Chama-se a "A Quarta Revolução" e explica ao que vem: "A corrida
global para reinventar o Estado". É um livro que levanta muitas questões
e também abre algumas pistas, de que aqui deixamos um excerto.
“O Estado terá de mudar drasticamente de forma ao longo das próximas
décadas. No mundo emergente acabou a era de crescer durante a noite. No
Ocidente a era do mais está a chegar ao fim. Está na hora da Quarta
Revolução.” Este é, porventura, o ponto central deste livro de Adrian
Wooldrige e John Micklethwait que analisa a evolução das formas de
Governo nos últimos séculos e constata que a Europa, ou o Ocidente como
um todo, estão a perder a capacidade de liderar pela eficiência e pelo
exemplo. Mas que, ao mesmo tempo, modelos aparentemente mais eficientes,
como alguns que têm surgido na Ásia, têm grandes defeitos como
democracias liberais. Onde estará o futuro?
Uma vida melhor para todos os cidadãos tornou-se parte do
contrato com o Leviathan. Isso abriu o caminho à aberração do comunismo,
mas também à terceira grande revolução: a invenção do moderno
Estado-providência. Também este mudou muito em relação ao que os seus
fundadores, como Beatrice e Sidney Webb, imaginaram; mas é nesse Estado
que nós, no Ocidente, hoje vivemos. Na Europa Ocidental e na América tem
dominado sem contestação desde a Segunda Guerra Mundial – exceto
durante os anos 80 do século xx, em que Margaret Thatcher e Ronald
Reagan, inspirados por pensadores liberais clássicos como Milton
Friedman, temporariamente detiveram a expansão do Estado e privatizaram
os altos comandos da economia. Alcunhamos isto de meia revolução porque,
embora remontasse a algumas das ideias fundadoras da segunda revolução
«liberal», acabou por não fazer nada para reverter a dimensão do Estado.
Nos últimos 500 anos a Europa e a América foram a única
fonte de ideias novas sobre o Estado. Nem todas funcionaram bem mas,
mesmo nos seus desvios mais grotescos do fascismo e do comunismo, o
Ocidente continuava a esforçar-se, pelo menos na teoria, em forjar o
futuro. O resto do mundo ia atrás.
As voltas e reviravoltas de cada revolução, como veremos, foram
significativas. O que é claro, todavia, é que nos últimos 500 anos a
Europa e a América foram a única fonte de ideias novas sobre o Estado.
Nem todas funcionaram bem mas, mesmo nos seus desvios mais grotescos do
fascismo e do comunismo, o Ocidente continuava a esforçar-se, pelo menos
na teoria, em forjar o futuro. O resto do mundo ia atrás. Chineses e
russos seguiram o marxismo. A Índia, quando se tornou independente, em
1947, abraçou o fabianismo ao mesmo tempo que ateava fogo ao
imperialismo britânico. Na América Latina, a despeito da relação de
amor-ódio com os gringos de el norte, as economias da região
fizeram um avanço claudicante há duas décadas quando abraçaram na sua
maior parte «o consenso de Washington» (uma frase inventada por John
Williamson para significar uma combinação de mercados abertos com uma
prudente gestão económica). Mesmo em Pudong existe o reconhecimento de
que, até recentemente, o modelo ocidental representou o padrão ouro da
modernidade.
Os liberais vitorianos viam um Estado bem dirigido como requisito prévio da emancipação individual. Os seus sucessores fabianos viam o Estado-providência como requisito prévio da realização individual.
A liberdade e a democracia têm
sido centrais para tal. A ascensão do Estado ocidental não foi só uma
questão de organizar um funcionalismo público competente. Até o monstro
de Hobbes, como veremos, era perigosamente liberal para ser proposto por
um adepto da realeza, pois o Leviathan assentava na noção de um
contrato social entre governantes e governados. Os liberais vitorianos
viam um Estado bem dirigido como requisito prévio da emancipação
individual. Os seus sucessores fabianos viam o Estado-providência como
requisito prévio da realização individual. À medida que se expandiu, o
Estado ocidental tem tendido a dar mais direitos às pessoas – o direito a
votar, o direito à educação, aos cuidados de saúde e aos apoios
sociais. Coisas como o acesso à universidade, que há um século era
considerado um privilégio de homens brancos ricos, são vistas agora como
um serviço público, nalguns casos um direito gratuito de toda a gente.
