Renato Bernhoeft*
Em nossa cultura, e também nos processos da educação formal ou familiar, não é comum o hábito de desenvolver estímulos para que uma pessoa estabeleça propósitos para sua vida.
As poucas perguntas que são feitas às crianças e adolescentes sobre o que desejam ser no futuro tendem a desaparecer tão logo elas cresçam. Possivelmente este seja um dos motivos pelos quais os indivíduos não tenham o hábito de refletir e montar planos de ação. Entretanto, isso não é útil apenas para os inevitáveis momentos de transição ou crises da vida. Uma conduta dessa natureza pode se contrapor ao que é valorizado no samba interpretado pelo Zeca Pagodinho, que enaltece o "jeitinho" do tipo, "deixa a vida me levar".
Para um número significativo de pessoas, apenas a carreira ou as opções profissionais se tornam parte de algo que a própria família vai tentar influir ou até nortear. Essa escolha será seguida por estímulos - ou limitações - que o mundo da educação formal se encarrega de estruturar e oferecer. Podem pesar, adicionalmente, a influência de algum professor ou os estímulos dos meios de comunicação, que a cada dia dão mais destaque para algumas profissões ou carreiras com maiores possibilidades de sucesso financeiro ou com alta visibilidade social.
No que se refere a estabelecer planos, ou propósitos, para os papéis que desempenhamos na vida pessoal, o processo de reflexão é ainda muito mais pobre. Não se criam instrumentos ou provocações para que cada um de nós pense sobre o que deseja ser na qualidade de cidadão. Especialmente ao considerar que é indispensável nos preparar para um mundo a cada dia mais complexo, exigente e desafiador. Essa lacuna ocorre também em outros papéis que cada um de nós irá viver como cônjuges, pais, filhos, avós, amigos etc. Ou ainda nas inúmeras dimensões que a vida nos coloca, tais como a espiritual, física ou material.
E porque não refletir também sobre as diferentes etapas da própria vida? Elas podem ser dividas tanto cronologicamente, considerando as diferentes idades, como pelas transformações que ocorrem com nossa mente e corpo. Nos dias atuais, vale também considerar os desafios provocados pelo aumento da longevidade, bem como a crescente necessidade de nos reinventarmos frente às novas oportunidades e riscos.
O mais grave é que para muitas pessoas este não é considerado um compromisso com o qual devam se preocupar. Estabelecer propósitos para a vida, de maneira geral, ficou muito marcado pelas expectativas que os pais criaram na fase inicial da educação ou do próprio ambiente familiar.
"É da maior importância que tanto os pais,
como também as instituições de ensino e
os meios de comunicação,
estimulem as futuras gerações a
fixarem propósitos para sua vida..."
Segundo o psicólogo alemão Günter Reich, "para encontrar uma identidade própria, toda pessoa precisa frustrar certas expectativas da sua família e aprender a distinguir as tarefas que lhe foram impostas daqueles movimentos oriundos de uma vontade própria."
Essas observações se tornam mais atuais quando verificamos a quantidade de filhos que permanecem - ou se acomodam - por longo tempo no conforto da casa dos pais sob a alegação de que estão economizando para ter um início de vida adulta mais seguro. Dessa maneira, asseguram a manutenção das conquistas materiais proporcionadas pela estrutura familiar de origem.
É da maior importância que tanto os pais, como também as instituições de ensino e os meios de comunicação, estimulem as futuras gerações a fixarem propósitos para sua vida, mas não apenas naquilo que desejam conseguir no mundo do consumo e da ostentação. É preciso ampliar o olhar para propósitos de uma qualidade de vida mais ampla e que possam ter sentido em todas as suas etapas.
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*Renato Bernhoeft é fundador e presidente do conselho de sócios da höft consultoria societária
Fonte: Valor Econômico online, 10/12/2010
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