''A tradição é estar onde as coisas acontecem''
Fabio Motta/AEMultimídia
Dezesseis anos depois de ter trocado a redação pela política,
Gabeira volta à ativa como colaborador do 'Estado'
Aos 70 anos e sem exercer o jornalismo há 16, desde que se elegeu pela primeira vez deputado federal, Fernando Gabeira planeja reinventar a vida e avançar como jornalista. Em seus planos está a colaboração para o Estado, onde estreia em janeiro como articulista da página 2, blogueiro do estadão.com.br e repórter especial multimídia do jornal. Nas reportagens especiais, fará texto e contribuições em áudio para a Rádio Eldorado e para a TV Estadão.
Na última vez em que fez uma cobertura internacional, a guerra da Iugoslávia, Gabeira utilizou o telex para enviar suas matérias. Hoje, acredita que a evolução tecnológica é importantíssima. Não só por permitir a utilização de diversas mídias em uma mesma reportagem, mas pela possibilidade de "sobrevivência sem papel e tinta", com o advento do iPad.
Gabeira se propõe a fazer uma "quarentena" de temas mais próximos ao que abordou em recentes campanhas políticas. O objetivo é dissociar a imagem de político do jornalista. Pretende abordar principalmente assuntos como meio ambiente - em especial as enchentes -, Olimpíada, América Latina e questão nacional, "que, por enquanto, fica entre parênteses".
Sua volta à redação traz com ele o espírito de repórter de prontidão. "Eu não sou jornalista de sentar e fazer só comentários. Minha tradição é de ir onde as coisas acontecem. Esse jornalismo que gosto de fazer se rege pelas mesmas leis que Gentil Cardoso determinou para o futebol: "Quem se desloca, recebe". Você tem de estar lá."
O que o sr. espera encontrar de diferente? As novas mídias são um desafio?
Os instrumentos à disposição hoje são muito maiores e mais perfeitos do que no passado. Significa que você tem mais tempo para fazer o trabalho e aperfeiçoá-lo. Agora descobriram uma nova bactéria que pode sobreviver sem o fósforo. Pode ser que o iPad seja uma nova vida para nós e possamos sobreviver sem o papel e a tinta. O processo de evolução está em curso. Isso é o mais importante que existe. Você tem também uma mudança no leitor, que passou a ser um usuário e um produtor, interagindo com o material. Mas, na verdade, são os jornais que gastam quase 30% de seu orçamento checando as notícias.
Qual seria o espectro da cobertura do Rio?
Existe uma curiosidade muito grande sobre o Rio no cenário internacional, o que já existia, mas foi estimulado pela Olimpíada e pela Copa do Mundo. Existe uma interrogação. O Rio tem condições de realizar bem uma Olimpíada? E, é claro, dentro dessa grande pergunta, a questão da segurança está envolvida. As UPPs foram construídas inicialmente como uma tentativa de criar um cinturão de paz em torno das áreas mais usadas pela Olimpíada.
"Eu gostaria de fazer uma passagem
pelos países que estão experimentando
esse novo tipo de política,
como a Bolívia, o Equador, a Venezuela e,
parcialmente, a Argentina,
para ver o que
está se passando,
qual o mecanismo dessa
democracia plebiscitária."
O debate é se a segurança é para a Olimpíada ou para o Estado no conjunto. O cobertor não vai ficar curto?
No Alemão (conjunto de favelas na zona norte do Rio), o governo foi impelido a mudar de estratégia e antecipar a invasão. A presença do Exército, como Força de Paz, não há dúvida que estendeu o cobertor um pouco. Por que fugiram os traficantes do Alemão? Por que fizeram um cerco à Vila Cruzeiro e eles fugiram para o Alemão. E não havia cerco no Alemão. Ali era preciso no mínimo uns 2,5 mil homens para fazer frente aos 600 homens armados no Alemão. O cálculo é sempre de quatro para um. É uma tarefa para o Exército chinês. Precisamos contratar 7 mil policiais por ano para atender a essa demanda, sem contar os que são expulsos por mau comportamento. Nós estamos em duas comunidades no Haiti e isso já nos custa quase cinco vezes o gasto de segurança do Rio. Além disso, aqui no Rio foi um caminho invertido. Você fez obras infraestruturais e sociais onde o tráfico dominava, como Manguinhos, Alemão e Rocinha. O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) começou de uma forma estranha. Ninguém escreveu ainda a história de como foi possível o PAC no Alemão. Embora eu tenha absoluta certeza de que a polícia tem gravações telefônicas e depoimentos que possam reconstituir essa história. Evidentemente que isso não vai aparecer, até porque o WikiLeaks não está interessado.
O sr. se preocupa com o problema das enchentes. O que mudou desde o ano passado?
Não mudou nem a organização da Defesa Civil. Nós temos uma série de dificuldades. A Defesa Civil não está estruturada como deveria, os bairros não estão se organizando para essa contingência. É preciso saber onde estão os barcos, onde está a lista das pessoas que não podem se mover. Uma série de providências que no Caribe, com os furacões, eles já estão acostumados. Aqui as enchentes parecem que acontecem de vez em quando. Então acontece o que eu vi no ano passado. Estavam construindo casas para pessoas que tiveram casas destruídas por enchentes no passado, mas os atuais flagelados as ocuparam. A leva de flagelados já era outra.
Como vai ser o governo Dilma em sua opinião?
Estou esperando algumas contradições internas na estrutura do próprio governo Dilma. Mais contradições entre os partidos que compõem a aliança do que contradições entre oposição e governo. Mas esse tipo de contradição vai resultar é em denúncia específica. Devo ficar um pouco à margem disso.
Como o sr. vê a questão do controle social da mídia?
Eu sempre tive uma posição contrária à expressão "controle da mídia". Muitas vezes o que está por baixo da expressão "controle social" é o controle de algumas entidades aparelhadas pelo partido do governo. Eu vejo com muita suspeição. Acho que a imprensa tem de ser deixada livre e trabalhar com todas as possibilidades. É claro que uma regulamentação do setor do ponto de vista de ajustar o papel das teles, o papel das telefônicas, é viável e possível. Mas não nenhum tipo de controle.
Que momento é hoje o da América Latina?
America Latina não é uma coisa única. Eu gostaria de fazer uma passagem pelos países que estão experimentando esse novo tipo de política, como a Bolívia, o Equador, a Venezuela e, parcialmente, a Argentina, para ver o que está se passando, qual o mecanismo dessa democracia plebiscitária. Os caminhos da Venezuela começam a ser bastante complicados. É um momento histórico interessante. Não com uma visão apologética, mas porque acho que vai haver problemas.
________________Reportagem por Fernando Paulino Neto / RIO - O Estado de S.Paulo
Fonte:Estadão online, 19/12/2010
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