sábado, 4 de dezembro de 2010

Vício em drogas nos Estados Unidos

Philippe Bourgois: "Endurecer as leis não resolve"


Para o antropólogo que pesquisa o tráfico nos Estados Unidos,
faltam estratégias médicas para
 lidar com o vício em drogas

Humberto Maia Junior

Nascido em Upper East Side, um bairro de gente rica em Nova York, Philippe Bourgois cresceu vendo com desconfiança os lugares da cidade em que pessoas como ele jamais punham os pés. Mais tarde, depois de se formar em antropologia e morar na América Central, ele percebeu que havia sido menos tolerante com os pobres de Nova York que com os pobres de outros países. Alugou um apartamento no Harlem, região então tomada por traficantes de crack. Passou cinco anos lá. Suas experiências foram contadas em dois livros. Na semana passada, antes de vir ao Brasil dar palestras numa universidade, ele falou com exclusividade a ÉPOCA.

ENTREVISTA - PHILIPPE BOURGOIS

ÉPOCA –O que despertou seu interesse por traficantes e usuários de crack?
Philippe Bourgois – Em meus primeiros anos como antropólogo, trabalhei na América Central, em locais que os ricos de lá não frequentavam. Então me perguntei: por que não fazer isso em meu país? Aluguei um apartamento no Harlem no momento em que o crack chegava aos Estados Unidos, em 1985. Em pouco tempo, a droga estava em todos os lugares. Meus vizinhos usavam e vendiam. Toda uma geração de pessoas se tornou viciada. Uma geração que viu os pais sofrendo com a heroína e conseguiu evitá-la. Aí apareceu um produto muito barato, que as pessoas poderiam fumar e as deixava doidas. Isso levou à maior onda de assassinatos na história dos EUA.

ÉPOCA –Como era sua convivência com os viciados?
Bourgois – Sempre fui bem tratado por meus vizinhos. Quando me apresentava como professor e dizia estar escrevendo um livro sobre o assunto, eles se sentiam honrados e queriam contar suas histórias. Ao mesmo tempo, eram muito violentos entre si. Havia muitos tiroteios. Conheci a família de um traficante que controlava três bocas de fumo. De certo modo, me sentia protegido. Mas nem os traficantes estavam a salvo da violência de grupos rivais. Eu também tinha medo de ser maltratado pela polícia, que se tornou muito violenta nesses bairros.

ÉPOCA –Essa violência policial ajudou a conter o tráfico?
Bourgois – O problema dos EUA é que escolheram a estratégia de endurecer as leis. E isso claramente falhou. Porque lei que vale para o resto do país não existe nos guetos. Ali a polícia xinga, bate, usa palavras racistas. Mas isso não ataca o problema. As drogas nunca estiveram tão baratas nem tão fáceis de ser encontradas.

ÉPOCA –Se a abordagem policial não resolve, como lidar com as drogas?
Bourgois – Onde estão as estratégicas médicas? Elas deveriam atuar em conjunto com a repressão policial. É melhor condenar a um tratamento médico obrigatório que mandar para uma prisão, onde se aprende a ser um criminoso de verdade.

"É preciso tirar o poder dos traficantes.
As drogas dão muito dinheiro – sendo ilegais,
produzem mais crimes
e violência."

ÉPOCA –O que dizer aos que se opõem a gastar dinheiro público para tratar viciados?
Bourgois – Sugiro que sejam pragmáticos. Você gosta de ter medo de andar nas ruas de noite? Gosta de ser roubado? Parte desse problema vem da falta de tratamento a viciados e de alternativas aos criminosos.

ÉPOCA –O senhor é favorável à descriminalização das drogas?
Bourgois – Para mim, isso seria o lógico a fazer. Mas acho que deve ser debatido de forma séria e cuidadosa. Não iríamos liberar tudo da noite para o dia. É preciso tirar o poder dos traficantes. As drogas dão muito dinheiro – sendo ilegais, produzem mais crimes e violência.

ÉPOCA –Qual deve ser o papel do governo?
Bourgois – Ele deve coordenar as ações. Não há outra instituição capaz de lidar com algo tão amplo como tratamento, acesso à educação ou alternativas para evitar que um jovem se torne traficante.
 
QUEM É

Antropólogo nascido em Nova York, tem 54 anos, é doutor pela Universidade Stanford, dos EUA, e tem pós-doutorado na École Normale Supérieure, da França

O QUE PUBLICOU
In search of respect: selling crack in El Barrio (Em busca de respeito, vendendo crack em El Barrio), inédito no Brasil
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Fonte: Revista ÉPOCA online, 04/12/2010

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