quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Precisamos investir no futuro

Ethevaldo Siqueira*
O imediatismo é a marca da maioria dos políticos. Meu pai sempre dizia: “Políticos plantam couve. Estadistas plantam jequitibás”. Essa é a diferença entre as duas categorias de homens públicos.
Puxe por sua memória, leitor, e diga qual foi o último grande projeto nacional de que se recorda? Não force muito, pois, em verdade, em sua história recente, o Brasil tem sido muito carente de projetos ambiciosos, de longo prazo, aqueles capazes de mudar qualitativamente o País. No entanto, são esses projetos que fazem toda a diferença entre as nações.
Recordemos alguns, a começar da criação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934. Ou da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941. Ou do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em 1950, sem o qual o Brasil não teria a Embraer nem uma indústria aeronáutica de classe mundial. Ou da Petrobrás, em 1954. Ou da Universidade de Campinas (Unicamp) em 1966. Ou da Telebrás, empresa-chave na implantação da primeira infra-estrutura moderna das telecomunicações brasileiras, em 1972. Ou da Embrapa, em 1973, sem a qual o Brasil não teria hoje a competência tecnológica para explorar o cerrado e produzir mais de 130 milhões de toneladas de grãos por ano.
Depois da morte do ex-ministro Sérgio Motta, em 1998, nenhum projeto ambicioso foi proposto para as comunicações brasileiras. Como tenho escrito e insistido nos últimos 10 anos, a grande prioridade das Comunicações brasileiras ainda é uma nova lei geral, moderna e abrangente, capaz de harmonizar todos os segmentos do setor. A legislação em vigor é uma colcha de retalhos, com partes eficientes, como a Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, e outras obsoletas, como o velho capítulo do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, que ainda rege o rádio e a TV.

Governo torra bilhões

E não faltam recursos ao País para projetos muito mais ambiciosos no campo da inclusão digital. Dou apenas três exemplos de fundos setoriais confiscados pelo governo, ou seja, de recursos jogados pela janela nos últimos 10 anos. Eles somaram mais de R$ 32 bilhões. Confira, leitor. O primeiro é o Fundo Nacional de Universalização das Telecomunicações (Fust), que já arrecadou quase R$ 10 bilhões, sem nada ter sido aplicado nas finalidades de sua criação. O segundo é o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), cujos excedentes já somam mais de R$ 18 bilhões, inteiramente confiscados pelo governo. O terceiro é o Fundo de Tecnologia de Telecomunicações (Funttel), do qual já foram para o ralo mais de R$ 4 bilhões a título de superávit fiscal.
Para os brasileiros de boa-fé que têm alguma saudade do monopólio estatal, vale a pena comparar aquele modelo com a nova realidade. Em 1998, ano da privatização da Telebrás, o Brasil alcançava a densidade de 14 telefones por 100 habitantes. Hoje tem 126. O percentual de residências com telefone não passava de 20%. Hoje chega a mais de 85%.

“Políticos plantam couve.
Estadistas plantam jequitibás”.

Comparem ainda estes números: há 10 anos, o País tinha apenas 5,5 milhões de celulares em serviço. Hoje tem 197,4 milhões. Um crescimento de 3.500%. O Brasil já é o quinto mercado de telefonia móvel do mundo. Até o final do ano, deveremos quebrar a barreira dos 200 milhões de celulares.
Na área de tecnologia da informação, o Brasil se tornou o sexto mercado mundial de internet: o número de internautas passou de 1 milhão para 75 milhões, 30 milhões dos quais usuários de banda larga, mesmo com todas as queixas que possamos ter sobre velocidade e preço – além da omissão total do governo na área de políticas públicas específicas para essa área.
E a mudança mais significativa de paradigma: desde 2007, os brasileiros estão comprando mais computadores do que televisores. Em 2010, serão vendidos 14 milhões de desktops e laptops contra 11,5 milhões receptores de TV.
"Vivemos num país que
tributa pesadamente combustíveis,
 energia elétrica e telecomunicações,
inclusive a banda larga."
Qual foi o milagre? Apenas a redução da tributação. Ou seja, o governo passou a atrapalhar menos. Mesmo assim, a carga tributária brasileira tem crescido sem parar ao longo de mais de 30 anos. E já se aproxima de 40% do PIB, com alíquotas de impostos que chegam a quase 50% do valor dos serviços telefônicos e de banda larga.
Vivemos num país que tributa pesadamente combustíveis, energia elétrica e telecomunicações, inclusive a banda larga. Em todos esses casos, com alíquotas superiores a 40%. Você trabalha 5 meses por ano, leitor, para pagar impostos. O procedimento governamental tem sido tão irracional que, diante de problemas orçamentários, em lugar de cortar gastos, corta investimentos, como acaba de anunciar o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que continuará no cargo.

