sábado, 18 de abril de 2015

Érika Figueiredo Reis, psicóloga e escritora: ‘Há na sociedade uma sede insaciável de punir’

 Érika Reis: "Vende-se a ideia para a vítima de que a punição vai aplacar de alguma forma o sofrimento, mas é um engodo." Foto: Ana Branco / Agência O Globo
Érika Reis
"Vende-se a ideia para a vítima de que a punição vai aplacar de alguma forma o sofrimento, mas é um engodo."

“Sou carioca de Bonsucesso, mas vivo em Niterói. Atuo como psicóloga em varas de família há mais de dez anos. Vejo pais que buscam a Justiça mais para punir o outro que pelo bem dos filhos. No doutorado, quis estudar a relação entre busca por justiça e espírito de vingança, que parece muito arraigado na nossa sociedade” 

Conte algo que não sei.
As práticas de justiça estão cada vez mais tomadas por ressentimentos e espírito de vingança, embora não percebamos. A gênese da ideia de justiça vem da normalização da relação comercial entre credores e devedores, onde o dano praticado tinha como resposta o ressarcimento. Dívidas finitas. Hoje, a busca por justiça é a de produzir no criminoso um sofrimento infinito. 

O que se quer quando se pede justiça?
É uma pergunta pouco formulada porque se parte do princípio da justiça como um ideal. Mas, na verdade, a pergunta deveria ser: até que ponto esse pedido não mascara uma vingança? Vende-se a ideia para a vítima de que a punição vai aplacar de alguma forma o sofrimento, mas é um engodo. Nada irá aplacar a perda de um ente querido, por exemplo.

A justiça virou vingança?
Sim. Essa mudança aconteceu em anos de desenvolvimento do moralismo cristão, da ideia de livre arbítrio, de dever. Está no livro “A genealogia da moral”, de Nietzsche, que me influenciou a pesquisar o tema.

Como explica o clamor pela redução da maioridade penal?
As pessoas não pensam nos efeitos disso na vida coletiva. Querem um culpado. Não importa se os menores sejam responsáveis por menos de 1% dos crimes. Quem fala em impunidade esquece que a experiência desses jovens em educandários é uma punição terrível. Mas existe uma sede insaciável de punir. Nenhuma pena é suficiente, sempre se pede mais endurecimento. É uma tentativa de aplacar o ressentimento encontrando alguém que seja passível também de sofrimento. O inquietante é como as pessoas reproduzem isso. 

O condenado tem que sofrer?
Para a maioria das pessoas, sim. Ativistas de direitos humanos são atacados por denunciarem as péssimas condições das prisões. Faltam defensores públicos para tirar muita gente que nem deveria estar nelas. É uma hipocrisia dizer que essa prisão recupera, mas essa realidade não muda porque não é uma preocupação das pessoas. A sociedade só pensa em punir, em colocar o outro sob o jugo de uma dívida infinita, interminável, que é o que acontece com o presidiário mesmo depois de deixar a cadeia. O clamor dos justiceiros não se importa com isso.

Por que surge quem faz justiça com as próprias mãos?
Quando o Estado endurece o Direito Penal e incita esse espírito de vingança, as pessoas se sentem autorizadas a punir. Como não confiam no Estado, não há limite. O Judiciário é pouco para esse instituto de vingança. 

A prisão não serve para desestimular outros criminosos? Qual a alternativa?
É difícil pensar nisso porque fomos acostumados a acreditar na eficácia da prisão, não conseguimos ver diferente. Mas a prisão não é mais eficaz. Nos casos de corrupção, o mais importante é prender ou retomar o dinheiro roubado para o coletivo? As pessoas pensam na prisão, mas a sociedade só ganha se recuperar o dinheiro e se o sistema mudar. A individualização da responsabilidade esquece todo o sistema produtor de crimes e violências. 

O que acha da prisão de corruptos antes do julgamento?
Serve para aplacar esses clamores justiceiros, mas é uma luta moralista e seletiva. Por acaso, são aqueles os personagens, mas há muitos outros. É claro que não defendo a impunidade, como algumas vezes me acusam. O que pergunto é por que só se luta em favor desse tipo de justiça.
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Reportagem  por
Ana Branco / Agência O Globo

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