"Sou agnóstico porque não me considero em condições de debater
questões que escapam ao exercício da razão"
Pesquisa mostra que o mundo ainda tem fome de fé. Surpresa: os jovens creem mais que os velhos
É um engano acreditar que o ceticismo crítico
instigado pelas revelações da ciência e a predominância das instituições
laicas na vida cotidiana – salvo em redutos da teocracia, tais como
Arábia Saudita, Israel e os estados caipiras dos Estados Unidos – tenham
levado as pessoas a prescindir dos vínculos com o sagrado.
O mundo não vive hoje em dia a empolgação medieval das
Cruzadas (com a exceção de um ou outro surto tópico de fanatismo) nem a
era sanguinolenta das guerras de religião (embora a fé ainda mate), no
entanto, dois entre três habitantes do planeta professam – e confessam
– algum tipo de credo.
E 63% é o índice correto dos que se dizem
“religiosos”, de acordo com pesquisa da Win/Gallup International
divulgada esta semana. Foram entrevistadas 63.898 pessoas em 65 países, e
no mapa-múndi da fé, algumas surpresas despontam, além – como constatou
Jean-Marc Léger, presidente do instituto de pesquisa – da adesão
consideravelmente alta, em pleno século XXI, a deuses, santos, místicos e
profetas.
O maior espanto, porém, vem da
constatação de que o maior contingente dos crentes localiza-se entre os
jovens abaixo de 34 anos (66%), caindo para 60% entre os adultos acima
de 54, o que demonstra que a maturidade pode, contrariando o estereótipo
clássico das beatas carolas, alimentar o saudável cultivo da dúvida. De
todo modo, a adesão da juventude a algum tipo de crença atesta –
observa Léger – que o sentimento religioso está longe de minguar. No
caso da garotada, apurou o Win/Gallup, filiar-se a uma religião –
especialmente o islamismo e o judaísmo – pode vir no contexto de busca
de identidade cultural e até mesmo virar uma bandeira política.
O Brasil, que se vangloria de ser o país
mais católico do mundo, está, no quesito fervor beatífico, em pé de
igualdade com a Itália, sede do papado, e com a Turquia muçulmana. Mas
não chegam aos calcanhares dos campeões da crendice: Tailândia (94%),
Armênia (93%), Bangladesh (93%), Geórgia (93%) e Marrocos (93%). Na mão
oposta, a Europa Ocidental acolhe mais descrentes do que religiosos (na
Suécia, 19%/76%). Mesmo na Espanha os que se dizem convictamente ateus
chegam a 20%. Na Grã-Bretanha (30%/66%), mais da metade da população
acha que religião é mais nefasta do que benéfica.
Se na China o materialismo histórico
plantou raízes (61% se dizem ateus e só 7% são religiosos), a Rússia
esqueceu de vez aquela imprecação marxista da religião como ópio do
povo. Sobrevivem por lá 5% de ateus. E 70% dos russos agora se dizem
religiosos, o que encheria de orgulho os antigos czares Romanov.
Nem esperança, nem medo
Por Mino Carta
Oscilo entre duas falas de
Shakespeare. Uma diz ser a vida o sonho de um louco, cheio de som e
fúria, a significar nada. A outra alega haver entre o céu e a terra
muito mais mistério do que pretende a nossa vã filosofia. A primeira
rufa o tambor nos meus momentos de trágico pessimismo. A segunda inspira
meu agnosticismo.
Tenho excelentes amigos, crentes e
descrentes, mesmo com eles, porém, não aceito discutir a existência de
deus ou a imortalidade da alma. Diga-se que meu passado remoto poderia
me levar por caminho diferente. Meu pai, primeiro mestre de agnosticismo
e anticlericalismo, e coisas mais, me pôs a estudar no curso primário
do colégio das Marcelinas, movido a tanto pelo declarado antifascismo
das freiras, bondosas e valentes. Nem por isso deixavam de ministrar
intermináveis aulas de catecismo.
Conduzido por minha mãe a uma aldeia
piemontesa para fugir dos bombardeios que toda noite desabavam sobre
Gênova, onde nasci, cursei os dois primeiros anos do ginásio em um
colégio dos Padres Doutrinários, razão da escolha materna do nosso
refúgio. Recordo as Marcelinas com ternura, não posso dizer o mesmo em
relação aos padres, sobretudo no que diz respeito ao diretor do colégio,
o qual era coxo como o demônio e, ao caminhar, inflava a batina do lado
esquerdo igual a vela negra. Afirmava ele que Dante teria colocado
Garibaldi no seu Inferno e que Voltaire morrera vomitando excrementos.
Fui coroinha competente, aprendi a servir
missa em latim, mas o que me seduzia era a exibição, valorizada pela
transferência do missal de um lado a outro do altar, cujos degraus
descia com pés bailarinos. De mais a mais, vestia o roquete rendado
pelas mãos da vovó Eugenia. Mesmo assim não tardei em descobrir na zona
miasmática situada entre o fígado e a alma uma tendência à hipocrisia.
De fato, em conversas particulares, definia deus como o Grande
Humorista. Meu pai ria.
Sou agnóstico porque não me considero em
condições de debater questões que escapam ao exercício da razão, dentro
dos meus modestos alcances. Creio ser chegado a Spinoza, nem esperança,
nem medo, recomendava. Deixo a emoção para outras circunstâncias. Fosse
deus um velho de barba branca, e tivesse eu a ventura de encontrá-lo,
não hesitaria em lhe dizer umas boas. Acho que, caso exista, não se
incomoda com o destino de quem teria criado, indiferente como o Sol e a
Lua.
------------------------
por Redação
— Site da Revista Carta Capital
Publicado 27/04/2015
Eu tenho encontrado pessoas. A vida é mesma feita de encontros. E até que encontremos o novo, o velho nos parecerá mais seguro. Te entendo. Agora torço para que encontremos meu amigo.
ResponderExcluirAntes de vir até a mim, ele foi a um casamento. Parece que não compraram vinho o suficiente. Ele encontrou nesta festa água cerimonial de mais e o vinho da alegria de menos. Para alguns a divindade é apenas água cerimonial, está presente, mas não trás nenhuma alegria. Ah se eu pudesse com meu carinho sincero por tuas palavras pudesse te apresentar meu amigo, minha alegria.