O Estado ocidental é agora, no entanto, associado a um
outro traço: o inchaço. As estatísticas contam parte da história. Na
América, a despesa do governo subiu de 7,5% do PIB em 1913 para 19,7% em
1937, para 27% em 1960, para 34% em 2000 e para 41% em 2011. Na
Grã-Bretanha, subiu de 13% em 1913 para 48% em 2011, e a percentagem
média em 13 países ricos trepou de 10% para cerca de 47%.
O Estado ocidental é agora, no entanto, associado a um outro traço: o
inchaço. As estatísticas contam parte da história. Na América, a
despesa do governo subiu de 7,5% do PIB em 1913 para 19,7% em 1937, para
27% em 1960, para 34% em 2000 e para 41% em 2011. Na Grã-Bretanha,
subiu de 13% em 1913 para 48% em 2011, e a percentagem média em 13
países ricos trepou de 10% para cerca de 47%. Mas estes números não
captam totalmente o modo como o Estado se tornou parte do tecido das
nossas vidas. O Leviathan da América reivindica o direito de nos dizer
por quanto tempo precisamos de estudar para sermos cabeleireiros na
Florida (dois anos) e o direito de monitorizar o nosso correio
eletrónico. Também obriga os hospitais americanos a obedecer a 140 000
códigos nas maleitas que tratam, incluindo um para os danos resultantes
de ser atingido por uma tartaruga. O governo costumava ser um parceiro
ocasional na nossa vida, o contraente no outro lado do contrato de
Hobbes, o guarda-noturno que olhava por nós no de Mill. Hoje é uma ama
omnipresente. Em 1914, «um inglês sensato, cumpridor da lei, podia
passar a vida inteira sem quase dar pela existência do Estado, para além
da estação de correios e do polícia», observou uma vez o historiador A.
J. P. Taylor. «Podia viver onde quisesse e como quisesse… Em termos
gerais, o Estado agia apenas para velar por aqueles que não podiam velar
por si mesmos. Deixava em paz o cidadão adulto.» Hoje, o inglês
sensato, cumpridor da lei, não pode passar uma hora, quanto mais uma
vida inteira, sem reparar na existência do Estado.
Há poderosas razões demográficas e económicas pelas quais muita gente pensa que o Estado continuará a crescer. Os direitos crescem à medida que as populações envelhecem. Os governos dominam áreas da economia, como a saúde e a educação, que são resistentes a melhorias da produtividade.
Tem havido tentativas periódicas de travar o agigantamento do Estado. Em 1944, Friedrich Hayek, com The Road to Serfdom
(O Caminho para a Servidão), avisou que o Estado estava em risco de
esmagar a sociedade que o dera à luz. De então para cá este tem sido um
tema importante para os políticos conservadores. Em 1975, o atual
governador da Califórnia, Jerry Brown, numa anterior encarnação,
decretou uma «era de limites». Esta preocupação com os «limites»
remodelou profundamente o pensamento sobre o Estado na década e meia
seguinte. Nos anos 90 do século xx houve gente tanto de esquerda como de
direita que assumiu que a globalização iria aparar o Estado: Bill
Clinton proclamou que a era do Estado gigante tinha acabado. Na
realidade, o Leviathan tinha apenas feito uma pausa para tomar fôlego. O
Estado depressa recomeçou a crescer. George W. Bush aumentou o tamanho
do Governo dos Estados Unidos mais do que qualquer outro presidente
desde Lyndon Johnson, enquanto a globalização apenas aumentou a ânsia
das pessoas por uma rede de segurança. Mesmo levando em conta os seus
recentes contratempos, o Estado ocidental é mais poderoso do que
qualquer Estado na história e mais poderoso, de longe, do que qualquer
empresa privada. A Walmart pode ter a mais eficiente cadeia de
distribuição do mundo, mas não tem o poder de prender as pessoas ou
cobrar-lhes impostos – ou escutar os seus telefonemas. O Estado moderno
pode matar pessoas do outro lado do mundo com o toque de um botão – e
assistir em tempo real.
