MARCELO GLEISER*
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Será que nós somos uma consequência inevitável
das leis da natureza?
Ou não passamos de acidente?
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SEMPRE ACHEI que final de ano é época de reflexão, e não só de presente e festa. Portanto, vamos lá.
Olhe para as suas mãos.
Nela, você encontra átomos que pertenceram a estrelas desaparecidas há mais de 5 bilhões de anos. Essas estrelas, no final de sua existência, forjaram os elementos químicos que compõem o seu corpo, as montanhas, os rios e os oceanos.
Quando explodiram, elas espalharam suas entranhas pelo espaço sideral, os ingredientes da vida, em ondas de choque que se propagavam a milhares de quilômetros por segundo. Em um canto da galáxia, essas ondas se chocaram com uma enorme nuvem de hidrogênio, provocando instabilidades que levaram ao seu colapso. E dele nasceu o Sistema Solar, com sua corte de planetas e luas e, em um deles, seres capazes de questionar suas origens.
Somos, concretamente, restos de estrelas animados de consciência.
O incrível disso é que tudo começou com praticamente apenas hidrogênio e gravidade. Ao comprimir essas nuvens de hidrogênio em estrelas, a gravidade se tornou o grande alquimista cósmico, criando os elementos químicos a partir do mais simples. Na visão moderna do Universo, somos o que acontece quando damos alguns bilhões de anos de tempo ao hidrogênio e à gravidade.
Temos muitas lacunas a preencher nessa grande narrativa cósmica, e é isso que faz os cientistas acordarem todos os dias com pressa de chegar ao trabalho. Dentre as várias questões, uma das mais controversas é sobre nossa inevitabilidade. Será que somos consequência inevitável das leis da natureza? Ou um mero acidente, e o Universo poderia igualmente existir sem nós?
"Quem duvida que a ciência
é uma busca espiritual
deveria refletir sobre o que escrevi...".
A posição mais conservadora diria que tudo o que podemos fazer é medir. Não existe qualquer plano ou objetivo, apenas o que ocorre. A história que reconstruímos à partir dessas medidas começa com (pelo menos) quarks, elétrons e radiação e, bilhões de anos depois, inclui vida e seres humanos. Não há dúvida de que a matéria ficou mais complexa com o passar das eras. Por quê?
Antes de tentar dizer algo, vale a pena contemplar o que já conseguimos até aqui. A ciência comprova nossa profunda relação com o Cosmos. Não apenas porque vivemos nele, mas porque somos feitos dele: nós e todos os agregados de matéria, vivos e não-vivos. Estamos no Cosmos e o Cosmos está em nós.
Quem duvida que a ciência é uma busca espiritual deveria refletir sobre o que escrevi acima. A pesquisa do cientista, os dados e sua análise quantitativa, são atividades que dão concretude à busca. Alguns ficam só nisso e estão bem assim. Mas uma visão menos focada revela o óbvio: a ciência responde a anseios espirituais que estão conosco desde tempos ancestrais.
Retornando à nossa questão, alguns acreditam que deve existir um princípio que justifique a tendência à complexidade. Mas não temos evidência disso. O Cosmos poderia ter se desenvolvido sem nós. Mas o fato é que estamos aqui! Se abrirmos mão desse princípio, temos que aceitar que somos um acidente.
Talvez seja essa a origem da nossa importância. Se podemos refletir sobre a vida, temos algo de especial. Isso deveria nos levar a uma reavaliação do nosso papel: guardiões da vida e do planeta. Talvez seja essa a nossa missão inevitável.
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "Criação Imperfeita"
Fonte: Folha online, 19/12/2010
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