sábado, 4 de setembro de 2010

Premiando o erro.

Paulo Ghiraldelli Jr*


Chegou a hora de dizer a verdade sobre a melhor educação. A boa educação é a aquela que dá nota alta para o aluno que erra. Exceto isso, só resta blá-blá-blá de pedagogia que, não raro, redunda em lugares comuns.

Parece fácil? Não é não! O mais difícil para o professor é ele permitir o erro ao aluno. Ele quer que o aluno acerte. Ele quer ensinar. Ele quer colocar o aluno no caminho do que é certo. Essa ânsia é a destruição da escola, da educação e tudo o mais que se possa fazer com o estudante. Por isso, talvez seja melhor tirar o estudante das mãos de professores e pedagogos e colocá-lo frente a frente com um tipo de educador diferente, o filósofo. Pois a filosofia é o espaço do erro. Uma educação sob a orientação da filosofia seria uma educação para o erro.

Os professores querem que o aluno responda o que eles solicitam. Querem o acerto. A filosofia, diferentemente, não está comprometida com nada de imediato. Não precisa, portanto, querer o acerto rápido e a qualquer preço. Ela é um convite às experiências com o pensamento. Ora, se assim é, a filosofia é a abertura para as possibilidades mais estranhas possíveis e, então, para o erro. A filosofia cultiva o direito de errar. Ela é a única pedagogia que não só permite o erro, mas clama tanto pela imaginação que não há como não trazer à baila, para cumprir o seu itinerário, o erro.

Mas, sabemos bem, os alunos não conseguem errar. Eles são treinados para não poder errar. Então, não podendo errar não podem fazer experiências com o pensamento e, assim, não terão como ampliar seus horizontes, coisa que só ocorre se for possível ser imaginativo. Quem erra é quem imagina. Quem não imagina, segue os passos predeterminados do professor e, então, acerta. Mesmo quando pensa que erra, ainda assim, acerta. Ninguém erra em educação, isto é, seguindo uma pedagogia. Mas, se a educação está sob a orientação da filosofia, eis aí que a única coisa que vale é colocar a imaginação para funcionar e, então, aí sim, o erro ocorrerá.

Os que não erram não são apenas os que andam certo, são os que andam certinho. Mas a filosofia é coisa de quem anda pela subversão, portanto, não é coisa de quem anda certinho. A filosofia é o espaço do erro. Quem experimenta e imagina ou quem imagina e experimenta, erra. A filosofia permite o erro e, por isso mesmo, ela faz melhor que a melhor das pedagogias.

Quem tira nota alta porque acertou nada fez senão seguir regras. Não é propriamente um estudante, é apenas um soldado. Quem erra pode realmente ter experimentado o sabor da elaboração da idéia. A filosofia, ampliando o espaço de premiação ao erro, pode trazer à tona todos aqueles que se dedicam a fazer o que não foi solicitado, a errar de toda maneira e, por isso, adquirir a vivência livre, não a estrada da marcha.

Todos os bons filósofos erram. Quando acertam, dedicam-se ao ensino. Mas, para filosofar, erram. Os filósofos só filosofam quando erram. É lendo Descartes errado que Espinosa fez filosofia. Descartes fala realmente em três substâncias, mas ensiná-lo certo é falar em duas substâncias. Espinosa, para comentar Descartes, se prende a três substâncias e, portanto, erra. Ao errar, começa sua filosofia.

A educação boa é exatamente esta que imita os filósofos. Caso se possa errar, há chances de boa educação. Agora, se além de permitir o erro, a pedagogia utilizada ainda o incentiva com boas notas pelo seu erro, eis que poderá conseguir do aluno o capricho no erro, o desejo de errar de uma maneira cada vez mais interessante e, portanto, aparecerá aí, naturalmente, a crítica, o pensamento reflexivo e a potencialidade da invenção. Viagra, o remédio mais vendido de hoje em dia, nada é senão um erro – um erro crasso. Erros não são bem vindos na ciência. Ela cobra acertos. Mas até nela, o que realmente vale são os erros. Na filosofia, mais ainda.

Quando montamos uma utopia, erramos. Pois utopias filosóficas só servem para fazer os homens se colocarem no caminho de quererem construí-las e, como sabemos, toda vez que isso é feito, nos damos mal, erramos feio. Aliás, quanto a isso, sabemos mesmo que erramos feio em todos os sentidos. Mas, sem esse erro, o que seria de nós? A filosofia é o espaço do erro. Pode propor utopias. Pode construir monstros, fazer erros para valer. Ah, mas que mundo chato e pouco inteligente sem esses erros, não?

Educar é abrir planícies para o erro.
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*2010 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br 03/09/2010

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