e músico
Fonte: Correio do Povo online, 05/09/2010

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