segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A verdade

Hermes Aquino*
Eu estava numa roda de papo com amigos. Bola pra lá, bola pra cá, acabamos abordando o tema “verdade”. Como eu andava pensando a respeito, arrisquei minha esfarrapada tese: a verdade é insuportável. Eles se olharam, houve um pequeno silêncio e... prossegui. A verdade não tem ficção. É nua e crua. Por isso vivemos à base do ficcional. É melhor acreditar no insólito, no imponderável. É melhor acreditar que estamos levando três e pagando dois.
A verdade não faz rodeios, ela é e fim de papo. Por isso é mais proveitoso acreditar na jura de amor, na eterna paixão, naquele momento lindo. É mais confortável acreditar que estamos de certa forma levando alguma vantagem. A verdade é sintética: o médico olha para você e... a verdade não tem volta. Verdade é conferir a Mega Sena. É a reunião de condomínio. É o saldo bancário.
"O caso é que a verdade
não tem graça nenhuma. É melhor acreditar
que pagamos o preço justo.
E que os impostos retornarão em forma de benesses
para a população."
É muito melhor acreditar que gostam da gente. E que até nos amam. E que amanhã ou depois os preços vão cair e teremos um aumento de salário. É melhor acreditar que o político vai defender com unhas e dentes nossos interesses. E acreditar que um litro disso é mesmo um litro disso. E que um quilo daquilo é mesmo um quilo daquilo. A verdade agride. É melhor assistir à violência da vida moderna através de uma tela. A gente fica mais distante da verdade.
A verdade já não cabe em nosso dia a dia. Talvez nunca coubesse. E quem quer saber da verdade? Ela é relativa, dizem uns. É a de cada um, dizem outros. O caso é que a verdade não tem graça nenhuma. É melhor acreditar que pagamos o preço justo. E que os impostos retornarão em forma de benesses para a população. O cara aquele que falou dai a César o que é de César foi... você sabe. Então, relaxe e aproveite os longos prazos, porque a verdade é à vista.
A verdade não faz de conta, não teatraliza. Ela é destituída de nuances e caras e bocas. Ela é ela, sem rodeios ou reviravoltas. Então, que graça tem a verdade? É melhor pensar que no fim de semana a gente vai se divertir e esquecer as agruras da vida. E que ao abrir uma garrafa de bebida nossos dissabores vão evaporar-se na transparência do copo. A verdade é careta, não fuma, não bebe, não joga e, se vacilar, não...
Se a verdade tem números redondos, então R$ 1.999,99 acaba parecendo bem mais em conta que R$ 2 mil. Dói menos. A verdade é um saco! É pão, pão, queijo, queijo. Me engana que eu gosto. É bem mais maneiro pensar que amanhã será outro dia. Mas se for à base da verdade, certamente nada mudará. Então, é melhor que seja um amanhã ficcional, onde o herói seja eu, seja você, mesmo que nada aconteça. A verdade – há quem diga – não prospera.
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*Publicitário, compositor
Fonte: ZH online, 20/12/2010

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