terça-feira, 28 de abril de 2015

É oficial: cientistas modificaram o ADN de embriões humanos

 
 Embrião humano numa fase muito precoce do seu desenvolvimento Reuters 

 Corriam rumores de que várias equipas estariam a utilizar uma nova técnica para alterar os genes de embriões humanos. Os primeiros resultados acabam de ser oficialmente 
publicados, confirmando as suspeitas.

Até há poucos anos, a ideia de alterar a cor dos olhos – ou qualquer outro atributo genético – de um futuro bebé não era praticável. Mas com a invenção, em 2012, de uma técnica simples e rápida (chamada CRISPR/Cas9) que permite “editar” o ADN – alterando e corrigindo genes-alvo previamente escolhidos –, este objectivo ficou de repente muito mais próximo.

Há uns meses, começaram a surgir rumores de que várias equipas no mundo estariam a testar esta hipótese com embriões humanos – pondo novamente na ordem do dia o debate em torno da obtenção de bebés “feitos à medida". E no mês passado, duas cartas foram publicadas por dois grupos de cientistas, respectivamente nas revistas Nature e Science, contra as tentativas de utilização da nova técnica para esse tipo de manipulação genética, dita da linha germinal, que afectaria não apenas o próprio embrião, mas a sua descendência. Na Nature, os cientistas iam mais longe, apelando a uma moratória voluntária sobre quaisquer investigações deste tipo até se debaterem as questões éticas.

Porém, até há dias, ninguém sabia ao certo se essas investigações estavam efectivamente a ser realizadas. Mas agora, já não há margem para dúvidas: uma equipa de cientistas chineses acaba de publicar, na revista Protein & Cell, um artigo onde é descrita, pela primeira vez, a manipulação genética experimental, graças à referida técnica, de dezenas de embriões humanos.

“Penso que esta é a primeira publicação de resultados sobre a aplicação da técnica CRISPR/Cas9 a embriões humanos numa fase de pré-implantação e, como tal, este estudo constitui um marco e ao mesmo tempo um alerta”, diz George Daley, especialista em células estaminais da Universidade de Harvard (EUA), co-signatário da carta na Science, citado numa notícia da Nature. “Este estudo deve servir como um aviso muito sério para qualquer profissional que ache que a tecnologia está pronta a ser testada para erradicar genes causadores de doenças.”

Diga-se já agora que, segundo o seu autor principal – Junjiu Huang, da Universidade Sun Yat-sen em Guangzhou (China) –, o artigo fora rejeitado tanto pela Nature como pela Science, em parte devido a considerações éticas. Quanto à Protein & Cell (que a Science qualifica de "obscura revista online chinesa"), tê-lo-á publicado, segundo a revista New Scientist, apenas um dia após o ter recebido. Ou seja, sem que tenha havido tempo para detectar possíveis falhas de metodologia.

Seja como for, estes autores tomaram diversas precauções para não ser acusados de transgredir as regras éticas internacionais em vigor. Nomeadamente, utilizaram embriões que não eram viáveis porque tinham sido fecundados por dois espermatozóides, possuindo portanto um número anormal de cromossomas. Os embriões provinham de uma clínica de fertilidade e iriam ser descartados.

Todavia, esses embriões conseguem desenvolver-se até um estádio muito preliminar, mas suficiente para os fins do estudo. Recorrendo à nova técnica – que, quando utilizada para fins terapêuticos em células humanas adultas ou em modelos animais, tem demonstrado grande potencial para a medicina personalizada –, a equipa de Huang decidiu tentar “editar” um gene, chamado HBB, cujas mutações provocam uma doença do sangue, a beta-talassemia, potencialmente mortal.

Como relata ainda a Nature, injectaram para isso, utilizando a técnica CRISPR/Cas9, os fragmentos genéticos necessários para localizar e “corrigir” o gene em questão. E a seguir, esperaram 48 horas – o tempo suficiente para a técnica agir e os embriões chegarem a  ter oito células. Dos 71 embriões que sobreviveram à operação, a equipa testou os genes de 54 e constatou que apenas 28 tinham sido “editados” no sítio certo. E que desses, apenas quatro embriões tinham integrado o gene HBB no seu ADN.

Para estes autores, isso significa que a técnica ainda está muito longe de ser aplicável a embriões humanos. Não só a taxa de sucesso é muito baixa, como os cientistas detectaram um grande número de mutações noutros locais do ADN embrionário, literalmente “fora do alvo” – o que coloca claramente em dúvida a segurança da técnica em embriões para fins de procriação.

Huang disse ainda à Nature que ele e a sua equipa quiseram “mostrar os seus resultados ao mundo para que as pessoas soubessem o que se passaria realmente, em vez de continuarem a falar da questão sem informação concreta”. Agora, estes cientistas tencionam melhorar a eficácia da técnica recorrendo, a partir daqui, a células adultas e experiências com animais, algo que em si não levanta considerações éticas imediatas. O que não impede que, na opinião de todos, a publicação dos resultados só venha reforçar a urgência de abordar as implicações éticas futuras.
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