quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uma lagarta que manipula o envelhecimento das folhas

 Fernando Reinach*

 Quando as folhas assumem tons de amarelo e laranja, os habitantes das florestas de clima temperado sabem que a estação da fome, também chamada de inverno, vai começar. Serão meses com árvores sem folhas, o solo coberto pela neve. É um momento crítico para os animais. Ou eles se empanturraram durante o verão ou não sobreviverão ao inverno. Mamíferos e larvas de insetos devoram as últimas folhas verdes, pois sabem que, assim que elas secarem, acaba o alimento.

Essa regra não se aplica a um único inseto. Nas folhas devoradas pelas larvas da mariposa Phyllonorycter blancardella é possível observar um fenômeno estranho. Apesar de a folha estar totalmente amarela, a área em volta das famintas larvas permanece verde e exuberante, como se a planta houvesse decidido ser piedosa, permitindo que a larva se alimente por mais alguns dias. Ao permitir que as larvas continuem a se alimentar, a árvore alonga o verão para elas, aumentando suas chances de sobreviver. Agora os cientistas descobriram como a mariposa "convence" a árvore a retardar a morte das folhas.

Muitos imaginam que é o frio que mata as folhas no outono. Não é verdade. O processo de amarelecimento e queda das folhas é sofisticado e bem conhecido. As árvores percebem que o outono está chegando porque os dias vão ficando mais curtos. Esse sinal dispara o processo de interrupção da fotossíntese e é iniciado o transporte dos nutrientes presentes nas folhas para o caule.

Seria um desperdício derrubar folhas repletas de nutrientes. Quando a folha está vazia e somente seu esqueleto continua pendurado na árvore, outro mecanismo provoca o aparecimento de uma zona mais fraca na haste da folha que termina por se romper, permitindo que as folhas se soltem. Esses processos são controlados por hormônios produzidos pela planta.

Os cientistas suspeitavam que as larvas dessa mariposa interferiam nesse processo. Mas seriam elas ou as bactérias que residem no intestino das mariposas as responsáveis pelo halo verde?

Para testar essa hipótese, os cientistas coletaram um grande número de larvas, divididas em dois grupos. O primeiro grupo foi tratado com antibióticos capazes de matar as bactérias presentes no intestino das larvas. Essas larvas formaram casulos que deram origem a mariposas que também foram tratadas e, por fim, botaram ovos. Ao eclodirem, esses ovos deram origem a larvas que não continham bactérias no seu intestino.

O segundo grupo de larvas não foi tratado com antibióticos, o que resultou em larvas semelhantes às encontradas na floresta. No ano seguinte, esses dois grupos foram colocados na superfície das folhas, para que se alimentassem até o final do outono.

Mistério resolvido. O resultado é simples. As larvas tratadas com antibióticos eram incapazes de induzir o halo verde em sua volta e tinham de terminar seu ciclo alimentar assim que a folha caducava. As larvas contendo as bactéria eram capazes de retardar a morte das folhas. A conclusão é de que as bactérias presentes no intestino das larvas controlam o metabolismo das folhas.

Essa descoberta demonstra que as larvas "lucram" com a presença das bactérias em seus intestinos. Com as bactérias, elas podem se alimentar por mais tempo. Larvas capazes de "cultivar" seu relacionamento com as bactérias têm mais chances de sobreviver e portanto foram selecionadas ao longo dos anos.

As bactérias capazes de controlar o envelhecimento das folhas também lucram com esse casamento, pois, ao se tornarem importantes para a sobrevivência das larvas, garantem que serão sempre bem recebidas no intestino de seu hospedeiro. Mas será que as plantas são somente vítimas dessas bactérias capazes de "hackear" seu sistema hormonal ou também se beneficiam desse relacionamento?

Exemplos como esse demonstram quão rica e complexa é a teia de interações nos ecossistemas. É pena que muitas dessas espécies serão exterminadas por nós antes de revelarem seus segredos mais íntimos.
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* BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES: PLANT GREEN-ISLAND PHENOTYPE INDUCED BY LEAF-MINERS IS MEDIATED BY BACTERIAL SYMBIONTS. PROC. R. SOC. B. VOL. 277Q
Fonte: Estadão online, 02/09/2010

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