sábado, 11 de dezembro de 2010

A cultura da fila

MOACYR SCLIAR*

Imagem da Internet

 
A fila é um estilo de vida, representa uma forma de convívio

É uma cena comum em aeroporto; já antes da chamada para o embarque, às vezes muito antes, passageiros começam a formar uma fila. O que não deixa de ser estranho; afinal, os lugares já estão previamente marcados, não há necessidade de pressa. Nem mesmo a disputa pelo lugar no compartimento de bagagens serve como explicação, pois muitos dos que estão na fila não têm qualquer bagagem de mão. Uma razão para esse comportamento poderia ser a natural ansiedade desencadeada pela viagem em si. Mas, ao menos no caso do Brasil, há um outro, e curioso motivo. É que gostamos de fazer fila. Algo surpreendente, num país sempre caracterizado pelo pouco apreço à ordem e à disciplina; a regra parece ser chegar primeiro a qualquer custo, combinando esperteza e o poder dos cotovelos. Contudo, a fila não é só uma maneira de organizar uma determinada demanda, seja por ingressos, seja pelo acesso a um determinado lugar. A fila é um estilo de vida, e isso fica muito visível nos fins de semana, nas casas de diversão. Passem pela Goethe num sábado à noite e vocês constatarão isso.
A fila representa uma forma de convívio. Normalmente as pessoas deveriam estar todas voltadas numa mesma direção, o cara de trás olhando a nuca do cara da frente. Mas não é assim. Na fila formam-se, por assim dizer, nódulos de convivência; pessoas, especialmente os jovens, que, sem se afastar de seus lugares, ou afastando-se muito pouco, conseguem conversar, e conversar animadamente. E certamente não fazem isso para matar o tempo, enquanto aguardam a hora de entrar; não, a conversa na fila é um objetivo em si, e podemos apostar que para alguns, pelo menos, um objetivo mais interessante que entrar no lugar diante do qual está formada a fila. E quando se trata de fila de banco, ou de fila numa repartição, o que temos são trocas de informação, debates, pronunciamentos até; mais de uma vez alguém já salvou a pátria fazendo um discurso numa fila dessas.
Para psicológos, sociólogos e até cientistas políticos, as filas representariam um interessante campo de estudo, quem sabe até uma especialidade, gerando teses de mestrado e de doutorado. Enquanto isso não acontece, as filas continuam se formando. Quando chegar o Juízo Final e vocês virem uma fila às portas do Céu, não duvidem: ali estarão os brasileiros.
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*Médico. Escritor. Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 12/12/2010

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