segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quando a frustração explode

A chamada Síndrome da Ampulheta
faz com que as pessoas reajam cada vez com mais agressividade
ao mau desempenho dos aparelhos eletrônicos.
A experiência de ver um computador travar e
provocar a perda de um longo trabalho, por exemplo,
pode elevar o estresse a níveis alarmantes


CAROLINA VICENTIN
Carlos Moura/CB/D.A Press
De arrancar os cabelos:
 Ana Beatriz conta já ter “quase enfiado uma marreta” no computador,
ao vê-lo travar no fim de uma tarefa extensa e maçante

Sina:
Rafael não aguenta mais problemas com máquinas e celulares
Intel/Divulgação
O ritmo da vida urbana hoje é muito acelerado.
 Com isso, a expectativa das pessoas em relação
ao funcionamento dos computadores cresce bastante´´
Cássio Tietê, gerente de marketing da Intel no Brasil

Em um tempo em que as pessoas passam a maior parte do dia em frente a um computador, nada mais normal do que a máquina participar das experiências humanas. Essa convivência, porém, está longe de ser pacífica, mesmo entre os viciados em computadores. Um estudo da Intel, em parceria com o instituto de pesquisa Harris Interactive, mostrou que oito em cada 10 adultos norte-americanos já ficaram frustrados com o desempenho de aparatos eletrônicos. O fenômeno, batizado de Síndrome da Ampulheta, provoca reações fora do normal em metade das pessoas que usam computadores, celulares, laptops e smartphones.
São aqueles que, volta e meia, cansam de esperar pelo retorno da máquina e bufam, soltam um palavrão, arremessam o mouse para longe ou mesmo golpeiam o teclado e o monitor. “O ritmo da vida urbana hoje é muito acelerado. Com isso, a expectativa das pessoas em relação ao funcionamento dos computadores cresce bastante”, afirma Cássio Tietê, gerente da marketing da Intel no Brasil. A pesquisa foi realizada pela internet com 2.163 usuários dos Estados Unidos. Cássio, contudo, acredita que o resultado seria o mesmo entre os brasileiros. “Alguns comportamentos são universais, principalmente os que refletem a urbanização, a sociedade interativa”, diz o especialista da Intel.
A empresa chegou a fabricar um novo modelo de processador com base no resultado do estudo. A ideia é impedir que o usuário experimente qualquer sensação de frustração em frente à máquina. “O computador funciona como uma extensão dos nossos sentidos. Se você está navegando em uma rede social, assistindo a um vídeo e ele trava, é quase como se alguém bloqueasse a sua visão quando você está no cinema”, compara Cássio.
A angústia com a tecnologia é frequente na vida da engenheira ambiental Ana Beatriz Cobalchini, 25 anos. Todos os meses, ela passa por momentos de tensão na hora de elaborar relatórios. O computador de Ana tem pouca memória e precisa rodar programas pesados, como o CAD e o Corel Draw. Além da demora, muitas vezes o PC trava. “Certa vez, depois de um trabalho imenso para colar 60 imagens em um documento, o computador simplesmente apagou”, conta Ana. “Fiquei muito estressada, quase enfiei uma marreta no monitor”, lembra.
Há aqueles que não ficam no quase. O técnico em informática Eduardo Bacelar, 36 anos, chutou o gabinete de uma máquina depois de uma queda de energia. “Estava trabalhando havia oito horas quando faltou luz. A eletricidade voltou e descobri que o HD tinha queimado”, relata. O descontrole também já fez Eduardo apontar uma arma para o computador. “Eu estava no começo da carreira, montando uma máquina em casa e ela não respondia de jeito nenhum. Testava os componentes separadamente e eles ligavam, mas, quando os colocava juntos, nada”, relata.
O pai de Eduardo entrou no quarto e o encontrou com um revólver apontado para o equipamento. “Decidi sair de casa, voltei depois de umas duas horas e percebi que o problema era o gabinete, que estava empenado”, relembra. Hoje, o técnico em informática está mais calmo — e bastante habituado a lidar com a falta de paciência de seus clientes. A maioria dos surtos de estresse, diz Eduardo, são provocados pela presença de vírus nos computadores. “Há, ainda, 25% dos usuários que não salvam o documento e outros 25% que não sabem dar os comandos para a máquina”, afirma.