Há poderosas razões demográficas e económicas pelas quais muita gente
pensa que o Estado continuará a crescer. Os direitos crescem à medida
que as populações envelhecem. Os governos dominam áreas da economia,
como a saúde e a educação, que são resistentes a melhorias da
produtividade.
Mas a outra razão para o alastramento do Estado é
política. Esquerda e direita têm lisonjeado os seus apetites, a primeira
cantando os louvores de hospitais e escolas, a segunda dedicando
serenatas às prisões, às forças armadas e às forças de polícia, e ambas
criando regulamentos como se fossem confetes. O apelo a que «tem de se
fazer alguma coisa», isto é, que tem de ser criado mais um regulamento
ou mais um departamento, vem tantas vezes da Fox News ou do Daily Mail
como da BBC ou do New York Times. Apesar de toda a preocupação com os
«subsídio-dependentes» e as «rainhas da assistência social», a maior
parte da despesa do Estado é sugada pelas classes médias, muitas delas
conservadoras. Os eleitores sempre votaram a favor de mais serviços; do
que se queixam algumas pessoas é de pagar mais por eles do que as
outras. O cartaz apócrifo num comício do Tea Party avisando o «Monstro»
para «tirar as mãos do meu Medicare» resume a hipocrisia dos americanos a
respeito do Estado.
O negócio dos nossos políticos tem sido o de nos dar
mais daquilo que queremos – mais educação, mais cuidados de saúde, mais
prisões, mais pensões, mais segurança, mais direitos. E no entanto – eis
o paradoxo – não estamos contentes.
Para o melhor ou para o pior, a democracia e a elefantíase têm andado
de mãos dadas. O negócio dos nossos políticos tem sido o de nos dar
mais daquilo que queremos – mais educação, mais cuidados de saúde, mais
prisões, mais pensões, mais segurança, mais direitos. E no entanto – eis
o paradoxo – não estamos contentes.
Tendo sobrecarregado o Estado
com as suas exigências, os votantes estão furiosos por isto funcionar
tão mal. De Seattle a Salzburgo, a preocupação é a de que o sistema que
tem servido tão bem o Ocidente se tenha tornado disfuncional, que, para
usar uma frase das organizações de sondagens, as coisas estejam «fora
dos trilhos», que as nossas crianças vão viver vidas mais humildes do
que as nossas. Na América, o Governo Federal tem menos apoio do que
Jorge III à época da Revolução Americana: apenas 17% dos americanos
dizem que confiam no Governo Federal, menos de metade dos 36%
verificados em 1990 e um quarto dos 70% registados nos anos 1960. O
Congresso recebe regularmente uma taxa de aprovação de 10%. A militância
nos partidos políticos desmoronou-se. Na Grã-Bretanha, menos de 1% da
população está filiada num partido político. O número de Tories declinou
de 3 milhões nos anos 50 do século xx para 134 000 hoje, um desempenho
que teria posto qualquer empresa privada nas mãos de um administrador de
falências. Nos EUA há agora mais gente que se identifica como
independente do que como republicano ou democrata. Os únicos políticos
com sangue na guelra parecem estar nos extremos – gente que não quer
nenhum Estado ou se recusa a aceitar quaisquer reformas ou atribui a
culpa de todos os males aos imigrantes ou aos banqueiros ou à União
Europeia.
Talvez os americanos ainda tenham algum tempo para ignorar a realidade financeira; a eurocrise, em contraste, já é graficamente real.
A deriva para os extremos não é
surpreendente dada a incapacidade do centro para enfrentar a realidade.
