Wálter Maierovitch*
No Rio, foram marcantes algumas falhas operacionais.
Mas elas não derivam de acordo com o crime organizado.
Por Wálter Maierovitch.
Foto: Antonio Scorza/AFP
O diversionismo é a arma utilizada para reduzir a importância, embaçar o brilho e colocar em dúvida o êxito da atuação das forças de ordem no estado do Rio de Janeiro. Provocadas e desafiadas por uma “confederação criminal” formada por facções de matriz mafiosa, as polícias e as Forças Armadas lograram sucesso nas ações repressivas na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. A propósito, essa repressão ensejou as reconquistas do controle social e do espaço físico.
Com artes do mitológico Procusto, tem sido afirmado que a “guerra” declarada pelas facções criminais contra o Estado e contra a sociedade civil originou-se do fato de o governo Sérgio Cabral priorizar medidas de contraste às associações denominadas Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos (ADA) e de se omitir relativamente às organizações paramilitares, chamadas de milícias pela população.
Parênteses: as milícias foram criadas pela “banda podre” da polícia fluminense. Elas dominam territórios, cobram o pizzo (taxa de proteção da Cosa Nostra exigida dos moradores, comerciantes, prestadores de serviços e industriais), obrigam pagamentos de comissões nas locações e vendas imobiliárias, comercializam produtos piratas e drogas. Levados em conta o número de integrantes e o controle de áreas, as milícias já rivalizam com o CV. Como o CV e a ADA seguem o horizontalizado modelo da Camorra italiana, as milícias assemelham-se a Los Zetas mexicanos.
Não faltam, ainda, os boatos sobre um acordo tácito celebrado, à véspera da tomada do Complexo do Alemão, entre o governo e o crime organizado, como ocorreu em 2006 no estado de São Paulo. Pelo avençado, os criminosos abdicaram da resistência armada em troca da fuga. E a vox nullius ecoada sustentava que o acordo interessava aos governos estadual e federal pelo grande risco de derramamento de sangue inocente.
No Rio, foram marcantes algumas falhas operacionais. Por exemplo, os 007 dos serviços de inteligência estimaram em 600 o número de membros armados do CV que estavam prontos a resistir à invasão. Destes, apenas 23 foram presos. Os demais, inclusive os chefões Fabiano Atanázio da Silva, vulgo FB, e Roberto de Souza Paz, apelidado de Mica, teriam fugido por uma galeria de águas pluviais, de 2 metros de altura por igual medida de largura. E na fuga os criminosos teriam passado por baixo da pista da estrada do Itararé, onde estavam estacionadas as tropas do Exército.
"As falhas operacionais na
ocupação do Complexo do Alemão
derivaram da falta de conhecimento do fenômeno
e isso não significa acordo
com o crime organizado."
Não é correto, tecnicamente, fazer-se a separação entre CV, ADA e milícias. Todas elas são espécies de um mesmo gênero, ou seja, são organizações com matriz mafiosa porque controlam, em áreas certas, os negócios, submetem os membros às suas leis, difundem o medo e perseguem sempre o lucro. As UPPs, pelo informado, objetivam acabar com uma espécie de secessão, caracterizada por um sistema de poder próprio. Ou, como dizia o constitucionalista de Mussolini, jurista Santi Romano, são organizações que estabelecem um “poder paralelo”. O certo é que o governo tem poder discricionário na escolha da melhor estratégia de implantação das UPPs. Com isso não está a conceder “bill de indenidade” para as milícias.
As falhas operacionais na ocupação do Complexo do Alemão derivaram da falta de conhecimento do fenômeno e isso não significa acordo com o crime organizado. O diversionismo em curso só aproveita ao crime organizado. Ele quebra a confiança dos cidadãos nas forças do Estado. Durante anos assistiu-se, nas correlações entre associações criminosas e membros escravizados da comunidade, um vínculo de solidariedade constituído pelo medo. E tal vínculo acabou de ser desfeito com as retomadas.
Não existe no projeto de UPPs previsão para instituição, por lei a ser criada, da “desassociação”. Ou seja, a possibilidade de o jovem mudar de lado e ser beneficiado. Mais ainda, de ele ingressar em programas de educação à legalidade democrática e à tolerância. O instituto jurídico da desassociação nasceu na Itália democrática e à época do terrorismo. Ao interessado em se desassociar bastava enviar ao juiz uma declaração. Aí, o desassociado era colocado em liberdade e o processo, arquivado.
Para o sucesso das UPPs não há outra saída. Desassociação não obriga à delação e não se confunde com anistia. É instituto, por evidente, a se aplicar aos jovens “aviões”, fogueteiros e cooptados pelo CV e ADA. Não se aplica aos Marcinhos VP, Elias Maluco e nem, na Itália, cogitou-se de se aplicar aos capi mafiosos.
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*Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP
Fonte: Carta Capital online, 2 de dezembro de 2010
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