A metamorfose

Se a presidente Dilma Rousseff, que tanto combateu as privatizações por pura demagogia eleitoral, refletisse um pouco mais, poderia sofrer uma espécie de metamorfose ideológica e afirmar uma verdade cristalina: “Graças ao novo modelo das telecomunicações, mais de 100 milhões de cidadãos passaram a ter comunicação pessoal (celular) e 75 milhões tiveram acesso à internet em apenas 10 anos. Nunca antes na história deste País, tivemos uma inclusão digital dessas proporções. Diante disso, em meu nome, no de Lula e do PT – partido que votou contra o Plano Real, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e contra todas as privatizações – peço desculpas ao País por ter combatido essas reformas do Estado e reconheço publicamente o avanço que elas representaram para o Brasil”.
É claro que estamos longe desse milagre. A tentação populista ainda é muito mais forte, recorrente, como aconteceu durante as campanhas presidenciais de 2006 e 2010, em que Lula e Dilma voltaram a combater ferozmente todas as privatizações feitas no governo anterior, inclusive a das telecomunicações. E se dependesse do desejo de ambos, a Telebrás e suas 27 subsidiárias continuariam estatais e, com certeza, hoje totalmente aparelhadas pelo partido e a serviço da barganha de cargos.
É claro que ainda há muito coisa a ser feita no setor de telecomunicações. A qualidade do atendimento nos call centers ainda é inaceitável. Os serviços de banda larga são medíocres e seus preços quase 10 vezes maiores que o da Coréia do Sul.
Em contrapartida, todos os 5.564 municípios brasileiros já dispõem de telefone, embora a banda larga só alcance a metade deles (mas responsáveis por 85% da população). O que falta ao País neste ponto é, sem dúvida, um ambicioso projeto digital de longo prazo.

O exemplo coreano

Quando olhamos para o cenário internacional, vemos um conjunto de países que, antes do restante do mundo, descobriu a importância estratégica da banda larga. Vejam o exemplo da Coreia do Sul, cujo governo, já no ano 2000, formulou uma política nacional de longo prazo na área da banda larga e decidiu investir maciçamente numa rede pública. A nação investiu o máximo na banda larga para que o máximo de empresas pudessem competir, usando a mesma infraestrutura, e, assim, oferecer os melhores serviços pelos menores preços. Sem estatizar a operação, sem criar nenhum cabide de empregos, a infraestrutura de banda larga da Coreia é administrada com o mais elevado nível de profissionalismo pela agência reguladora de Comunicações (KCC-Korean Communications Commission).
Há alguns anos, a Coreia se tornou o país mais avançado em banda larga, construída sobre uma infraestrutura de fibra óptica, que alcança até a última milha, na casa do assinante, ou nas proximidades.
A penetração da banda larga está próxima de 97% dos domicílios, com velocidades médias que variam de 20 a 50 Megabits por segundo (Mbps). E o governo coreano tem como meta elevar a capacidade dessa rede para 1 Gigabit por segundo (Gbps) em 2012, a partir de um investimento da ordem de US$ 24 bilhões, sob a coordenação da KCC.
Além da banda larga sobre cabo (coaxial ou fibra óptica), a Coreia tem uma das redes celulares de terceira geração (3G) mais avançadas do mundo, oferecendo também a banda larga sem fio para mais de 30 milhões dos 50 milhões de assinantes.
Outro lembrete para o Brasil: os impostos que incidem sobre os serviços de telefonia e de banda larga na Coreia não alcançam 10% do valor das tarifas.
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* Jornalista, escritor e consultor especializado em telecomunicações, eletrônica de entretenimento e novas tecnologias da informação. Nascido em Aparecida de Monte Alto, Estado de São Paulo, Brasil, em 1932, cursou jornalismo, na primeira turma da Escola de Comunicações da Universidade de São Paulo (USP). Desde 1967 escreve no jornal O Estado de S. Paulo, passando sucessivamente pelos cargos de repórter, editor, repórter especial e colunista. Colaborador especial da Revista Época; Comentarista da Rádio CBN com a coluna diária Mundo Digital.
Fonte: Estadão online, 08/12/2010

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