Basta pegar nas duas maiores crises dos governos ocidentais, a
trapalhada financeira americana e a euroderrocada, e ver os políticos
centristas a comportarem-se como avestruzes. Quanto à primeira, os
economistas concordam na sua maioria em que a solução requer uma
combinação de cortes na despesa e subidas de impostos. Os economistas
discordam apenas talvez quanto à respetiva proporção. Na maioria dos
«ajustamentos financeiros» bem-sucedidos noutros países, os cortes têm
feito a maior parte do trabalho, mas nunca o trabalho todo. No entanto,
nas últimas eleições presidenciais americanas, todos os candidatos
republicanos, sem exceção, rejeitaram a ideia de qualquer espécie de
aumento de impostos. «Nem mais um tostão» era o refrão universal. Os
democratas eram só ligeiramente menos insanos na sua granítica recusa de
considerar qualquer redução de direitos sociais.
Poderá argumentar-se que talvez os americanos ainda tenham algum
tempo para ignorar a realidade financeira; a eurocrise, em contraste, já
é graficamente real. Vejam-se, no entanto, as eleições nas três maiores
economias da zona euro. A contenda de França em 2012 foi um exercício
de negação, sem que Nicolas Sarkozy ou François Hollande alimentassem
qualquer ideia de cortes no que se tornou o Estado mais inchado do
continente. Em 2013, apesar de o seu país estar a sofrer a pior crise
registada desde o pós-guerra, um em cada quatro italianos não se maçou
em ir votar – e mais de metade dos que foram escolheram ou Beppe Grillo,
um antigo cómico, ou Silvio Berlusconi, um palhaço congénito. Ninguém
acusaria Angela Merkel de farsante, mas até a sua fácil vitória na
Alemanha em 2013 foi uma recusa nacional de enfrentar a realidade,
pensando que a eurocrise era um problema do sul da Europa com os
aforradores alemães a terem de apagar o fogo. Ninguém discutiu o facto
de os bancos alemães ainda estarem de pé apenas porque os seus devedores
do sul tinham sido resgatados.
O Ocidente perdeu a sua confiança na maneira como é governado.
Há
algumas razões mecânicas para este cambaleio até ao limite da razão.
Nos EUA, a traficância com os círculos eleitorais deixou muitos
distritos congressionais nas mãos de extremistas enquanto na União
Europeia o sistema de governação é um labirinto de irresponsabilização.
Mas o facto é simplesmente que os eleitores – sejam bávaros furiosos com
os italianos preguiçosos que vivem uma dolce vita à custa dos seus
euros ou gregos furiosos com a austeridade da Sra. Merkel – estão
frustrados com o sistema. Estão mesmo danados. Já não aguentam mais. O
Ocidente perdeu a sua confiança na maneira como é governado.
O Estado terá de mudar drasticamente de forma ao longo
das próximas décadas. No mundo emergente acabou a era de crescer durante
a noite. No Ocidente a era do mais está a chegar ao fim. Está na hora
da Quarta Revolução.
O mesmo se pode dizer do mundo emergente. Após uma década de
crescimento espetacular nos mercados emergentes, muitos têm agora o seu
próprio debate sobre governação. Os pequenos príncipes chineses têm
consciência de que haver mais progresso depende agora de melhorar o
Estado, não apenas de abrir os mercados. E, como os seus pares da Índia,
veem-se confrontados com a consequência desses mercados mais livres –
uma classe média instruída, cada vez mais farta de um Estado obsoleto,
muitas vezes corrupto. No Brasil, os manifestantes fixaram-se na
corrupção: um em cada quatro brasileiros diz que pagou subornos. Na
Turquia, a queixa é a da arrogância por parte do primeiro-ministro,
Recep Tayyip Erdogan, que age mais como um sultão do que como um
democrata. Gurcharan Das, um arguto comentador indiano, aponta que não
há muito os seus compatriotas estavam dispostos a proclamar que «a Índia
cresce durante a noite enquanto o governo está a dormir». Agora, tomam
consciência de que a Índia não pode continuar a crescer enquanto as suas
escolas forem de segunda e as estradas estiverem cheias de buracos.
