terça-feira, 7 de setembro de 2010

Uniforme voluntário

ANNA VERONICA MAUTNER*
amautner@uol.com.br
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Há jeans caros e baratos, inteiros e rasgados, de cor única e manchados.
Mas tudo é jeans

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QUANDO VEJO o mundo todo vestindo voluntariamente jeans, independentemente de idade, sexo, profissão e lugar, lembro-me de todos nós, há alguns muitos anos atrás, olhando com espanto fotos da população chinesa que se vestia toda igual, com o clássico casaquinho unissex.
Se isso nos parecia uma brutalidade, pois era perder o direito de escolher e de cada um aparentar ser o que bem entender, por outro lado era um jeito de produzir roupas a preço baixo. Enquanto se barateou a fabricação, centenas de milhões perderam a liberdade de se enfeitar. Contudo, é bom lembrar que uniformizar roupas não elimina diferenças.
Pensava-se que só com mão muito forte e força política inconteste era possível uniformizar todo mundo do jeito que Mao Tse Tung, Chu En-Lai e outros conseguiram.
Já faz muito tempo que a antiga roupa do operário americano veste hoje o mundo inteiro na hora do lazer, sem distinção. O blue jeans pode ser de muitas marcas e cores, sempre com a costura dupla, os bolsos e os tecidos quase iguais.
Da cintura para baixo, vivemos numa paródia chinesa. Há jeans caros e baratos, inteiros e rasgados, de cor única ou manchados, mas é tudo jeans. Seja num shopping ou numa rua de comércio chique, vejo passar de crianças a velhos, de gordos a magros, de pobres a endinheirados.
Salta aos olhos a unanimidade da moda. Apliquei-me em uma pesquisa, num sábado de manhã. Em uma mesinha de rua, contei 15 jeans para um outro tipo de calça.
Não tem valor estatístico, só contei por trinta minutos.
Percebi também que funcionários "de carteira assinada" (garçons, porteiros, caixas de estacionamentos) usam uniforme, não jeans.
Não quer dizer que essas pessoas não tenham jeans.
Com certeza têm mais de um.
Mas, nos postos de trabalho, os uniformes são outros.
O jeans tem uma inserção social curiosa. Não são usados em situações formais: noivos não casam de jeans, padrinhos não usam nem sacerdotes, quando celebram.
Os garçons vestem hoje as roupas dos aristocratas de antigamente, arremedo de smoking; já os que pagam a conta vestem jeans.
Se o uso do jeans fosse obrigatório, por razões práticas e econômicas, como se sentiriam aqueles que engrossam o número de usuários? Iríamos à Praça Vermelha derrubar o governo que nos impõe o uniforme?
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*ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
Fonte: Folha online, 07/09/2010

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