sábado, 4 de dezembro de 2010

Novos papéis

“O Wikileaks não precisa do New York Times.
O Times é que precisa do Wiki” diz acadêmico dos EUA.

Por Eduardo Graça, de Nova York

Idealizador da Escola para Ativismo Político da Universidade de Nova York (NYU), o sociólogo Stephen Duncombe volta à velha narrativa de Hans Christian Andersen para argumentar: com a revelação de centenas de telegramas diplomáticos norte-americanos gradualmente divulgados pelo WikiLeaks, o império está nu, como o rei. O problema, diz, é que a velha mídia ainda não conseguiu acertar o tom na hora de explicar o significado da exposição involuntária – e inédita – do funcionamento da política externa dos EUA. A seguir os principais trechos da entrevista.

CartaCapital: O editor-chefe do New York Times, Bill Keller, publicou uma longa explicação aos leitores dos motivos de o diário ter publicado os novos documentos secretos revelados pelo WikiLeaks. O senador John McCain (candidato republicano derrotado às eleições de 2008) atacou duramente o jornal. Para ele, o argumento usado por Keller, de que os documentos já estavam disponíveis na internet, não justifica a decisão da publicação, que “é um ataque à segurança nacional dos EUA, especialmente porque a publicação no Times dá aos documentos um novo grau de respeitabilidade”. O senhor concorda com a análise do líder conservador?

Stephen Duncombe: Quando o Times e outros jornais sérios publicam os documentos revelados pelo WikiLeaks eles dão à fonte credibilidade. Mas o que McCain não entendeu é que o WikiLeaks não precisa da respeitabilidade da mídia tradicional. Ele é, na verdade, a fonte documental das reportagens. A mudança do jogo é justamente esta: não estamos lidando com disse me disse diplomático ou interpretação política do fato, mas de cópias exatas de documentos cuja autenticidade em nenhum momento foi questionada. O único impacto da grande imprensa, no caso do WikiLeaks, foi aumentar exponencialmente o número de leitores dos documentos em questão. É tudo bem simples: O WikiLeaks não precisa do Times, o Times é que precisa do WikiLeaks.

CC: Tradicionalmente, se dispusesse de uma fonte detentora dessa quantidade de documentos secretos, a mídia tradicional iniciaria uma negociação com Washington para decidir o que seria eticamente publicável. Este não foi o caso do WikiLeaks. Trata-se de uma imensa mudança nas relações entre a nova mídia e o poder público na sociedade contemporânea, não?
SD: Depende do que você considera ser a ética jornalística. É ético negociar com o poder e decidir o que deve ou não chegar ao conhecimento público? Historicamente a ideia da imprensa livre a apresenta como uma dura fiscal do poder, não seu parceiro amestrado na manutenção do status quo. Creio ser interessante, e um tanto quanto depressivo, que os clamores pela ética na imprensa estejam sendo feitos pelas forças interessadas em colaborar com o poder, sem revelar os bastidores, a essência, do mesmo.

CC: O WikiLeaks modifica a noção de liberdade de imprensa?
SD: Sim, ele expande radicalmente a noção de imprensa livre, para o bem e para o mal. O lado positivo é que o material primário, os documentos estão disponíveis para as massas, não apenas para os privilegiados, oferecendo a todos os cidadãos a possibilidade de se tornarem dublês de repórter. O saldo negativo é que aqui se ignora outro aspecto crítico da liberdade de imprensa: sua capacidade de fazer sentido. Uma imprensa de fato livre não apenas provém seus leitores ou ouvintes dos dados disponíveis, mas oferece as ferramentas para que a informação faça algum sentido, a coloque em contexto. O WikiLeaks intensifica o mito iluminista do poder da verdade. Ou seja, se a realidade é revelada e as pessoas conseguem ter acesso aos fatos, automaticamente veríamos uma mudança benéfica. É como a história infantil das roupas novas do imperador, quando um menino denuncia que o monarca está nu, nós o vemos pelo que ele de fato é e gostamos do que finalmente podemos observar. Pois agora, graças a WikiLeaks, o Império está nu, e nos resta esperar para ver se a mudana de fato virá.
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Fonte: Revista Carta Capítal impressa, Ed. Nº 625, pg.70/71, 08 de dezembro de 2010
Imagens da Internet

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