Mesmo a China não tem ficado imune: a frustração com as más escolas
tanto se sente em Cantão como na Praça Tahrir ou nas favelas de São
Paulo.
Portanto, tanto no Ocidente como no mundo emergente, o
Estado está metido em sarilhos. O mistério está em haver tanta gente a
assumir que é pouco provável uma mudança radical. O status quo, com
efeito, é a opção menos provável. Como secamente observou uma vez o
economista Herbert Stein: «Se uma coisa não pode continuar para sempre,
para.» O Estado terá de mudar drasticamente de forma ao longo das
próximas décadas. No mundo emergente acabou a era de crescer durante a
noite. No Ocidente a era do mais está a chegar ao fim. Está na hora da
Quarta Revolução.
Porque tem de mudar
Porque há de ser diferente esta época? Dominar o Leviathan será
globalmente o cerne da política por uma confluência de três forças: a
falência, a concorrência e a oportunidade. O Ocidente tem de mudar
porque está a falir. O mundo emergente precisa de se reformar para
continuar a caminhar em frente. Há uma competição global, mas é uma
competição que se baseia tanto nas expectativas como no medo: há
maneiras de governar melhor.
Com os baby-boomers a envelhecer, o Gabinete do
Orçamento do Congresso calcula que a conta dos benefícios sociais só por
si crescerá 60% ao longo da próxima década. O seu défice pode ser
sustentável agora, mas os Estados Unidos têm de fazer uma escolha: puxar
as rédeas a esses direitos, subir os impostos até níveis
extraordinários ou tropeçar de crise em crise.
A dívida e a demografia significam que o governo no mundo rico tem de
mudar. Mesmo antes de ruir o Lehman Brothers os governos ocidentais
estavam a gastar mais do que arrecadavam. O governo dos Estados Unidos
teve saldos positivos apenas cinco vezes desde 1960; a França não tem
nenhum desde 1974-75. A crise só fez aumentar a dívida, pois os governos
endividaram-se, com toda a razão. Em março de 2012 havia uns 43 biliões
de dólares de obrigações do Estado em circulação, comparados com apenas
11 biliões em fins de 2001. Isto é apenas uma fração das verdadeiras
responsabilidades dos governos ocidentais se contarmos com as pensões e
as prestações de saúde. Os números de muitas cidades são ainda piores:
San Bernardino, na Califórnia, e Detroit, no Michigan, declararam-se em
bancarrota por causa destas obrigações fora do balanço.
E quem vai
pagar isto tudo? Na «velha Europa», por exemplo, a população em idade
de trabalhar atingiu o seu pico em 2012, com 308 milhões – e prevê-se
que decaia para 265 milhões até 2060. Estes trabalhadores terão de
sustentar cada vez mais pessoas de idade. O rácio de dependência da
velhice (o número de pessoas com mais de 65 anos em relação ao número de
pessoas entre os 20 e os 64) subirá de 28% para 58% – e isto é
assumindo que a União Europeia deixa entrar um milhão de jovens
imigrantes por ano. Do outro lado do Atlântico, a América continua a
taxar-se com impostos de país de Estado pequeno e a gastar como se fosse
grande enquanto esconde as suas verdadeiras responsabilidades usando
táticas que fariam corar Bernie Madoff. Com os baby-boomers a
envelhecer, o Gabinete do Orçamento do Congresso calcula que a conta dos
benefícios sociais só por si crescerá 60% ao longo da próxima década. O
seu défice pode ser sustentável agora, mas os Estados Unidos têm de
fazer uma escolha: puxar as rédeas a esses direitos, subir os impostos
até níveis extraordinários ou tropeçar de crise em crise.
