Luiz Felipe Pondé*
Que tal vazar artefatos nucleares para o Estado Islâmico, para a Al Qaeda, o Hamas e o Hizbollah?
O acordo nuclear com o Irã está sustentado em dois pilares de uma
geopolítica que entende que a guerra se tornou irracional como forma de
diplomacia para as partes envolvidas no contencioso --o conflito de
interesses.
Essa linda tese enche meus olhos de lágrimas quando imagino um mundo sem
guerras. Eis o sonho de toda Miss Universo. Pombas brancas por todos os
lados, aliviando, antes de tudo, nosso próprio incômodo com nossa
natureza instável, hipócrita e aterrorizada, com razão.
Mas a guerra continua sendo parte da diplomacia, apesar de nossa visão
de mundo, construída num mix de aulas delirantes de ciências sociais e
praças de alimentação de shoppings, achar que não.
E mais: o Brasil, infelizmente, continua não entendendo nada do que se
passa no Oriente Médio, porque analisa a geopolítica sob vícios
adolescentes do tipo: "opressor versus oprimido", quando ela é muito
mais a gestão da violência entre os povos, sem chave moral (ou
ideológica) prévia.
É dessa ignorância que brota a pouca estatura diplomática do país. Esses
baixinhos deveriam ler mais Maquiavel e menos Harry Potter.
Mas voltemos ao Irã da Miss Universo. Os dois pilares que sustentam o acordo nuclear são os seguintes: primeiro, transparência.
Daqui para frente, o comportamento iraniano no tocante a sua pesquisa
nuclear deve ser transparente. Os iranianos ficam obrigados, sob pena de
serem vistos como "sem palavra" e sofrerem novas sanções, de prestar
contas aos EUA e aliados de "todos" seus passos nucleares.
Ao longo dos próximos 15 anos, o Irã deve provar que seu enriquecimento
de urânio não é suficiente para fazer bombas nucleares. Isso implica que
os processos (inúmeros) da cadeia de produção nuclear sejam
completamente transparentes para os EUA e aliados.
Portanto, a transparência, na verdade, seria melhor descrita como
confiança, uma vez que o Irã pode muito bem continuar escondendo parte
da sua indústria bélica nuclear --como, aliás, sempre aconteceu na
maioria do países com potência nuclear, ora bolas.
Por isso, Kerry e Obama ficam o tempo todo se defendendo contra a acusação de "naïveté", palavra chique para ingenuidade.
O segundo pilar, que apareceu na fala de um dos auxiliares diretos de
Kerry numa entrevista à CNN no dia da assinatura do "acordo de paz", mas
que é mais difícil de se perceber, é a suposição de que o Irã seria um
idiota geopolítico caso fabricasse a bomba sob o manto da mentira.
Nesse caso, o país trairia a confiança depositada nele pelos EUA e seus
aliados. Esse pilar é a crença na razoabilidade geopolítica do Irã,
baseado no princípio de que a paz é sempre a primeira opção numa
negociação. E que essa paz pressupõe a integridade de todos os
envolvidos no contencioso.
Como vemos, o pilar verdadeiro do acordo é esse, e não a
transparência/confiança, porque o acordo se baseia nessa razoabilidade
geopolítica do Irã, coisa que, para quem conhece ou está no Oriente
Médio, parece conversa de menina.
Uma das críticas que Israel e os sauditas fazem ao acordo é que,
suspendendo-se as sanções, os iranianos terão mais condições para fazer a
bomba mais rápido.
Afora o fato de que o Irã tuíta que vai riscar Israel do mapa
gratuitamente (alguém ouviu ameaça semelhante por parte dos
israelenses?), e de que quer colocar uma cabeça de ponte numa "praia
saudita" conhecida como República Árabe do Iêmen, para atormentar seu
arqui-inimigo, a Arábia Saudita, a base da descrença no acordo que une
tanto israelenses quanto sauditas é o fato de que estão no Oriente
Médio.
Ambos sabem que essa razoabilidade "queijos e vinhos" não vale por lá, e
que acordos são solúveis em água e sangue --há pelo menos 4.000 anos.
Concordo com o fato de que o Irã pode muito bem dizer: "Se Israel tem por que eu não posso ter?".
Eles terão sua bomba atômica e quem viver verá o Oriente Médio aumentar sua escala de violência em 15 anos.
O Irã é um grande patrocinador do terrorismo na região. Que tal se vazar
artefatos nucleares para o Estado Islâmico, para a Al Qaeda, o Hamas e o
Hizbollah?
------------------ * Filósofo. Escritor.
ponde.folha@uol.com.br.
Fonte: Folha online, 13/04/2015
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