Ansiedade

A psicóloga Dora Sampaio Góes, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), explica que os estressados com a tecnologia têm uma tolerância menor à frustração. “Parece que o mundo está mais lento e o ser humano, cada vez mais rápido”, observa. Dora, que atua no grupo de dependência de internet da USP, destaca que a pesquisa da Intel colheu impressões de usuários que usavam as máquinas não só para trabalhar, mas também para atividades de lazer, como baixar músicas ou conversar com amigos.
Apesar da aparente gravidade, o fenômeno revelado pelo levantamento não é uma doença. “A Síndrome da Ampulheta é provocada pelo impulso. É a mesma reação que leva o motorista lá de trás a buzinar para os da frente assim que abre o sinal de trânsito”, exemplifica Dora. “Mas esse número (80% dos adultos) é muito alarmante. Precisamos fazer mais estudos sobre esse tipo de comportamento.” Dora ressalta que a Síndrome da Ampulheta é diferente da chamada Síndrome do Estresse Computacional, essa sim classificada como uma patologia, que atinge os viciados em computadores e pode provocar estresse agudo e depressão.
Para o ex-estressado Eduardo Bacelar, o problema é que as pessoas têm cada vez menos válvulas de escape. “Antigamente, todo mundo tinha uma bandinha de rock, uma atividade extra. Na verdade, quando a pessoa dá um soco no computador, ela está liberando a raiva que tem do chefe, da amiga que fez fofoca. E faz isso contra a máquina porque ela nunca vai reagir”, diz Eduardo, que garante não ter tido mais nenhum acesso de raiva. “Eu até me estresso, mas descontar no computador só vai me fazer perder dinheiro”, reconhece.
Seria algo físico?
Outra “vítima” da tecnologia, o bancário Rafael Tomazi, 27 anos, conta que seu problema com os eletrônicos é ainda mais impressionante. “Não sei se é a minha altura, o meu cabelo comprido e fino, mas toda vez que eu encosto em algum dispositivo, ele trava. Acho que é a eletricidade estática”, arrisca Rafael, que nunca checou a possibilidade com qualquer pessoa eventualmente capaz de conferir alguma credibilidade à tese. Verdade ou não, o bancário lembra que até os caixas eletrônicos dão problema quando ele está por perto. “Uma vez, minha namorada estava sacando dinheiro e eu estava encostado na máquina. O equipamento errou a contagem de cédulas e cancelou a operação. Em outro episódio, comecei a teclar e, na tela do caixa, apareceu a inicialização do Windows”, enumera.
Tanta má sorte com os eletrônicos já fez com que o rapaz perdesse as estribeiras. Quando estava na faculdade, o computador de Rafael engoliu um trabalho sem mais nem menos. O bancário ficou tão nervoso que, com um golpe, derrubou a máquina da escrivaninha. A “eletrostática” de Rafael afeta também os celulares. O rapaz perdeu a conta de quantos aparelhos comprou nos últimos anos, sempre levando-os ao conserto a cada dois meses. Hoje, com um iPhone e a promessa de funcionamento perfeito, o bancário ainda enfrenta panes diárias no aparelho. “Preciso esperar 20 minutos para que o iPhone fique normal outra vez. Não tem jeito: demorei muito para pagar por ele, não dá para jogar no chão e quebrar”, diz.

Mais tecnologia

A constatação da Síndrome da Ampulheta levou a Intel a lançar uma nova linha de processadores inteligentes, que melhoram o desempenho da máquina quando ela está sendo mais demandada. O Intel Turbo Boost é ativado se o usuário estiver assistindo a um vídeo 3D, por exemplo, ou jogando games pesados.

Perigos

O corpo em situação de estresse libera os hormônios cortisol e adrenalina. Se a carga dessas substâncias for maior do que a normal, a pessoa pode sofrer com insônia, taquicardia, irritabilidade e depressão. O estresse agudo pode levar, ainda, a quadros de hipertensão e a problemas gastrointestinais.
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Fonte: Correio Braziliense online, 13/09/2010

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