De seis em seis meses o Fundo Monetário Internacional publica o seu
boletim financeiro, no qual a Tabela Estatística 13 tem o excitante
título de «Economias Avançadas: Necessidades de Ajustamento Indicativas
na Base dos Objetivos de Endividamento a Longo Prazo»; a sua coluna
final faz uma estimativa de mais ou menos quanto, uma vez contabilizada a
despesa relacionada com o envelhecimento, os governos precisam de
cortar nos custos ou aumentar nas receitas em ordem a baixar a sua
dívida para níveis razoáveis até 2030. Na América, o número é 11,7% do
PIB, no Japão é 16,8% e a média no total dos países do G20 é de 9,3%.
Podemos discutir algumas das exigências do FMI em relação a determinados
países. Alguns economistas pensam que se mostra duro demais com a
América, por exemplo. Argumentam que o FMI estabelece um objetivo
desnecessariamente ambicioso para a redução da dívida do Estado (60% do
PIB) e sublinham que uma pequena alteração quer nos números do
crescimento quer na receita dos impostos faria uma grande diferença nas
perspetivas da América. Mas as duas décadas passadas da história
política da América sugerem que seria insensato apostar na capacidade do
país para subir os seus impostos. E mesmo que os números de alguma
maneira possam ser equilibrados, sem sérias reformas do seu setor
público a América tornar-se-á num «conglomerado de seguros protegido por
um grande exército permanente», com todo o dinheiro a ir para direitos
sociais e Defesa, não sobrando nenhum para educação ou qualquer outra
coisa.
Mesmo os políticos europeus mais consensualistas reconhecem que alguma coisa tem de mudar: a estatística favorita de Angela Merkel é a de que a União Europeia representa 7% da população do mundo, 25% do PIB mundial e 50% das despesas sociais.
No futuro previsível a ocupação do
Estado ocidental será a de tirar coisas – muito mais coisas do que a
maior parte das pessoas julga. Nalguns lugares, onde os governos
conseguiram administrar as suas finanças espetacularmente mal, como a
Grécia e algumas cidades americanas, essa retirada foi já dramática: em
San Bernardino o advogado da cidade aconselhou as pessoas a «trancarem
as portas e carregarem as suas armas» porque a cidade já não se podia
permitir ter polícia. Mesmo os políticos europeus mais consensualistas
reconhecem que alguma coisa tem de mudar: a estatística favorita de
Angela Merkel é a de que a União Europeia representa 7% da população do
mundo, 25% do PIB mundial e 50% das despesas sociais. Mas as políticas
de introdução da mudança serão sangrentas, pondo em liça governos sem
dinheiro que têm de cortar serviços contra eleitores agastados que
querem manter os seus direitos sociais e contribuintes que querem
receber mais em troco do seu dinheiro, contra poderosos sindicatos do
setor público que querem preservar os seus privilégios. Se milhões de
franceses saíram à rua quando o presidente Sarkozy elevou a idade da
reforma de 60 para 62 anos, Deus sabe o que acontecerá quando François
Hollande ou o seu sucessor for forçado a elevá-la para os 70.
Os grupos de interesses (incluindo muitas pessoas que
trabalham para o Estado) têm-se mostrado notavelmente bem-sucedidos em
sequestrar os governos. O exemplo do Japão é assustador: durante décadas
não conseguiu remediar o seu sistema político esclerótico enquanto a
sua economia definhava. A União Europeia parece estar a seguir uma
trajetória similar.
Esta batalha irá direita ao coração da democracia. Os políticos
ocidentais adoram gabar as virtudes da democracia e urgir os outros
países, do Egito ao Paquistão, a abraçá-la. Argumentam que «uma pessoa,
um voto» é a cura de tudo, da pobreza ao terrorismo. Mas a prática da
democracia no Ocidente está a divergir cada vez mais do ideal, com o
Congresso do Estados Unidos poluído pelo dinheiro e pelo facciosismo, os
parlamentos europeus afligidos pela deriva e o público em geral
crescentemente descontente. A verdade pouco edificante é que a
democracia ocidental se tornou bastante flácida e estafada quando se
dedicava principalmente a dar coisas. Os grupos de interesses (incluindo
muitas pessoas que trabalham para o Estado) têm-se mostrado
notavelmente bem-sucedidos em sequestrar os governos. O exemplo do Japão
é assustador: durante décadas não conseguiu remediar o seu sistema
político esclerótico enquanto a sua economia definhava. A União Europeia
parece estar a seguir uma trajetória similar.
