Embrião humano numa fase muito precoce do seu desenvolvimento Reuters
Corriam rumores de que várias equipas estariam a utilizar uma nova
técnica para alterar os genes de embriões humanos. Os primeiros
resultados acabam de ser oficialmente
publicados, confirmando as
suspeitas.
Até há poucos anos, a ideia de alterar a cor dos olhos – ou qualquer
outro atributo genético – de um futuro bebé não era praticável. Mas com a
invenção, em 2012, de uma técnica simples e rápida (chamada
CRISPR/Cas9) que permite “editar” o ADN – alterando e corrigindo
genes-alvo previamente escolhidos –, este objectivo ficou de repente
muito mais próximo.
Há uns meses, começaram a surgir rumores de que
várias equipas no mundo estariam a testar esta hipótese com embriões
humanos – pondo novamente na ordem do dia o debate em torno da obtenção
de bebés “feitos à medida". E no mês passado, duas cartas foram
publicadas por dois grupos de cientistas, respectivamente nas revistas Nature e Science,
contra as tentativas de utilização da nova técnica para esse tipo de
manipulação genética, dita da linha germinal, que afectaria não apenas o
próprio embrião, mas a sua descendência. Na Nature, os
cientistas iam mais longe, apelando a uma moratória voluntária sobre
quaisquer investigações deste tipo até se debaterem as questões éticas.
Porém,
até há dias, ninguém sabia ao certo se essas investigações estavam
efectivamente a ser realizadas. Mas agora, já não há margem para
dúvidas: uma equipa de cientistas chineses acaba de publicar, na revista
Protein & Cell, um artigo
onde é descrita, pela primeira vez, a manipulação genética
experimental, graças à referida técnica, de dezenas de embriões humanos.
“Penso
que esta é a primeira publicação de resultados sobre a aplicação da
técnica CRISPR/Cas9 a embriões humanos numa fase de pré-implantação e,
como tal, este estudo constitui um marco e ao mesmo tempo um alerta”,
diz George Daley, especialista em células estaminais da Universidade de
Harvard (EUA), co-signatário da carta na Science, citado numa notícia da Nature.
“Este estudo deve servir como um aviso muito sério para qualquer
profissional que ache que a tecnologia está pronta a ser testada para
erradicar genes causadores de doenças.”
Diga-se já agora que,
segundo o seu autor principal – Junjiu Huang, da Universidade Sun
Yat-sen em Guangzhou (China) –, o artigo fora rejeitado tanto pela Nature como pela Science, em parte devido a considerações éticas. Quanto à Protein & Cell (que a Science qualifica de "obscura revista online chinesa"), tê-lo-á publicado, segundo a revista New Scientist, apenas um dia após o ter recebido. Ou seja, sem que tenha havido tempo para detectar possíveis falhas de metodologia.
Seja
como for, estes autores tomaram diversas precauções para não ser
acusados de transgredir as regras éticas internacionais em vigor.
Nomeadamente, utilizaram embriões que não eram viáveis porque tinham
sido fecundados por dois espermatozóides, possuindo portanto um número
anormal de cromossomas. Os embriões provinham de uma clínica de
fertilidade e iriam ser descartados.
Todavia, esses embriões
conseguem desenvolver-se até um estádio muito preliminar, mas suficiente
para os fins do estudo. Recorrendo à nova técnica – que, quando
utilizada para fins terapêuticos em células humanas adultas ou em
modelos animais, tem demonstrado grande potencial para a medicina
personalizada –, a equipa de Huang decidiu tentar “editar” um gene,
chamado HBB, cujas mutações provocam uma doença do sangue, a
beta-talassemia, potencialmente mortal.
Como relata ainda a Nature,
injectaram para isso, utilizando a técnica CRISPR/Cas9, os fragmentos
genéticos necessários para localizar e “corrigir” o gene em questão. E a
seguir, esperaram 48 horas – o tempo suficiente para a técnica agir e
os embriões chegarem a ter oito células. Dos 71 embriões que
sobreviveram à operação, a equipa testou os genes de 54 e constatou que
apenas 28 tinham sido “editados” no sítio certo. E que desses, apenas
quatro embriões tinham integrado o gene HBB no seu ADN.
Para estes
autores, isso significa que a técnica ainda está muito longe de ser
aplicável a embriões humanos. Não só a taxa de sucesso é muito baixa,
como os cientistas detectaram um grande número de mutações noutros
locais do ADN embrionário, literalmente “fora do alvo” – o que coloca
claramente em dúvida a segurança da técnica em embriões para fins de
procriação.
Huang disse ainda à Nature que ele e a sua
equipa quiseram “mostrar os seus resultados ao mundo para que as pessoas
soubessem o que se passaria realmente, em vez de continuarem a falar da
questão sem informação concreta”. Agora, estes cientistas tencionam
melhorar a eficácia da técnica recorrendo, a partir daqui, a células
adultas e experiências com animais, algo que em si não levanta
considerações éticas imediatas. O que não impede que, na opinião de
todos, a publicação dos resultados só venha reforçar a urgência de
abordar as implicações éticas futuras.
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