"Aceitando o diálogo,
fiéis e pesquisadores podem tirar proveito dessas descobertas
que revolucionam o nosso conhecimento do Universo,
do ser vivo, do humano."
Essa é a opinião de Jacques Arnould (foto), historiador das ciências, teólogo e pesquisador do Centro Nacional de Estudos Espaciais - CNES, na França. Entre seus livros mais recentes estão "La Terre en un clic. Du bon usage des satellites", (Ed. Odile Jacob, 208 páginas) e "Une fenêtre sur le ciel. Dialoghes d'un astrophysicien e d'un théologien", com Marc Lachièze (Ed. Bayard, 276 páginas).
Arnould também é autor da edição 22 dos Cadernos Teologia Pública, publicados pelo IHU, intitulado "Terra Habitável: um desafio para a teologia e a espiritualidade cristãs".
A reportagem é de Mattea Battaglia, publicada no jornal Le Monde, 03-12-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Como os crentes perceberam e percebem os progressos da astronomia?
Os fiéis compartilham com os astrônomos o mesmo fascínio pelo céu. Não admira, então, se os primeiros sempre manifestaram uma certa preocupação por aquilo que os segundos podiam descobrir.
Pondo o ser humano no centro da criação, as crenças herdadas da Bíblia não afastam talvez qualquer possibilidade de outros planetas habitados?
É verdade que o cardeal Nicolas de Cue, no século XV, pôde falar de habitantes da Lua sem que Roma se ocupasse dele de qualquer modo, mas Giordano Bruno, ao invés, no século XVI, foi queimado por ter afirmado, dentre outras coisas, que o universo era infinito e por ter pressuposto assim a existência de inumeráveis mundos.
A partir da revolução copernicana, estabeleceu-se uma espécie de acordo: os estudiosos se interessariam pelo "como" das coisas, os teólogos, pelo "porquê". Nesse ponto, não havia mais razão de se acender fogueiras. Com a elaboração, nos anos 30 do século passado, da teoria do Big Bang por parte de Georges Lemaître, astrofísico e padre, houve até a grande tentação de se chegar a uma espécie de "concordismo". O relato dos cientistas se assemelha muito aos do livro do Gênesis!
Na segunda metade do século XX, se acelera a conquista espacial. A preocupação dos crentes diminui?
Eles também são tomados pelo entusiasmo coletivo. Os cristãos, começando pelo Papa, aplaudem o Sputnik, o primeiro satélite colocado em órbita, em 1957; depois a Yuri Gagarin, o primeiro homem no espaço, em 1961; a Neil Armstrong e Buzz Aldrin, na Lua, em 1969... Hoje, com a difusão das atividades espaciais, os crentes não mostram mais um grande interesse pelo que está em jogo em questões sociais e éticas que podem derivar daí. É verdadeiramente uma pena.
"Estou convicto de que, aceitando o diálogo,
fiéis e pesquisadores
podem tirar proveito dessas descobertas
que revolucionam o nosso conhecimento do Universo,
do ser vivo, do humano."
A descoberta de uma outra Terra colocaria novamente em discussão a crença segundo a qual o nosso planeta e o universo foram criados por Deus?
Gosto de lembrar que esse problema foi resolvido... em 1277, por Étienne Tempier, então bispo de Paris. Ele havia posto fim aos debates que, na Sorbonne, opunham os defensores de Aristóteles, defensores do caráter único do mundo, e aqueles que viam a possibilidade de um outro universo, dando razão a estes últimos! O seu argumento era: se Deus quer criar outros mundos, com seres extraterrestres, pode fazê-lo sem pedir o nosso parecer. Considero essa abordagem repleta de um bom senso teológico... embora não resolva todos os problemas. A astronomia é uma escola de modéstia, também para os crentes.
Independentemente do fato de que sejam cristãos, judeus ou muçulmanos, os fiéis são sempre mais desconfiados com relação à astronomia?
As descobertas astronômicas, assim como as da paleoantropologia e da biologia da evolução, têm dado um duro golpe nas concepções do Universo e da humanidade sobre as quais os crentes fundamentavam uma parte das suas convicções. Não é algo novo – penso evidentemente em Copérnico ou em Darwin –, mas o impacto das ciências e das tecnologias sobre as nossas sociedades tornaram-se tais que elas parecem se impôr em detrimento das nossas crenças mais antigas.
Os movimentos criacionistas, que estendem hoje a sua influência bem além dos Estados Unidos, onde apareceram no final do século XIX, mostram esse transtorno. Dito isso, evidentemente nem todos os cristãos, nem todos os muçulmanos, nem todos os judeus são contrários às ciências. E nem todos são criacionistas!
Estou convicto de que, aceitando o diálogo, fiéis e pesquisadores podem tirar proveito dessas descobertas que revolucionam o nosso conhecimento do Universo, do ser vivo, do humano.
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Fonte: IHU online, 04/12/2010
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