domingo, 12 de dezembro de 2010

Preguiça de uns ajuda o grupo, sugere estudo

Imagem da Internet

Em colônia de leveduras,
presença de indivíduos não aptos para o trabalho fez com
que os normais trabalhassem de forma mais eficiente

As lições sobre a importância do trabalho e suas recompensas parecem incontestáveis. Na fábula de Esopo, aprende-se que a cigarra cantora prejudica seus vizinhos, entre eles a formiga esforçada. No entanto, um recente estudo de universidades inglesas e alemãs contradiz essa tradição ao provar que organismos "preguiçosos" podem representar um bem para suas coletividades.
Em um trabalho conjunto, de autoria de zoólogos, matemáticos, geneticistas e biólogos, pesquisadores descobriram que leveduras "preguiçosas", alteradas geneticamente, beneficiam sua própria colônia.
Esses microrganismos normalmente são capazes de transformar sacarose em glicose, molécula mais facilmente absorvida por eles. Para o experimento, uma parte das leveduras foi modificada, de forma a não conseguir executar esta tarefa.
Ao serem misturados com os micro-organismos "trabalhadores", os "preguiçosos" passaram a consumir a glicose produzida pelos outros, gerando uma relativa carência no ambiente. Por sua vez, essa escassez estimulou um consumo e produção mais eficientes por parte das leveduras "esforçadas" e, portanto, um ritmo mais veloz de multiplicação dos organismos.
Os pesquisadores constataram que o maior crescimento da colônia era verificado quando havia, inicialmente, 60% de leveduras inaptas.
Laurence D. Hurst, professor de Genética Evolutiva na Universidade de Bath e um dos autores da pesquisa publicada na revista PLoS Biology, explica que fato similar ocorre com os humanos. "Quando há excesso de alimentos, o ser humano não aproveita de forma saudável esse excedente, tendendo a engordar mais que o desejável. Quando não há tanta oferta, os alimentos são usados mais racionalmente."
Conspiração de pombos. O resultado do estudo, promovido por universidades de renome, como Oxford, surpreendeu até mesmo os pesquisadores. O experimento contradiz uma teoria muito aplicada em diversas áreas do saber, conhecida como "conspiração de pombos".
Oriunda da Teoria dos Jogos, ela estabelece que o melhor resultado para cada um dos indivíduos e para a sociedade é obtido quando todos cooperam. Para Hurst, a descoberta é importante porque alerta os pesquisadores para furos na teoria clássica de cooperação.
"A noção de conspiração dos pombos é vista como infalível e é utilizada por estudiosos de todos os campos do conhecimento, das ciências naturais à política e à economia. Ao verificarmos que nem sempre a tese funciona, abrimos espaço para uma série de novos estudos, avaliando diferentes grupos e sistemas."
A bióloga Ana Raquel Monteiro, especialista em genética de leveduras e doutoranda da USP, afirma que o experimento é inovador, mas acha exagerada a extensão dele a qualquer ser vivo.
"O grande trunfo do estudo é que ele faz pensar", ela. "Mas acho que é mais relevante para pesquisas sobre micro-organismos, como as bactérias e fungos, que possuem comportamentos similares. Acho pouco provável que seja aplicável a organismos mais complexos, como os seres humanos."
Os especialistas parecem concordar que a pesquisa é surpreendente. Afinal, ela questiona uma longa tradição de valorização da cooperação e do trabalho. Resta saber se ela desencadeará novos estudos sobre o comportamento humano ou se ficará restrita aos organismos mais simples.
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Fonte: Estadão online, 12/12/2010

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