domingo, 12 de dezembro de 2010

Jovens trocam livros por ''leitura digital''



Imagem da Internet
Gerações anteriores só liam as obras cobradas pela escola;
agora, a prática é diferente: são sites, redes sociais, SMS e e-mails

No bolso do jeans, um BlackBerry. Na escrivaninha do quarto, um laptop. Dentro da mochila da escola, um iPod Touch com conexão wireless. Tudo ao redor dos jovens de hoje oferece conexão 24 horas por dia nas mais diversas redes sociais. Como deixar de lado todas as infinitas possibilidades que o mundo digital oferece e se dedicar à leitura de um livro, com suas centenas de páginas, cheias de palavras e letras inertes, exigindo concentração para serem decifradas?
Werther Santana/AE
Família conectada.
Na casa de Hermina Ejzenmesser,
além do computador de uso comum,
o marido e os três filhos têm cada um o seu notebook;
Renato (à esq.) é o mais antenado

Dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) divulgados nesta semana afirmam que a leitura não está entre as prioridades dos jovens de 15 anos. Nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 46% dos estudantes afirmam que leem apenas para obter as informações que precisam; 41% só leem se forem obrigados; e 24% acham que ler é um desperdício de tempo. Apenas um terço disse que a leitura é um dos hobbies favoritos.
Apesar dos dados do Pisa, especialistas em educação e tecnologia discordam da ideia de que o jovem de hoje lê menos. Muito pelo contrário: afirmam que os adolescentes nunca leram tanto. A diferença é que, agora, não são só os livros que são "lidos", mas vídeos, sites, SMS, e-mails e uma gama imensa de informações.
"O adolescente lê e escreve muito, comunica-se muito mais por escrito. As gerações anteriores liam só os livros da escola. Os jovens de hoje não: estão sempre se informando dentro dessa vida social digitalizada", diz Rosa Maria Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP.
O que perdeu espaço na vida dos jovens não é o hábito de ler, mas a leitura formal que os livros, por exemplo, oferecem. "O texto existe, só que de outras formas, e agora oferece acesso amplo e irrestrito. A leitura digital é mais lúdica e interessante porque não é linear e permite uma liberdade multimidiática", explica Claudemir Viana, pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).
Segundo Viana, trocar SMS com os amigos, postar no Twitter e ver recados no Facebook são atividades mais prazerosas que ler um clássico literário porque dão mais autonomia. "Se cansar do site em que está navegando, é só abrir um outro link. Não precisa mais ler página por página, na ordem. Por isso, o que o jovem está perdendo é a paciência, não a concentração."
O maior desafio do jovem é lidar com a diversidade de estímulos que recebe de todos os lados - o que não significa que ele esteja mais distraído, afirmam especialistas. "O adolescente tem de prestar atenção em várias coisas ao mesmo tempo. Ele é multifocal e deve se dividir por vários canais", diz a psicóloga Ivete Palange, da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).
Dar atenção a várias mídias sem perder o interesse no conteúdo de cada uma delas é o que acontece na casa da empresária Hermina Ejzenmesser, de 44 anos. Além do computador da família, de uso comum, seu marido e cada um de seus três filhos têm um notebook. Renato, de 16 anos, é o mais antenado: tem iPhone e usa diversos programas em seu laptop. "Antes, eu até gostava mais de ler livros, mas fui perdendo o estímulo. Gosto de jornal, mas se você for pegar para ler no fim da manhã, já está tudo velho", diz Gustavo.
Para Hermina, o gosto de Renato por tecnologia é positivo. "Ele faz trabalhos em vídeo, edita e coloca áudio. E estuda muito com os amigos via Skype."
Aptidões perdidas. Para os educadores, a falta de interesse pela leitura formal pode levar à perda da habilidade de se concentrar quando necessário. "O jovem não consegue mais ler um texto inteiro. Ele não cria essa habilidade porque não precisa mais dela", explica Teresa Ferreira, psicopedagoga da Unifesp.
Ainda é cedo para afirmar o quanto isso pode ser prejudicial no futuro. Mas os especialistas alertam: ler apenas o essencial e aquilo que interessa pode levar à perda da aptidão para analisar situações com mais profundidade. "O jovem sabe de tudo o que acontece, mas não aprofunda o conhecimento dos fatos", destaca a psicóloga Dora Sampaio Góes, do Programa de Dependência da Internet do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso (Amiti), da USP. "A dúvida é: até que ponto essa abordagem generalista é benéfica?"

VANTAGENS E DESVANTAGENS

Leitura formal
Para os educadores, ler os livros clássicos faz com que as crianças e os jovens consigam formar referências culturais e, portanto, sejam capazes de aprofundar o conhecimento sobre o mundo e analisar os fatos de modo mais profundo. No entanto, a leitura dos materiais impressos, como também são os jornais e as revistas, são arbitrárias e não permitem a interação do leitor com a informação, que é sempre linear.

Leitura digital
Para os educadores, a possibilidade de ter contato com várias mídias ao mesmo tempo (como vídeo, áudio, imagem e texto) é o grande trunfo das novas tecnologias. O jovem consegue se comunicar de diversas formas e, por essa razão, nunca leu e escreveu tanto. Porém, ao dividir a atenção entre tantas mídias, o adolescente pode perder a capacidade de focar seu interesse em uma só coisa, prejudicando a concentração.

PRESTE ATENÇÃO...

1. Jornais. Assinar jornais é uma opção para motivar a leitura. Educadores sugerem que os pais comentem reportagens interessantes com as crianças.
2. Revistas. Comprar revistas para adolescentes, com temas do interesse dos jovens, pode ser um bom começo para exercitar a concentração.
3. Revistas em quadrinhos. Gibis são uma boa ideia para incentivar crianças muito pequenas a ler, porque contêm imagens e mensagens curtas.
4. Livros clássicos. Os pais devem dar o exemplo aos filhos, lendo bons livros e sempre deixando à vista, em casa, os clássicos da literatura.
5. Livros para adolescentes. Obras de ficção e de ação - inclusive best sellers - são de fácil leitura e costumam agradar crianças de todas as idades.
6. Sites. É ideal que os pais acompanhem o conteúdo das páginas em que os filhos navegam, para evitar a exposição a crimes virtuais.
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Reportagem por Mariana Mandelli - O Estado de S.PauloFonte: Estadão online, 12/12/2010

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