A Ásia de orientação chinesa oferece um novo modelo de governo que põe em causa dois dos valores mais caros ao Ocidente: o sufrágio universal e a generosidade de cima para baixo (top down).
Se a
falência é o primeiro incentivo da mudança no Ocidente, a concorrência é
o segundo. Por muitas frustrações que o governo lhe faça sentir, o
mundo emergente está a começar a produzir algumas ideias chamativas,
erodindo de caminho a vantagem competitiva do Ocidente. Para quem tenta
discernir o futuro dos cuidados de saúde, a tentativa da Índia para
aplicar as técnicas da produção em série aos hospitais é parte da
resposta, tal como o sistema brasileiro de transferências condicionais
de dinheiro é parte do futuro da assistência social. Mas a questão vai
mais fundo do que isso. A Ásia de orientação chinesa oferece um novo
modelo de governo que põe em causa dois dos valores mais caros ao
Ocidente: o sufrágio universal e a generosidade de cima para baixo (top
down). Esta «alternativa asiática» é uma estranha mistura de
autoritarismo e Estado pequeno, cujo melhor símbolo é Lee Kuan Yew, que
há muito governa Singapura. Tem sido um severo crítico da democracia
desenfreada do Ocidente, mas também do seu Estado-providência, que
compara com um buffet em que se pode comer tudo o que se quiser: coisas
que deviam ter visado os pobres, tais como propinas universitárias
gratuitas e cuidados de saúde gratuitos para os mais velhos, tornaram-se
direitos da classe média, empolados e insustentáveis. E a China está a
tentar seguir o exemplo de Singapura em vez do do Ocidente, tanto no que
respeita ao Estado social como no referente à democracia. Nos últimos
dois anos alargou a cobertura das pensões a mais 240 milhões de pessoas
do campo, bastantes mais do que o número de pessoas cobertas pelo
sistema de pensões públicas da América, mas também quer claramente
evitar os excessos americanos.
Tal como nas revoluções anteriores, a ameaça é clara:
bancarrota, extremismo, deriva. Mas também é clara a oportunidade: a
possibilidade de modernizar uma instituição que carregámos com um
excesso de responsabilidades.
É fácil encontrar falhas no modelo asiático – e neste livro referimos
muitas delas. Singapura é muito pequena. A eficiência governamental da
China desconjunta-se ao nível local. Até agora o mundo emergente não tem
aproveitado a oportunidade de dar saltos em frente que a tecnologia lhe
tem oferecido. O Brasil encaminha-se para uma crise das pensões ao lado
da qual até as da Grécia e de Detroit serão uma brincadeira de
crianças. A Índia poderá ter uns quantos dos mais inovadores hospitais
do mundo, mas tem algumas das piores estradas e alguns dos políticos
mais preguiçosos. Mas não nos deixemos enganar e ser levados a pensar
que o mundo emergente está muito atrás de nós. Os burocratas da CELAP
têm razão: os dias em que o Ocidente tinha o monopólio do governo
inteligente passaram há muito.
Isto aponta para a terceira força: a
oportunidade de praticar um «melhor governo». A crise do Estado
ocidental e a expansão do Estado emergente estão ambas a chegar a um
momento auspicioso: as novas tecnologias oferecem uma hipótese de
melhorar dramaticamente a governação, mas também obrigam a colocar
velhas questões, como a mais básica de todas: «Para que serve o Estado?»
Tal como nas revoluções anteriores, a ameaça é clara: bancarrota,
extremismo, deriva. Mas também é clara a oportunidade: a possibilidade
de modernizar uma instituição que carregámos com um excesso de
responsabilidades.
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Fonte: Site de Portugal: O observador, 28/04/2015
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